Corpo misterioso e cabeça no saco: Brasil tem um cemitério à beira-mar
De Nossa, em São Paulo*
12/01/2024 04h03
Saem os guarda-sóis, entram os túmulos: o cemitério de Pedras Compridas, no Ceará, ocupa a beira do mar do distrito de Icaraí de Amontada há mais de 100 anos. O cenário inusitado rouba a cena inclusive nas redes sociais, onde o vídeo de um turista viralizou essa semana.
Mas, apesar da paisagem paradisíaca, a falta de planejamento assombra quem tem entes queridos enterrados, já que o mar não para de avançar sobre o peculiar — e clandestino — cemitério.
Como foi criado o cemitério à beira-mar?
A teoria mais forte é de que uma velha moradora encontrou o corpo de um homem na praia, com um pedaço de corrente em volta do pescoço e um saco na cabeça.
Ela decidiu dar um enterro digno ao desconhecido, que ficou conhecido como "homem do saco", na mesma praia.
A mulher contou a história para vizinhos e um deles disse ter sonhado com o morto, que "comunicou" que se chamava Serafim e queria ser chamado assim.
O desejo foi atendido, mas os moradores teriam errado a grafia, escrevendo "Sarafim" em vez de "Serafim" na cruz do homem.
Logo teriam começado os "milagres" de "São Sarafim" — não detalhados pelos moradores.
A fama de santo fez com que Serafim ganhasse "vizinhos", impulsionando o crescimento do cemitério que nasceu por acaso.
Cemitério é ponto turístico, mas maré "afoga" mortos
Os buggies que levam turistas para passear nos Lençóis Cearenses têm o cemitério das Pedras Compridas como ponto obrigatório. Mas as belezas naturais que atraem o público, também ameaçam o "descanso" dos mortos.
O avanço do mar ameaça o cemitério e esconde as sepulturas mais perto da água, que ficam submersas. Outras já sumiram de vez, soterradas pela areia trazida pelas ondas. Ainda segundo moradores mais antigos, a frequência com que os túmulos são atingidos está maior nos últimos anos.
Para tentar conter o avanço do mar, a prefeitura chegou a colocar sacos de areia em volta dos túmulos, mas não adiantou: as ondas passaram por cima deles e cobriram as sepulturas do mesmo jeito.
O túmulo do próprio São Sarafim foi um dos primeiros atingidos pela água, o que levou moradores a fazer túmulo simbólico. Sempre que a maré sobe demais, eles mudam a cruz do "santo" lugar e a fincam em outra sepultura.
Vila tem outras opções, mas cemitério à beira-mar continua favorito
Icaraí já tem outros cemitérios, mas o descanso praiano segue o preferido para sepultamentos em Icaraí, apesar de nunca ter sido regulamentado.
A falta de registro faz com que a prefeitura de Amontada, a quem pertence o distrito a cerca de 200 quilômetros de Fortaleza, não saiba quantas pessoas já foram enterradas ali, ou quem elas são.
* Com informações de "Na areia da praia: avanço do mar ameaça cemitério mais original do Brasil", da coluna "Histórias do Mar" publicada em Nossa no dia 10 de dezembro de 2022