Perto de Londres, um passeio pelo universo de 'Bridgerton' e de Jane Austen
O sudoeste da Inglaterra é um destino que vale a pena visitar. Por ser bem pertinho de Londres, é uma boa opção de bate e volta ou de um passeio rápido no final de semana. Bath e Bristol são as maiores representantes da região.
Quase na fronteira com o País de Gales, a região se descortina em meio aos prados, colinas e vales. Seu valor histórico também é inestimável: lá existem resquícios de vida humana desde o paleolítico, há cerca de 2,5 milhões de anos.
Localizada a duas horas de trem de Londres, Bath é uma cidade única. À primeira vista, você se depara com uma coleção de prédios dourados do século 18, músicos de rua, cafés graciosos e restaurantes badalados. No entanto, basta alguns minutos para perceber que este destino guarda muito mais do que aparenta.
A maioria dos edifícios em Bath foi construída durante a Era Georgiana (1714-1830), um período em que a arquitetura inglesa foi marcada pela simetria e equilíbrio. É bem fácil esquecer ali que estamos no século 21, no qual os grandes arranha-céus de vidro dominam as metrópoles.
Sua rica arquitetura e história lhe renderam o título de patrimônio mundial da Unesco. Incrivelmente bem preservada, a cidade serviu como cenário para várias cenas da primeira temporada de "Bridgerton", série de época disponível na Netflix. Recentemente, foi locação de "Wonka", filme de 2023 protagonizado por Timothée Chalamet.
Templo do século 1º
Dentre os lugares que se destacam em Bath, estão os resquícios arqueológicos do Templo de Sulis Minerva, construído pelos romanos no século 1º. Além de ser um local de adoração aos deuses, especialmente à deusa da sabedoria, o templo também funcionava como um clube e spa.
Os romanos acreditavam que as águas quentes encontradas ali proporcionavam benefícios à saúde, o que levou à construção de um vasto complexo de relaxamento e bem-estar ao redor delas.
A verdade é que a cidade tem o dom de contar sua própria história como nenhuma outra. Não é surpresa, portanto, que tenha atraído escritoras como Jane Austen, autora de "Orgulho e Preconceito", e Mary Shelley, a mente por trás de "Frankenstein".
Assim, ao unir tecnologia, entretenimento e educação, os museus e atrações de Bath nos conduzem a descobertas fascinantes sobre um passado que remonta ao Império Romano.
Spa romano
No século 1º, homens e mulheres, soldados e civis, escravizados e pessoas livres se reuniam com um objetivo em comum. As termas romanas de Bath, à época em que foram construídas, funcionavam como banhos públicos e como local de adoração aos deuses.
Há 2.000 anos, a cidade chamava-se Aquae Sulis. O nome, dado pelos romanos, foi uma homenagem à deusa Sulis, adorada pela população celta que vivia na região. Com a junção dos povos, deram ao templo o título de Sulis Minerva.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberQuando encontraram aquela fonte de águas quentes, os romanos viram nela uma forma de cuidar da saúde. E não é pouca água. São aproximadamente 1,17 milhão de litros: dá para encher o estádio do Maracanã cerca de 1.170 vezes. E a temperatura também é bem alta, alcança os 46°C até hoje.
Estima-se que o local parou de ser utilizado entre os séculos 5º e 6º. Dessa forma, embora existam há milhares de anos, foi apenas em 1775 que as reminiscências do complexo foram redescobertas e, a partir daí, iniciou-se um processo de escavação e musealização.
Acontece que o que sobrou dos banhos está abaixo do nível da rua, protegido por um largo edifício erguido no século 19. Semelhante ao monumento de Stonehenge, também na Inglaterra, as termas de Bath estão entre as mais importantes peças arqueológicas deixadas pelos romanos.
