Até 8 meses sem folga: brasileira viaja o mundo trabalhando em cruzeiros
A temporada oficial de cruzeiros no Brasil vai até abril e, do universo dessas embarcações, a fluminense Lizie Evangelista, 32 anos, entende muito bem.
Conhecida na internet pelo pseudônimo 'Maria Mochileira', há seis anos ela trabalha em navios desse tipo, já passou por mais de 70 países e compartilha a jornada em seu blog e perfil no Instagram.
Natural de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Lizie está em seu nono cruzeiro, que segue até fevereiro de 2024 por Barbados, no mar do Caribe. Desbravadora, seu interesse em conhecer diferentes lugares do mundo surgiu quando ela fez sua primeira viagem internacional, em 2011, para o Japão.
"Eu queria ver uma banda chamada 'Siam Shade', que eu amava desde a adolescência. Juntei dinheiro, fiz rifa, parcelei a passagem e fui passar cinco dias em Tóquio para o show deles. Nos anos seguintes, fiz algumas viagens estilo mochilão para Espanha, Portugal e Estados Unidos", conta.
Como começou em cruzeiros
A ideia de trabalhar em navios veio em 2017. Na época, Lizie dividia apartamento com duas meninas e trabalhava com design gráfico, mas não via futuro nesse ramo por achar que a área é desvalorizada no país. Quando uma das suas companheiras hospedou uma amiga que era recepcionista em um navio, foi o empurrão que faltava para dar um rumo diferente em sua vida.
Inspirada por essa experiência, ela procurou uma agência de recrutamento para cruzeiros e foi aprovada numa vaga para trabalhar no restaurante de uma embarcação com destino ao leste caribenho e países da Europa como Suécia, Finlândia, Estônia e Rússia.
O contrato previa embarcar em dezembro daquele ano e ficar durante oito meses. Antes, ela precisou fazer dois cursos de proteção e segurança em navios, que são obrigatórios para trabalhar na área. Depois da área de restaurante, Lizie fez treinamento para recepcionista e hoje é supervisora de recepção.
Como é o trabalho
Engana-se quem pensa que a vida daqueles que trabalham em cruzeiros é igual à do turista que está lá para se divertir.
Embora tenha as vantagens de ver paisagens incríveis, acordar todo dia em um lugar diferente e ganhar em dólar, o trabalho é puxado, principalmente para quem está em embarcações maiores, no restaurante ou na "galley" (como chamam a cozinha do navio). Ela já atuou em um com 3.400 passageiros.
"Nesse havia dois restaurantes, um com capacidade para mil e o outro para 700 pessoas, e o jantar era dividido em dois horários para acomodar todo mundo. Imagina servir toda essa gente todos os dias"
Os cruzeiros são divididos geralmente em três departamentos: "deck", "engine" e "hotel". O "deck" é constituído pela ponte de comando. São as pessoas que vão, de fato, tripular a embarcação: capitão, oficiais e marinheiros.
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BARES E RESTAURANTES
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Quero receberA "engine" gerencia toda a parte de manutenção de equipamentos, máquinas, encanamento e rede de ventilação. A área de "hotel" cuida da hospitalidade, incluindo a cozinha, bar, restaurantes e recepção.
O tempo de contrato para atuar em cada navio varia. Lizie, por exemplo, já trabalhou em cruzeiros de três meses e outros de oito meses. Durante esse período, ela trabalha todos os dias por cerca de 10 horas, com carga horária distribuída em dois ou três turnos.
Quando acaba o contrato com uma embarcação, ela tem dois meses de férias até partir em um novo cruzeiro. "São poucos os empregos em que você consegue ter férias mais longas, então acaba compensando a loucura da rotina de trabalho a bordo", diz.
Realty em alto-mar
Durante o tempo do cruzeiro, o navio é a casa de Lizie e dos seus colegas de trabalho. Ela conta que o local parece quase um "Big Brother", por conta do confinamento.
Passamos muito tempo confinados com as mesmas pessoas e viramos uma família, cheia de amor e treta, como todas as outras.
As embarcações possuem uma área destinada à tripulação, com refeitório, bar e academia —algumas têm até piscina e jacuzzi. A maioria do staff não pode utilizar as áreas de passageiros, somente oficiais, gerentes e algumas posições de entretenimento possuem esse acesso.
"Mas temos nossas áreas comuns e atividades organizadas para o nosso lazer também, como festas, tours, noite de filme, torneios, bingos e noite de queijos e vinhos, dependendo da empresa responsável pelo cruzeiro", conta.
É nos intervalos (de horas) entre um turno de trabalho e outro que ela aproveita para sair do navio, quando ele está atracado, e conhecer o lugar.
Se for um dia de navegação, ela usa as horas de folga para tirar um cochilo. "À noite, eu sempre passo pelo bar da tripulação depois do segundo turno para socializar. Se eu não estiver no clima, vejo um filme na cabine, onde temos TV e frigobar".
Lugares remotos e experiências únicas
Ao longo desse tempo em cruzeiros, a brasileira diz que uma de suas vivências mais marcantes foram nos chamados navios de expedição, aqueles cujo turismo é focado em regiões polares e ilhas remotas. Foi num desses que ela conheceu a Antártida. "Lá parece um outro planeta".
Ter atravessado o oceano Pacífico do Chile ao Japão e passado por Ushuaia, Ilhas Malvinas e Geórgia do Sul, uma ilha britânica no sul do oceano Atlântico que tem uma colônia de 200 mil pinguins-reis, também estão entre as suas memórias inesquecíveis.
Para Lizie, tudo que ela tem vivido é uma oportunidade de expandir a mente.
Trabalhar viajando o mundo e conhecer pessoas de todos os cantos te tira de uma bolha, você se abre para outras realidades e possibilidades.
Para quem quer trabalhar em cruzeiros
O primeiro pré-requisito para atuar nesse ramo é saber falar inglês, que é a língua oficial dos navios. Para conseguir uma vaga, o ideal é procurar uma agência de recrutamento para cruzeiros, como Lizie fez.
Nessa intermediação, os aprovados são orientados quanto aos cursos obrigatórios para ingressar na área e exames admissionais necessários. "Esses exames variam de acordo com a companhia, mas existem clínicas especializadas nisso em algumas cidades do Brasil ", explica.
Lizie aconselha a preparar a mente e o corpo antes de se aventurar nessa jornada porque, com a alta carga de trabalho, no início pode ser bem difícil.
Quando você se adapta à rotina, os benefícios são diversos: a bordo, você não paga aluguel nem contas, tem alimentação incluída e assistência médica.
Ela diz ainda que é preciso ter respeito e flexibilidade para lidar com diferentes perfis, culturas e nacionalidades dentro do navio. "Aprendi e aprendo todos os dias com as pessoas que conheço aqui." Administrar a saudade é outro ponto que Lizie destaca como importante.
"Sinto falta da minha família, de amigos e, brincadeiras à parte, de arroz, feijão e farofa. Em nenhum lugar do mundo tem uma comida tão boa quanto a nossa", garante ela, que já passou pelos seis continentes do globo e, apesar da saudade, não imagina outra vida.
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