Não é só Mendoza: Patagônia argentina produz vinhos especiais; conheça
A Argentina é conhecida mundialmente pela sua produção de vinhos, principalmente a província de Mendoza, centro-oeste do país. O que pouca gente sabe é que há outra área produtora que cresce a cada nova safra e já se destaca pela qualidade: a Patagônia.
Atualmente, a região conta com aproximadamente 40 vinícolas. Localizado próxima ao polo sul e com temperaturas que chegam a números negativos, o local tem condições favoráveis para a produção de uvas e vinhos que, paradoxalmente, amenizam os impactos do frio, com aspectos sutis, mas intensos.
O produtor Francisco Moreli, conhecido como Gaúcho, que começou empreendendo nas províncias de Mendoza e Salta, comprou, em 2021, um vinhedo que estava abandonado havia mais de 80 anos em Mainqué, na província de Rio Negro, na Patagônia argentina.
A escolha se deu, justamente, pelos seus vales de formação sedimentar, entre 70 e 90 milhões de anos, e sua erosão eólica e fluvial que dão origem "a um solo especial", em suas palavras.
"Além disso, o clima árido e frio, com baixo índice de precipitações, com uma média anual de 190 mm, proporciona ventos de moderados a fortes, característica relevante para o cultivo da uva, com uma amplitude térmica e com forte irradiação solar que favorece a fotossíntese", complementa o produtor, que aposta que a região, em pouco tempo, se tornará uma rota de vinhos tão conhecida como a de Mendoza.
Um vinho 'único'
A Patagônia argentina ocupa três províncias que se destacam na produção de vinhos: Rio Negro, Neuquén e Chubut. A grande diferença dos vinhos dessas regiões, em relação à rota do vinho de regiões mais quentes como Mendoza e Salta, é a quantidade de açúcar das uvas, que se transformará em álcool.
Mas o que faz do vinho patagônico especial e único? Micaela Redondo, sommelier brasileira que mora na Argentina há cinco anos, proprietária do portal sobre vinhos Cata Libre, explica que o Pinot Noir da Patagônia é diferente.
Enquanto a uva de Mendoza expressa o seu caráter mais frutado, com aromas a frutas vermelhas, como framboesa e morango, na Patagônia esses vinhos aparecem com um toque de seus irmãos franceses, com amoras, bosques, terra molhada e cogumelos.
Micaela Redondo, sommelier
Esse toque "selvagem" do vinho das montanhas do sul da Argentina também pode ter, em alguns casos, alguma nota animal bem suave. "São mais encorpados e possuem tons mais intensos. Uma grande aposta para o consumidor que aprecia o pinot noir francês", recomenda a sommelier.
Rota para exploradores e curiosos
Mesmo ainda não tendo o apelo turístico de Mendoza, Micaela destaca que o interesse pela região da Patagônia vem crescendo, principalmente com a produção de pinot noir.
Quem quiser transformar a visita à Patagonia a uma viagem de exploração, não pode deixar de conhecer, na província de Rio Negro, uma das vinícolas mais antigas da região, a Humberto Canale
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Quero receberFundada em 1909, especialista em pinot noir, de espumantes a vinhos, a vinícola está no terreno onde foram encontrados fósseis de uma nova espécie de dinossauro herbívoro de 75 milhões de anos, batizados de Panamerican Saurus Schroeder.
A descoberta virou atração turística e uma razão a mais para a Patagônia argentina entrar nos roteiros de viagem. Essa preciosidade histórica pode ser observada por quem visita a Bodega.
A descoberta dos fósseis foi sem querer. Os restos de um dinossauro de cerca de 12 metros de altura e 16 toneladas e que viveram na patagônia há 75 milhões de anos foram encontrados durante a construção de um poço. O esqueleto foi parar nos rótulos das garrafas, como a linha de pinot noir da Saurus e a Saurus Select.
Bariloche é a rota dos produtos
Os vinhos da Patagônia são raros e únicos, segundo o sommelier Eduardo Scheibel, gerente da Cava Patagônia, loja especializada em vinhos localizada no centro de Bariloche. Muitos dos vinhos produzidos na região não chegam nem a Buenos Aires e já são exportados.
Mas quem quiser aproveitar as maravilhas das montanhas do sul da Argentina pode encontrar diversas linhas na cidade de Bariloche, conhecida como BrasiLoche, pela quantidade de turistas brasileiros que desembarcam na cidade, principalmente no inverno. Em 2023, a cidade recebeu 350 mil turistas, sendo 35 mil brasileiros, de acordo com dados oficiais.
Atualmente, a província de Rio Negro, onde está a cidade de Bariloche, conta com 1.628 hectares de vinhedos, menos de 1% do total da Argentina, que se distribuem ao longo de 500 quilômetros. O fato de ser uma produção menor, em relação às outras regiões do país, também faz com o que o vinho da Patagônia seja exclusivo, único e especial.
Uva menos madura e mais suave
A uva produzida na Patagônia é menos madura e, por isso, em geral, mais suave, com menos álcool e mais acidez, ou seja, aquele frescor que gera paladar.