Um museu para os banhos romanos
O museu The Roman Baths cumpre o papel de mostrar como era o tal spa da Antiguidade Clássica. Já naquela época, podemos perceber como a população —principalmente a mais abastada— era dedicada aos cuidados com o corpo. Entre hologramas, curtas-metragens, atores e atrizes, os visitantes mergulham na vida antiga, quando as palavras skincare e autocuidado nem haviam sido inventadas.
Logo que entramos nas termas, recebemos um audioguia disponível em 12 idiomas, inclusive português (mas é o de Portugal). O lugar é gigantesco, com um acervo que guarda milhares de achados arqueológicos da Grã-Bretanha antes e depois da chegada dos romanos.
A cabeça de Sulis Minerva, por exemplo, é uma escultura de bronze encontrada no ano de 1727. Na altura, ainda se acreditava que aquele era um assentamento comum, sem importância histórica. O artefato é raro porque, de toda a Grã-Bretanha romana, foram encontrados apenas mais dois fragmentos esculpidos no mesmo material.
A beleza e a suntuosidade das termas podem até te deixar com vontade de entrar, mas é proibido. Em contrapartida, bem próximo ao museu existe um spa mais moderno que também utiliza as águas quentes e medicinais. O Thermae Bath Spa é uma mistura do antigo e do contemporâneo, oferece uma piscina no terraço com vista para a cidade e vários espaços de relaxamento e bem-estar.
O universo de Jane Austen
Quem passar distraído em frente à casa estreita de número 40 da Gay Street, em Bath, pode nem se dar conta da importância do lugar. Porém, aqueles que forem um pouquinho mais atentos vão perceber a estátua de cera, em tamanho real, de uma mulher vestida em trajes de época. Se for horário comercial podem dar de cara com um senhor simpático, nos seus 60 anos, com roupas bem diferentes das quais estamos acostumados a ver e usar: de cartola e fraque.
Esse senhor de carne e osso tem uma plaquinha no paletó preto em que se lê "Mr. Bennet". O nome faz referência a um dos personagens de 'Orgulho e Preconceito', livro de Jane Austen publicado em 1813. Logo que paramos em frente à casa, ele nos oferece um animado "Seja bem-vindo!" e abre a porta para o Jane Austen Centre, museu dedicado à memória da popular escritora inglesa.
Na entrada, somos recebidos por recepcionistas, também caracterizadas com roupas de outro tempo. Seguimos então para uma visita guiada, que ocorre de meia em meia hora. O responsável em contar a história da escritora é George Wickham, outra figura fictícia saída diretamente das páginas dos romances.
Quando a exibição termina, os visitantes ficam livres para conhecer as demais dependências do museu. Além de curiosidades sobre a escritora, temos informações sobre os livros e as adaptações para o cinema. É ainda uma forma de conhecer como eram os costumes durante o período regencial do Reino Unido, que ocorreu entre 1811 e 1820.
Agora, se o visitante quiser entrar de cabeça na experiência literária, pode se vestir com as roupas disponibilizadas pelo local e depois tirar uma foto bem no estilo da época.
O homem mais fotografado da Inglaterra
Um fato bacana é que Martin Salter, o funcionário que recebe as pessoas à porta e dá vida ao Sr. Bennet, tem a sua própria homenagem no museu. Em 2017, foi considerado o "homem mais fotografado da Inglaterra". Desde 2007, desempenha o papel com muito zelo.
Eu tive a sorte, de um dia depois de visitar o centro, encontrar com Salter alguns minutos antes de o museu abrir. Ele já vai trabalhar vestido a caráter e cumprimentando todos que encontra pela rua. Por um segundo, nos faz questionar se realmente estamos dentro de um livro.
Jane Austen não nasceu em Bath, mas viveu na cidade de 1801 a 1806. Embora não tenha morado por muitos anos no local, ela era apaixonada pelo clima vibrante da cidade, que se animava com os bailes e com os resorts.
Inclusive é em Bath que se situa 'Northanger Abbey', primeiro romance completo da escritora e 'Persuasão', ambos publicados postumamente em 1817.
