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O que é o Festival de Parintins, do qual a BBB Isabelle é cunhã-poranga

Isabelle, do BBB 24, é cunhã-poranga do Boi Garantido Imagem: Reprodução/Instagram/@isabellenogueiraoficial

Janaína Silva

Colaboração para Nossa

23/01/2024 04h05

O Festival Folclórico de Parintins, maior espetáculo folclórico do país, tornou-se assunto desde o início do BBB 24, quando Isabelle Nogueira, 31, conquistou uma vaga na casa por voto popular. Isso porque a participante é a personagem cunhã-poranga do Boi Garantido desde 2018.

Além disso, ao longo da primeira semana de confinamento da casa, cuja rotina é monitorada 24 horas, um dos participantes fez comentários sobre a manauara, chamando-a de "índia", ao que ela explicou que o correto é falar povos originários ou indígenas e também que Isabelle só falava sobre o evento folclórico e só cantava música do boi-bumbá.

O que é o Festival de Parintins?

Em Parintins, município do interior do Amazonas, conhecido como ilha Tupinambarana ou ilha da Fantasia, que está a 369 km de distância da capital Manaus, o festival folclórico é promovido anualmente, desde 1965, na última semana de junho, podendo adentrar em julho, e é considerado patrimônio cultural do Brasil pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Imagem: Divulgação

Neste ano, a apresentação dos bois Garantido e Caprichoso ocorrerá nos dias 28, 29 e 30 de junho, cujos temas são, respectivamente, Segredos do Coração e Cultura, o Triunfo do Povo.

Os bois e as torcidas azul e vermelha são conhecidos de forma pontual e superficial no cenário nacional. Capaz que você tenha lido por aí que Parintins é o único lugar do mundo que tem uma Coca-Cola azul, feita especialmente para contemplar os torcedores do Boi Caprichoso. A marca é patrocinadora do festival há muitos anos.

"A festa é o reconhecimento da brasilidade e de como a diversidade das culturas e da construção de uma identidade nacional são complexas. O boi-bumbá de Parintins é uma manifestação dessa diversidade cultural, que representa na sua essência as resistências dos povos originários e tradicionais que ainda hoje habitam a Amazônia brasileira", afirma Soriany Simas Neves, professora adjunta na UFAM-Parintins (Universidade Federal do Amazonas).

Chuva de cultura, música e beleza

Festival de Parintins acontece no bumbódromo Imagem: Yuri Pinheiro/Divulgação

Para Carlos Barros Monteiro, jornalista e professor do curso de jornalismo UFAM-Parintins, o festival é muito maior e rico culturalmente do que muitos imaginam.

"O Carnaval brasileiro é lindo, mas um único samba enredo executado na avenida por mais de uma hora, cansa. Na arena do bumbódromo, são executadas mais de 30 toadas, sendo cerca de 15 inéditas, a cada ano. Cada toada tem uma história de um item de cada boi ou da cultura brasileira e com coreografia própria. Cada tema é apresentado por cada bumbá no decorrer das três noites, com características peculiares."

Para ele, ninguém fica entediado.

Cada alegoria que entra arrepia. Muitos efeitos especiais e interação deixam o público extasiado. Tem alegoria espetacular que fica menos de 20 minutos na arena. Paralelo à evolução da alegoria, vários bailarinos fazem coreografias que contam histórias. Carlos Barros Monteiro, jornalista

O festival profissionalizou-se na organização. Monteiro relata que o bumbódromo, que tem capacidade para 35 mil pessoas, é um equipamento que supera de longe a infraestrutura de todos os sambódromos espalhados pelo Brasil.

"Conheço os de Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e Bauru e não chegam nem perto em qualidade e segurança. E ainda acho que há espaço para melhorias, como possível cobertura. No entanto, em termos de extrapolar as fronteiras da região Norte tornando-se conhecido em todo país, precisa evoluir", afirma Monteiro.

O boi como centro da festa

Imagem: Yuri Pinheiro/Divulgação

A pesquisadora Soriany Simas Neves explica que o boi-bumbá de Parintins tem influência do bumba meu boi do Maranhão em decorrência da migração de nordestinos para os estados da Amazônia no século 20, sobretudo nos anos áureos do ciclo da borracha, entre os anos de 1876 e 1916.