Eduardo Scheibel, sommelier
A fruta que melhor se adaptou ao clima foi a uva pinot noir, originária da França, muito delicada a, ao mesmo tempo, exigente com o seu lugar de cultivo. Sua principal característica é a casca bem fina, que amadurece em terras rígidas, selvagens e de clima fresco, mais ácidos e com menos açúcar.
Os vinhos da Patagônia, em geral, têm 12% de álcool, o que é considerado um vinho de baixo teor alcoólico. "Se temos uma uva no sol e outra na sombra, por exemplo, a que esteve ao sol ficará mais doce e a água irá diluir. Por outro lado, a uva que estava na sombra vai continuar ácida, com menos açúcar. O álcool é o resultado da fermentação do açúcar. Por isso, uma uva mais madura terá mais álcool, o que não é, em geral, o caso da produção dos vinhos patagônicos", explica o sommelier.
Pinot de coloração suave
Outra característica desse tipo de uva, que se dá essencialmente por causa da pele da fruta, é a cor do vinho: mais "ralo", menos denso, com coloração mais suave e transparente. Mas se engana quem imagina que, por ser uma uva mais "suave", os vinhos se restringem ao sabor de frutado, como é muito comum associar a pinot noir.
Schiebel explica que "tudo vai depender da produção dessa uva, por isso é muito importante saber as condições não só climáticas, mas "das mãos" que produzem o vinho".
Para ele, quanto mais contato com a natureza tem o produtor, melhor. "O vinho tem que ser limpo em toda a sua elaboração, respeitando a natureza. Quando tomo um vinho, essa experiência é única, por isso ele não pode ser sempre igual. A cada nova safra, a cada novo cultivo, um novo vinho. E esse trabalho de extrair o melhor da uva para elaborar o melhor vinho é o que faz o produto ser especial", avalia.
'Cata às cegas'
Um dos processos mais divertidos e reveladores de participar de uma "cata às cegas", como as que promovem a Cava Patagônica, em Bariloche, é provar determinado vinho sem ter nenhuma informação sobre ele, como o preço, a safra, da uva etc.
Por ser uma produção menor em relação ao restante do país, o sabor do vinho da Patagônia não nos parece comum. A sensação que temos é de ser um vinho exclusivo, como foi o caso do Vinho Blend de Tintas da Bodega Des de La Torre de Chos Malal, servido por Schiebel na Cava Patagônia, durante a cata às cegas
Num primeiro momento, o cheiro da bebida demonstrava que ela não passaria despercebida; difícil de ser decifrado, o que a tornou ainda mais atraente ao paladar. Um vinho que guarda uma força, sem ser pesado, com uma concentração de sabor soberano.
O melhor é o preço, principalmente para o turista brasileiro, que leva vantagem por conta da desvalorização da moeda argentina. O vinho que provamos é considerado caro para a média dos vinhos argentinos, é vendido por aproximadamente 8.500 pesos. A boa notícia é que esse tipo de vinho para o turista brasileiro custará aproximadamente 85 reais, pela cotação do dólar turístico do momento em que foi feita essa reportagem.
Harmonização
Esse é um passo importante, mas controverso. Cada pessoa tem seus gostos e a harmonização, apesar de ter argumentos científicos, também se desenvolve a partir de um caminho de conhecimento sobre vinhos e sobre nós mesmos, nosso paladar, preferências e escolhas.
Para a sommelier Micaela Redondo, os vinhos pinot noir da Patagônia são excelentes para acompanhar pratos com cogumelos. "Um risoto ou um filet ao molho de champignons, por exemplo. Os brancos podem acompanhar peixes mais gordurosos, como salmão ou truta. Quanto aos tintos, carnes mais intensas, ensopados e massas", avalia.
Para Schiebel, os vinhos da Patagônia, principalmente da uva pinot noir, vão bem com pratos suaves e ácidos, como os molhos, as lasanhas, os risotos e os peixes, a exemplo da truta - pescado da região - salmão, atum e bacalhau. "Não existe a regra do vinho tinto para carne e vinho branco para peixe. Quando o prato é muito ácido, ou seja, com pouco álcool, o vinho que também é mais ácido leva vantagem."
Marcante e resistente
Para poder ser cultivada em uma região de tanto frio e vento, como é a Patagônia, é preciso que a videira seja resistente e adaptável. "A uva tem colheita na primavera e no verão, e descansa no inverno, então a rigidez do frio da região não atrapalha o cultivo", explica Schiebel.
Com o excesso de vento, os troncos se tornam resistentes e as uvas da Patagônia se formam com a pele mais rígida, mesmo sendo mais finas e suaves, o que mostra que a complexidade deste vinho começa já no processo de adaptação da fruta.
Das cerca de 40 vinícolas da Patagônia argentina, 20 delas promovem o enoturismo. Atualmente, os vinhos da Patagônia são exportados, em sua maioria, para os Estados Unidos, por isso é difícil encontrá-los na capital Buenos Aires, por exemplo. A dica, então, é deixar um espaço na mala quando visitar Bariloche.
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