No entanto, é sabido que a cidade inspirou todas as suas obras. Nas cartas que a escritora escreveu para família e amigos, ela afirma o quão inspiradoras e revigorantes eram as suas longas caminhadas nas pequenas vilas de Weston e Charlcombe, no sul da cidade.
Bath se orgulha da sua "moradora mais famosa", como diz um guia do museu. Há 23 anos, a cidade promove um festival anual em homenagem a ela. Nele, os participantes saem pelas ruas com roupas do século 19, vão à bailes e jogos, tal qual nos livros tão populares. Neste ano, The Jane Austen Festival ocorre entre 13 e 22 de setembro. Saiba mais aqui.
Saindo um pouco da vibe romance e caindo nas histórias de terror e ficção científica, a poucos metros dali encontra-se o Mary Shelley's House of Frankenstein. Em 1916, enquanto passava uma temporada em Bath, a escritora Mary Shelley escreveu Frankenstein. Em quatro andares, o local oferece uma experiência imersiva — e um tanto assustadora —carregada de elementos imaginados pela autora.
À procura de Bridgerton
Uma atração recente em Bath, que vem atraindo muitos visitantes nos últimos anos, é o tour pelas locações da série "Bridgerton". Diversos pontos da cidade foram utilizados como cenário, principalmente da primeira temporada.
Existem alguns tours pagos que levam a cada locação, que podem ser conferidos aqui. Mas eu optei por uma visita autoguiada e gratuita oferecida pela própria cidade. Neste site, nós recebemos uma lista de indicações de quais direções seguir. Em cada ponto, o visitante tem algumas informações sobre o lugar e qual cena da série ele apareceu. Como estava sozinha, coloquei a trilha sonora de "Bridgerton" no Spotify e comecei minha peregrinação.
O passeio leva, em média, 1h20 desconsiderando paradas para alimentação ou compras, então pode durar bem mais. O início se dá pela Abadia de Bath, que embora não apareça na série, é uma área central e ideal para começar qualquer visita.
A primeira locação é o The Abbey Deli, café que foi a loja da modista madame Delacroix. O estabelecimento fica na praça charmosa Abbey Green, cheia de paralelepípedos. Aliás, vários pontos deste quarteirão podem ser vistos na produção da Netflix.
A próxima parada é a Bath Street, uma das ruas mais movimentadas da cidade. Também desempenha uma função importante no seriado, já que é neste lugar que o Duque de Hastings faz sua primeira aparição. É claro que a franquia enorme da Primark foi apagada da cena.
Depois, seguimos para o prédio de janelas curvas chamado 12 Trim Street, um cabeleireiro onde aconteceu a infame cena da colher protagonizada por Daphne e Simon.
Beauford Square é um pequeno bairro de construções douradas que apareceu em diversos momentos da produção. O cenário é recorrente nas cenas noturnas e quando há passagens de carruagem. É lá que se encontra a fachada do teatro histórico de Bath, o Theatre Royal.
Depois, o tour nos leva ao The Circus, uma impressionante construção arquitetônica em forma circular. Mais à frente, a próxima locação é uma das mais interessantes. O Royal Crescent é uma fileira em formato de meia-lua com 30 casas geminadas. O projeto foi idealizado pelo arquiteto John Wood, o jovem, e finalizado em 1774. Outra figurinha carimbada em muitos momentos de "Bridgerton", o local observa um belo parque aberto ao público, ideal para realizar uma pausa da caminhada.
O Nº 1 Royal Crescent é a primeira casa da rua e pode ser reconhecida como a morada da família Featherington. Hoje, é um museu que nos explica como seria o cotidiano de uma família abastada em Bath no início do século 18.
A casa é dividida em três andares e tem móveis históricos, fotos e objetos da época. Ao longo de 40 minutos, nós vamos passando de cômodo em cômodo e ouvindo o que seriam os diálogos típicos do período. Há, inclusive, uma parte que se dedica a recriar uma conversa entre os funcionários da mansão.