"Nesse período, ocorreu o aparecimento de vários folguedos folclóricos similares que têm a figura do boi como mote central. No Amazonas, existem várias facetas. Em Manaus, há os bois Galante, Corre Campo e Garanhão e, em Parintins, o surgimento de Garantido e Caprichoso, por volta de 1913", conta Neves.

De acordo com ela, historiadores parintinenses e estudiosos da cultura popular amazônica documentam a existência do Boi Campineiro, que inclusive concorreu nos primórdios da história do Festival de Parintins. "No entanto, apenas Garantido e Caprichoso se constituem como produtos midiáticos e de massa, que deram uma singularidade para a brincadeira de boi na Amazônia", explica a professora.

Imagem: Yuri Pinheiro/Divulgação

O Garantido, o boi branco, das cores vermelho e branco, nasceu de uma promessa a São João feita pelo fundador Lindolfo Monteverde para que se lhe curasse de uma enfermidade, colocaria um boi nas ruas todos os anos.

"A pessoa que fica embaixo do boi, conduzindo o boi, chama-se tripa do boi. É quase que sagrado para esse tripa do boi entrar embaixo do boi e dançar, dar vida ao boi. Tanto é que costumeiramente isso é passado de pai para filho. Não é qualquer pessoa que entra embaixo do boi para dançar. É um processo de seleção. Normalmente, tem dois titulares e dois reservas, porque é muito cansativo ficar a noite toda. Geralmente, eles usam de dois a quatro tripas para evoluir em cada noite. Mas, nos momentos principais, é o titular que se apresenta", explica o professor Monteiro.

Já o Caprichoso, o boi negro, das cores azul e branco, teve a mesma origem, também uma promessa. No entanto, conforme fontes oficiais do Instituto Memorial de Parintins, o boi negro teve vários patronos, com destaque para Roque Cid, fundador que se destaca nas narrativas e pesquisas.

Quem é a cunhã-poranga?

A pesquisadora explica que a Amazônia abriga vários povos —tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos— e apresenta um mosaico de culturas, resultado de um processo de formação complexo, não existindo uma única Amazônia, mas várias.

Existem debates na universidade e na comunidade sobre a relação entre personagens, cultura local e povos tradicionais. "De fato, o festival não representa o cotidiano dos povos locais em sua complexidade, pois são realidades com particularidades próprias", fala Carlos Barros Monteiro.

Assim, a festa popular traz toadas, danças coreografadas, alegorias deslumbrantes e histórias folclóricas da região amazônica que representam a pluralidade, num total de 21 itens, mas pajé, cunhã-poranga, apresentador, levantador de toadas, bateria, amo do boi (o dono) ganham destaque, pois atuam quase que integralmente em cada noite, são elementos e personagens com ares de celebridades no Amazonas.

"A rivalidade já passou por várias fases, desde a criação dos bois. Hoje o ambiente é bastante tranquilo entre os bois contrários. Predomina a disputa por quem apresenta maior detalhamento do tema proposto. Luxo nos figurinos e alegorias fazem parte da disputa. A rivalidade é saudável", esclarece Monteiro.

A concepção de disputa em itens e todo um critério de julgamento por jurados especialistas em cultura popular iniciou-se a partir de um grupo de jovens, denominados como Juventude Alegre Católica, para atenuar os embates dos bois rivais nas ruas de Parintins, segundo a professora, no ano de 1965.

"Assim, o boi de Parintins transformou-se em uma manifestação de cultura popular com características massivas e que se traduz hoje numas das festas folclóricas e midiáticas mais potentes da cultura brasileira, que só podemos ver e experienciar no Brasil."

Isabelle, do BBB 24, representa, no Boi Garantido, um item de grande destaque, que é a cunhã-poranga, definida pelos critérios de moça bonita, guerreira e guardiã, que expressa a força por meio da beleza.

"É o sonho de muitas meninas no Amazonas. De fato, a exposição na principal emissora aberta do país é uma oportunidade estratégica", explica o professor Monteiro.

Isabelle, do BBB 24 Imagem: Reprodução/Instagram/@isabellenogueiraoficial

Para a pesquisadora, ter uma representante de uma festa que traduz de certa forma a diversidade cultural, com a vivência do cotidiano da vida amazônica, nesse movimento de ir e vir pelas cidades (urbana) e comunidades do interior (rural), é muito significativo para os povos da floresta que habitam os territórios amazônicos.

