'É vantagem ser do Peru': chef do n°1 do mundo afasta complexo de vira-lata
Não espere que Pia León fale de restaurantes. A chef peruana de 37 anos trata seus estabelecimentos como "conceitos". E, diante de qualquer prato elaborado por ela, faz muito sentido não tratar alimento apenas como comida.
Ao lado do marido Virgílio Martinez, ela comanda o Central, escolhido o melhor do mundo em 2023 pela prestigiada lista do 50 Best. E toca sozinha o Kjolle, que ficou em 28º lugar no mesmo ranking. Não é pouco, mas também não é tudo, segundo ela mesma em entrevista ao UOL.
Para nós, as premiações e reconhecimentos são um meio, não um fim.
Segundo a chef, vale mais transmitir a mensagem de respeito e cuidado, seja com os ingredientes exaustivamente pesquisados por ela, o marido e suas equipes, seja pela comunidade que ronda todos os projetos do casal.
Além do Central e do Kjolle, em Lima, eles ainda tocam o Mil, em Cusco, e a ONG Mater, que combina antropologia, botânica, arte e cultura para pesquisas de meios para expressar e entender a alimentação e a arte de transformar alimentos.
Ser o número 1 te coloca em uma posição de grande responsabilidade. Ser referência e receber atenção do público vem com a necessidade de ser muito cuidadoso em cada passo que se dá e fazer com muito respeito, conta.
A vantagem peruana
Mais do que nunca, o Peru domina as conversas gastronômicas. Mas o esforço e a união de forças de comunidades e chefs renomados não são de hoje e levaram tempo para chegar aos círculos em que Estados Unidos, Europa e Ásia recebem, historicamente, recebiam mais atenção.
Pia, porém, enfatiza que não há lugar ou tempo melhor para se estar hoje:
Estar no Peru é uma grande vantagem. Temos a sorte de estar em um território megadiverso em ecossistemas e habitats culturais e naturais acessíveis - apesar das distâncias ou rotas complicadas, afirma.
E não se trata somente dos irresistíveis produtos, histórias e saberes ancestrais, base de muito da cozinha praticada por Pia e seu marido.
"Por outro lado, no Peru, também recebemos uma influência de outras culturas, notavelmente a espanhola, mas também outras imigrantes, como a japonesa, africana, chinesa, italiana. O que torna a gastronomia peruana uma mescla surpreendente de sabores e ingredientes que têm sido abraçados pela cultura local e incorporados de maneiras inesperadas".
Orgulho latino
Generosa, percebe as mil e uma possibilidades também para toda a região, do México à Terra do Fogo. E esse sentimento passa, claro, pelo Brasil.
Não à toa, nas últimas semanas, desembarcou no Rio de Janeiro e em São Paulo para coordenar menus variadíssimos em alternância com Alberto Landgraf, no carioca Oteque, e Ivan Ralston no paulista TUJU.
"A gastronomia latino-americana é infinitamente rica em insumos e oferece um mundo de possibilidades, cores, texturas e sabores. Ainda resta muitíssimo por explorar e investigar", crava.
E nada de "complexo de vira-lata" com a chef:
Como peruanos e latino-americanos, temos nos comparado demais com a gastronomia e a cozinha de fora, mas temos identificado nossas fortalezas e nossas oportunidades e temos nos situado onde devemos em nível culinário, turístico e de hospitalidade, se orgulha.
Especificamente sobre seu Kjolle, Pia assume que, após abertura em 2018 e toda uma pandemia, o caminho estava por se esclarecer.
"Hoje já está mais consolidado e já sabemos exatamente que o que nos interessa é reunir da natureza do Peru e atravessar suas paisagens em ingredientes, recompilando histórias e mantendo um vínculo próximo com pessoas através de artes (entre elas, a cozinha)".
O futuro é calmo - e feminino
Pia exibe em sua imensa prateleira de prêmios o de melhor chef mulher do mundo em 2021. (Em 2022 e 2023, outras potências latinas: a colombiana Leonor Espinosa e mexicana Elena Reygadas).
Ainda assim, Pia não acha que está no ápice de sua carreira.
Acredito que, todos os dias, há espaço para fazer melhor, focar no mais importante e não desviar a atenção. Me interessa muito manter minha motivação, própria e individual, mas também a coletiva. Como líderes, é vital ser fonte e motor e ser exemplo. Para isso, tento exercitar a paciência e a calma, conta.
Sobre a presença e a potência feminina nas cozinhas, a chef acredita que hoje há mais espaço, reconhecimento e respeito.
Hoje em dia as mulheres cozinheiras gerem suas próprias cozinhas, impõem novas correntes e formam equipes sólidas. Pode ser que ainda existam mais homens que mulheres nas cozinhas, mas está evidente uma mudança significativa, crê.
Mas se mantém atenta: "Isso não quer dizer que, falando de nosso país e da América Latina, que ainda não haja muito por fazer quanto a igualdade em oportunidades e trabalho e isso não só em nossa categoria".