São diversas opções de restaurantes em Bath, mas se estiver procurando pelo típico prato inglês (peixe com batata frita) pode optar pelo The Scallop Shell. O The Elder também é especializado em culinária britânica, mas é um pouco menos informal. Os ingredientes são orgânicos e a maioria deles provenientes das suas próprias plantações.
Bath é o tipo de cidade que dá para conhecer em um único dia. Mas caso for necessário passar algumas noites, o Indigo Hotel fica bem na região central e a cinco minutos de caminhada da estação de trem. Já o The Gainsborough é um spa hotel de luxo que aproveita as águas naturalmente quentes da cidade.
Bate e volta em Bristol
Depois de uma viagem de trem que durou 15 minutos, cheguei em Bristol, a vizinha descolada de Bath. Embora seja mais populosa e apresente prédios mais modernos, também guarda alguns locais históricos.
Bristol se tornou cidade em 1373, e em seu porto ocorreram algumas das primeiras viagens exploratórias em direção às Américas. Contornada pelo rio Avon — o mesmo que atravessa a cidade homônima de Shakespeare — oferece uma confluência entre o antigo e o novo.
Depois de aproximadamente 20 minutos caminhando da estação de trem até a região central, cheguei à primeira parada: Harborside. Se um dia o local foi um cais movimentado de troca de mercadorias, hoje é um ambiente cool com diversos bares alternativos, restaurantes e instalações artísticas.
Além da visão de tirar o fôlego dos barcos, é um lugar repleto de museus e galerias de arte. O conjunto de casinhas coloridas ao longo do porto coroa a vista.
O museu M Shed conta a história da cidade. Já o Arnolfini é um centro internacional de arte contemporânea, no qual é possível assistir apresentações de música, artes visuais e cinema. Ambos têm entrada gratuita.
Perto dali encontra-se o College Green, com várias construções seculares imponentes e um parque lindíssimo. Nosso olhar é logo atraído pela Catedral de Bristol, que tem mais de mil anos de história. A entrada é gratuita e o local oferece eventos e exposições regularmente.
Impressionante também é a fachada do hotel Marriott Royal, construído em 1868. O local já hospedou personalidades como Winston Churchill e o astro de Hollywood Cary Grant. Há ainda um restaurante para não hóspedes, chamado Miller and Carter Steakhouse. O hotel também é aberto ao público que deseja conhecer o edifício histórico.
Bristol é o destino para os entusiastas de arte e música. A cidade tem festivais durante o ano todo, mas principalmente entre os meses de maio e outubro — quando a chuva e o frio dão uma trégua.
O mais famoso é o Bristol International Balloon Festival, que reúne balões, entretenimento e gastronomia em um evento gratuito que dura três dias. Este ano acontecerá entre os dias 9 e 11 de agosto. Saiba mais aqui.
Saindo do centro, Clifton é um bairro meio retrô repleto de casas construídas no século 17. A área é cheia de lojas e boutiques que vendem joias, arte, presentes, móveis, roupas e antiquários. O Clifton Arcade, pequeno shopping independente, foi construído em 1876 e vende artefatos fofos e um tanto peculiares.
No quesito comida o bairro também não decepciona: existe uma gama de cafés simpáticos, bares e restaurantes. Para quem gosta da cozinha japonesa, O Kibou serve sushi, bao buns e cocktails deliciosos.
Clifton é o recanto perfeito para contemplar o fim da tarde, ainda mais porque é aqui que está um dos maiores cartões postais de Bristol. A Bristol Suspension Bridge é uma ponte suspensa que ficou pronta em 1864. Um dos melhores lugares para admirar a ponte e o pôr do sol é em frente ao Bristol Observatory.
Para se hospedar, The Berkeley Suites é um aglomerado de cinco apartamentos de luxo e está próximo das principais atrações do destino. O Bristol Marriott Royal é o hotel mais antigo da cidade e ostenta uma das melhores localizações, bem no miolo urbano.
Deixe seu comentário