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Você conhece o vinho italiano feito com uvas armazenadas no fundo do mar?

Imagem: Roberto Ridi

Anelise Sanchez

Colaboração para Nossa

06/02/2024 04h05

A Toscana, na Itália, sempre foi sinônimo de excelentes vinhos capazes de conquistar os paladares mais exigentes.

Se durante o período em que viveu em Elba, a maior ilha do arquipélago toscano, o Nesos —como é chamado o vinho marinho— já existisse, provavelmente o imperador Napoleão Bonaparte teria se apropriado de sua receita. A ilha toscana foi a primeira residência de Napoleão após o seu exílio, em 1814.

Para a sorte de enólogos e apaixonados por vinhos, o Nesos hoje tem um protetor: o viticultor Antonio Arrighi, proprietário da Azienda Agricola Arrighi, situada em Porto Azzurro, onde ocupa 22 hectares de terra, dos quais oito são dedicados às uvas.

O viticultor Antonio Arrighi, proprietário da Azienda Agricola Arrighi Imagem: Roberto Ridi

Foi ele que, junto com o professor Attilio Scienza e com o auxílio das universidades de Pisa e Milão, apostou na recuperação de um método milenar de produção de vinhos que, ao que tudo indica, foi criado pelos gregos de Chio, no Mar Egeu, há mais de 2.500 anos.

Só para os nobres

Desde aquela época, tal tipo de vinho era considerado um produto de nicho, reservado a consumidores exigentes de cidades como Marselha ou Roma, aonde chegavam depois de serem transportados em ânforas. O imperador Júlio César teria servido o vinho de Chio em um banquete.

Imagem: visittuscany.com

A conexão entre a ilha de Chio e ao litoral da Toscana está ligada às rotas comerciais dos gregos. Eles costumavam fazer paradas estratégicas na ilha de Elba e em Piombino, na província de Livorno, para comprar minério de ferro da antiga civilização etrusca.

Segundo textos publicados por autores como Caio Plínio Segundo, também conhecido como Plínio o Velho, os moradores da ilha grega imergiam cestas repletas de cachos de uvas no fundo do mar, sem que isso comprometesse a qualidade do vinho ou a perda de seus aromas.

No fundo do mar

Imagem: Biodivers

Arrighi colocou em prática o método grego pela primeira vez em 2018. Os cachos de uvas permaneciam no fundo do mar durante cinco dias, a dez metros de profundidade.

A uva branca utilizada é a Ansonica, típica da ilha de Elba e provável cruzamento de duas variedades de uvas originárias do mar Egeu: Rhoditis e Sideritis, com cascas mais resistentes e polpa crocante, características que permitem a longa permanência no fundo do mar.

Imagem: Biodivers

Os cachos foram protegidos por cestos de vime e esse processo insólito de vinificação eliminou parte da "pruina" ou cera que recobre a camada das cascas das uvas, agilizando assim a fase seguinte de secagem das frutas, acondicionadas em esteiras sob o sol por três dias.

Curiosamente, durante os dias de imersão o sal marinho penetra no interior das uvas por "osmose", mas sem danificá-las. Em seguida, na fase de desengace, quando os grãos de uvas são separados dos cachos, elas são colocadas em ânforas de terracota com todas as cascas.

A presença do sal nas uvas gera um efeito naturalmente antioxidante e desinfetante que nos permite evitar o uso de sulfitos e obter, depois de um ano de envelhecimento em garrafa, um vinho natural e muito semelhante ao produzido 2.500 anos atrás.
Antonio Arrighi, viticultor

Sal marinho protege a bebida

Imagem: Roberto Ridi

O vinho é fermentado e afinado em ânforas de terracota, onde permanece em contato com a cascas por um ano inteiro. De acordo com as análises realizadas pela Universidade de Pisa, o teor total de fenol do vinho Nesos é praticamente o dobro daquele produzido com métodos tradicionais.

Durante o processo de envelhecimento, a degradação não ocorre graças à presença do sal marinho acumulado durante os dias de imersão. O Nesos é um vinho com teor alcoólico de 12.5, de cor amarelo dourado ligeiramente turvo, opalino e muito denso, quase viscoso.

Imagem: Roberto Ridi

Ele se distingue por suas notas intensas de iodo, salmoura, algas, ostras e de frutas tropicais como manga e maracujá, além de amêndoas e camomila. Tem uma persistência aromática intensa, é frutado e ligeiramente tânico, com boa frescura. Se bem conservado, evitando variações térmicas, revela-se um vinho de sabor muito interessante, sobretudo com o passar do tempo.

Segundo Arrighi, desde a colheita e das primeiras experimentações científicas de 2018, o processo foi aprimorado.

Como no método tradicional, entre uma colheita e outra, dependendo das oscilações climáticas e por tratar-se de um vinho natural, entre um ano e outro o seu sabor pode sofrer variações, revelando-se por exemplo mais sápido ou perfumado.
Antonio Arrighi, viticultor

Ele sublinha que um cacho é monitorado diariamente e que durante os dias de imersão também se controlam os ventos locais.

Produção é artesanal e cara

Imagem: Roberto Ridi

Até agora, foram produzidas apenas 240 garrafas numeradas deste vinho, que exige altos custos de produção devido a realização ad hoc de materiais como cestos de vime ou ânforas de terracota artesanais.

Antonio Arrighi lembra que, como cada vinho é ligado ao seu terroir, o Nesos é o resultado do ecossistema da Isola d'Elba, onde já existia a variedade de uva Ansonica derivada daquela presente em Chio.

O vinho pode ser exportado para o mundo todo, mas cada cliente pode reservar apenas uma garrafa, que custa o equivalente de 200 euros.

Imagem: Roberto Ridi

Aos que criticam o Nesos, classificando-o como um instrumento de marketing, Arrighi responde que "se trata de uma experimentação científica, que conta com o aval de duas conceituadas universidades, as de Milão e Pisa".

Pela sua originalidade, esse vinho despertou tanto interesse que acabou sendo o protagonista do filme-documentário "Nesos, il nettare degli Dei" (Nesos, o néctar dos deuses), dirigido por Giuseppe de Masi.

Visita e degustação

Se estiver com viagem marcada para a Toscana, vale a pena saber que na Isola d'Elba é possível visitar a vinícola Arrighi para uma degustação, aproveitar as suas praias e conhecer as duas antigas residências de Napoleão, que hoje são museus nacionais: Villa San Martino e Palazzina dei Mulini, ambas em Portoferraio.

Para chegar na ilha de Elba, localizada na província de Livorno, a melhor maneira é pegar uma balsa (em italiano, "traghetto") que parte da cidade costeira de Piombino. As companhias marítimas que fazem a travessia são: Corsica Sardinia Ferries, BlueNavy, Toremar e Moby.

Imagem: visittuscany.com

A travessia dura de 35 minutos a uma hora, dependendo do porto de chegada em Elba. Faça a sua escolha de acordo com a localização do seu hotel. Vale lembrar que a ilha é grande, com seus 147 km de litoral, e o carro é fundamental para explorá-la.

O valor da travessia oscila de acordo com a estação do ano, a dimensão do carro e o número de passageiros. Se puder, opte por um veículo compacto. Além de economizar na balsa, será mais fácil circular pelas estradas sinuosas da ilha.

Para saber mais sobre a ilha consulte o site oficial.

Para mais informações da vinícola e reservas de visita e degustação, consulte o site da Azienda Agricola Arrighi.

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