Parecia receita de um desastre: o dia em que fui jantar com 5 desconhecidos
Se alguém me fizesse uma proposta para ter um encontro com desconhecidos uns 4 ou 5 anos atrás, a pessoa ouviria um sonoro "não" como resposta. Já o Lucas de 2024, que tenta tirar do papel mil metas de ano-novo... Bom, esse não apenas aceitaria, como aceitou sem pensar duas vezes.
Fui convidado a experimentar uma noite diferente: um jantar com pessoas que eu não apenas nunca vi na vida, como só fui conhecer na hora H. Os mais desprendidos podem até pensar: "ah, grandes coisas", mas para alguém com ascendente em virgem e 100% ansioso, isso poderia ser a receita de um desastre —e quase foi.
Pandemia e vida offline
Enquanto o mundo pós-pandemia caminha para voltar ao "velho normal", ainda tem muita gente carregando aprendizados e tentando fazer diferente. O aplicativo Timeleft foi criado para colocar em prática aquele velho clichê de conectar pessoas no offline.
A dinâmica é assim: baixar o aplicativo ou acessar o site, fazer o cadastro e responder a várias perguntas. Elas são o fio condutor para o destino —ou se preferir chamar de algoritmo— juntar as pessoas do jantar. Não tem foto, descrição, altura, peso? Não, apenas interesses em comum.
E, quando falo em interesses, inclua aí até a opção de encontrar um relacionamento. Mas, para uma primeira experiência, eu optei por deixar tudo selecionado e dar uma de Zeca Pagodinho, deixando a vida levar. Os jantares acontecem às quartas-feiras, assim já fica mais difícil usar a desculpa de que tinha um compromisso marcado.
Signo e preços
Com o "bilhete" de R$ 39,99 pago para a experiência de um jantar (ou seja, para que o algoritmo faça apenas o serviço de conectar as pessoas), foi só esperar pelas primeiras —e únicas— informações sobre meu "date": os signos das pessoas que estariam lá, a área de trabalho delas e o idioma que falavam. O local do restaurante? Só no dia mesmo.
E aí vai uma dica amiga! No questionário do Timeleft é possível escolher a faixa de preço que você está disposto a pagar em um jantar com os amigos. Essa resposta é levada em consideração para a escolha do restaurante, então é bom dar uma checada em como está o saldo bancário naquela semana.
O aplicativo considera três níveis de valores: eu escolhi o intermediário e, ostentando um pouco mais do que o meu normal, com prato de polvo trufado e outros mimos, morri em R$ 280.
Mas, muitas horas antes de pagar a conta, a única coisa que eu conseguia pensar era em como seria aquela noite, se teria algum climão ou silêncio constrangedor. E se eu desistisse de última hora? Dor de barriga sempre é uma desculpa que funciona, certo? Tarde demais?
Quando vi, o garçom já estava me levando para a mesa 1, conforme tinha sido indicado pelo aplicativo. Bastaram poucos minutos por ali para eu entender por que teria sido um desastre, caso eu realmente tivesse desistido de ir.
É claro que não dá para escapar daquela sensação inicial de dinâmica de RH ou terapia em grupo para contar o mínimo sobre quem você é. Mas passa rápido. Quando menos se espera, você já está ali completamente imerso em novas histórias, vivências e opiniões, que muitas vezes te provocam a repensar sobre si mesmo e o que tinha como certo e errado.
Ainda tem uma espécie de jogo com cerca de 16 perguntas para todo mundo responder e quebrar o gelo. Das mais banais às mais profundas. E, quando eu dei por mim, eram horas conversando e realmente ouvindo, sem nem pegar no celular direito.
O aplicativo propõe um "último drinque" para o grupo em um bar próximo do restaurante do jantar. Como teria sido por lá nós nunca vamos saber, porque a conversa naquela noite rendeu tanto que fomos os últimos no restaurante —e o bar também já estava prestes a encerrar o dia.
Vai disposto
Não posso dizer que todos os jantares são incríveis, até porque vai depender muito dos seus objetivos ali ou se a combinação vai dar certo. Mas posso dizer, facilmente, que a experiência é única —desde que você esteja aberto a vivenciar aquilo com ou sem medo.
Se ali eu fiz amigos para a vida inteira ou nunca mais vamos nos ver... só o tempo dirá. Mas vou carregar comigo as lembranças do que conversamos. O lembrete de que talvez seja hora de realizar o sonho de estudar teatro, a conversa sobre a importância de estar alerta às relações abusivas e tóxicas e até mesmo mais uma lista de filmes, séries e livros.
E talvez o mais legal disso tudo seja não ter regras absolutas. Até porque, em um ponto da vida, já é difícil manter amizades antigas, imagina cultivar novas. Então, que seja apenas uma noite fora do habitual: um date diferente durante uma viagem, um encontro para treinar outros idiomas, e por aí vai. É só não desistir de ir.