Importância econômica e política

A cidade aguarda o festival o ano inteiro. Moradores reformam casas e quitinetes para alugar, já que a rede hoteleira e de pousadas não atende nem a metade das pessoas que vão ao festival.

"A ilha fica cercada de embarcações de muitas comunidades e cidades do Amazonas e do Pará, principalmente. Muitos brincantes —como o público é chamado— e turistas dormem nas embarcações, em redes. O governo do estado e a prefeitura fazem melhorias estruturais urbanas", detalha Monteiro.

População de Parintins dobra durante o festival Imagem: Divulgação

A sede do governo do Amazonas é transferida para Parintins durante a festa. A cidade ganha uma atmosfera de celebração com ruas enfeitadas, eventos alternativos e atividades culturais.

Em 2023, a economia de Parintins registrou movimentação de R$ 146 milhões durante a comemoração do 56º Festival Folclórico. O evento atraiu mais de 110 mil pessoas durante os três dias de celebrações, de acordo com dados do Amazonastur (Empresa Estadual de Turismo do Amazonas).

Segundo a Semtur (Secretaria de Turismo de Parintins), a realização do festival também gera empregos temporários, estimando-se pelo menos 10 mil diretos e indiretos no município (estado, prefeitura, bois e empresas privadas).

A movimentação não se limita aos eventos no bumbódromo, pois outras empresas do ramo de alimentos também contratam trabalhadores para atender a demanda que aumenta durante o festival, considerado um dos maiores espetáculos a céu aberto do mundo.

Preparativos para o espetáculo a céu aberto

Embarcações em Parintins chegando para o festival Imagem: Divulgação

O período que antecede o festival é marcado pelo lançamento oficial pelo governo do Amazonas, seguido pela divulgação do calendário de eventos pelos bois Caprichoso e Garantido.

Os torcedores começam a se preparar para os ensaios nos currais, como são chamados os redutos das torcidas vermelha e azul, onde acontecem os preparativos, como a criação das fantasias e alegorias. Cada um deles possui o seu curral, com estrutura que inclui até museus.

Os trabalhos nos galpões de alegorias começam após o retorno dos artistas que participam do Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo. O calendário e valores dos ingressos para assistir ao festival no bumbódromo só são divulgados após o Carnailha e o Carnaboi, que acontecem no Carnaval.

Ainda na temporada, é lançado o álbum musical de cada boi. Uma das tradições é a Alvorada Vermelha, festa do Boi da Baixa do São José, que acontece no dia 30 de abril (véspera de feriado), e atrai torcedores de várias localidades.

O Caprichoso também realiza seu evento tradicional, o Boi de Rua, que ocorre uma semana antes do festival. Este ano acontecerá no dia 22 de junho. Além disso, um dia antes da grande festa, ocorre no bumbódromo a Festa dos Visitantes, com a participação de atrações nacionais famosas e muita toada dos bumbás.

Festa Boi de Rua, do Caprichoso Imagem: Yuri Pinheiro/Divulgação

Como chegar em Parintins? Considere a passagem de avião ou ônibus da sua região até Manaus. Na sequência, pode-se escolher entre um voo de cerca de uma hora, partindo do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, ou uma aventura de barco pelo rio Amazonas, que pode levar de 14 a 18 horas, dependendo da embarcação.

Onde se hospedar? É possível hospedar-se em pousadas ou hotéis. A cidade conta com 20 pousadas e 10 hotéis cadastrados no Cadastur —cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo. Segundo a Amazonastur, os hotéis em Parintins têm valores a partir de R$ 113.

Vacinas em dia. A vacina da febre amarela é indicada para residentes e/ou viajantes que se destinam às áreas com recomendação de vacinação, caso do estado do Amazonas, com pelo menos 10 dias de antecedência da data da viagem, tempo necessário para que o imunizante crie a proteção adequada.

Fontes: Carlos Barros Monteiro, jornalista, documentarista, coordenador acadêmico e vice-diretor do Icsez (Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia) da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) - campus Parintins, professor do curso de jornalismo UFAM-Parintins e Soriany Simas Neves, professora adjunta na UFAM-Parintins, pesquisadora na área de cultura popular nas suas relações midiáticas e cultura amazônica, e organizadora da obra "Folkcomunicação no Amazonas: Processos Midiáticos Contemporâneos da Cultura Popular".

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