A vida (e os perrengues) do piloto brasileiro que faz resgates no Himalaia
Lar de muitas das montanhas mais altas do mundo, o Himalaia é um paraíso para turistas. Ao caminhar sob os picos nevados de colossos como o Everest, é impossível não se sentir deslumbrado (e minúsculo) perante a imponência da natureza.
A cordilheira asiática, por outro lado, pode virar uma prisão caso você se veja em apuros no meio de seus paredões.
Cercados por paisagens montanhosas que parecem não ter fim, muitos de seus vilarejos e trilhas não oferecem acesso a carros, ficam a dias de caminhada de médias e grandes cidades e não contam com hospital: sofrer um acidente ou enfrentar um grave problema de saúde em algum desses remotos locais pode ser uma sentença de morte.
A salvação, porém, às vezes chega do céu, na forma de um helicóptero pilotado por um brasileiro.
Piloto mineiro no Nepal
Atualmente, diversas pessoas que vivem situações dramáticas na região nepalesa do Himalaia são resgatadas pelo mineiro Alexandre Murta Collares.
Após trabalhar por anos como piloto de helicóptero no Brasil, Alexandre recebeu, em 2017, uma proposta de emprego de uma empresa de táxi aéreo do Nepal. Ele, então, fez as malas e decidiu começar a voar profissionalmente entre alguns dos vales e montanhas mais lindos do planeta.
Além de transportar carga e turistas a passeio entre diferentes pontos da cordilheira, ele logo viu que teria que lidar com emergências com bastante frequência, como socorrer gente em situação de perigo no meio das montanhas.
"Já busquei estrangeiros passando muito mal por causa da altitude, pessoas que tiveram problemas ao escalar as montanhas e moradores dos vilarejos em situação crítica de saúde", conta.
Entre as pessoas já socorridas pelo brasileiro está um turista italiano que, durante uma longa trilha rumo ao campo base do Everest, desfaleceu ao entrar na casa dos 5.000 metros de altitude. "Ele foi trazido até mim carregado, para não cair no chão. Estava muito fraco", relata.
Com equipamento de oxigênio no helicóptero, Alexandre conseguiu levar, em 10 minutos, o combalido viajante até uma vila com atendimento médico.
Ele também já voou algumas vezes até o campo 2 do Everest, acampamento utilizado por pessoas que estão escalando a montanha mais alta do mundo e que fica a mais de 6.000 metros sobre o nível do mar.
"Em uma dessas ocasiões, fui resgatar um nepalês que estava guiando um americano na subida do Everest e que, no percurso, começou a sentir fortes dores no peito. Tive que transportá-lo até um hospital".
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberRiscos e morte a bordo
As viagens envolvem riscos consideráveis para o próprio Alexandre: além de precisar da destreza para voar entre gigantescas montanhas, ele deve enfrentar os desafios impostos pela altitude.
"O resgate do nepalês com dor no peito no campo 2 do Everest, por exemplo, foi muito difícil", relembra. "Como em outras missões, eu mesmo precisei usar equipamento de oxigênio. E o resgate tinha que ser rápido, pois um nevoeiro começou a tampar tudo. Corri o risco de ficar preso no campo 2 e não conseguir transportar o homem. Além disso, eu não estava aclimatado para ficar muito tempo naquela altitude, de mais de 6.000 metros. As coisas poderiam ter dado muito errado. Mas, no final, consegui voar para fora de lá e levá-lo para um hospital".
Boa parte do trabalho do brasileiro se concentra em resgatar moradores de remotos vilarejos do Nepal, onde não há médicos ou equipamentos para atendimentos complexos de saúde - e, em cujo terreno acidentado, há só diminutos espaços para pousar o helicóptero.
Vítimas de deslizamentos de terra e pessoas com problemas urgentes de saúde (como ataques cardíacos e derrames) estão entre os casos que, às vezes, precisam ser atendidos.
"Uma vez, embarquei um idoso que estava doente e muito fraco, em uma vila nas montanhas. Fiz um voo de 20 minutos até Kathmandu, onde ele iria para um hospital. Mas ele ficou inconsciente durante o voo. Quando pousamos, uma ambulância veio buscar ele. E foi atestado que, infelizmente, ele tinha morrido".
E, na correria dos resgates, algumas gambiarras devem ser feitas.
Em certa ocasião, um homem acidentado foi trazido imobilizado sobre uma tábua para o interior do helicóptero.
A prancha de madeira, porém, não cabia lá dentro: "Os amigos tiveram que serrar a tábua, para que ela pudesse caber e eu pudesse voar".
E, em suas viagens, Alexandre já se viu no meio de uma violenta crise comunitária: "Houve uma briga em uma vila do Nepal por causa de política. E um homem ficou seriamente ferido. Ao pousar lá, policiais tiveram que cercar o helicóptero, para que eu pudesse remover o homem".
Seguro necessário
Dependendo da distância percorrida, empresas de táxi aéreo no Nepal cobram mais de US$ 1.500 para fazer um resgate em áreas remotas do Himalaia.
Os moradores dos isolados vilarejos do país são, via de regra, muito pobres. E diversos deles acabam contando com uma ampla "vaquinha" dos seus vizinhos para arcar com o transporte aéreo.
"Há também casos em que a municipalidade arca com as despesas, com verba pública", conta Alexandre.
Grande parte dos turistas, por sua vez, têm seguro que cobre esse tipo de emergência. Mas, caso não tenham, o prejuízo pode ser enorme.
Um caso grave que demande transporte aéreo entre uma região remota do Nepal e Kathmandu, por exemplo, pode sair por mais de US$ 4 mil.
Alexandre, por sua vez, divide os méritos do seu trabalho com outros profissionais.
"Eu não salvo ninguém. Não tenho esse poder. Faço parte de um processo que envolve muitos profissionais que ajudam pessoas que passam por emergências no Nepal, como os enfermeiros e médicos em terra. Sou apenas uma parte de todo esse sistema", afirma. "Mas me sinto útil. E isso é muito gratificante".
Alexandre tem um livro chamado "Resgates no Himalaia", em que conta mais detalhes sobre seu trabalho.
Deixe seu comentário