Mochileiro nudista corre para conhecer o Brasil antes de perder a visão
André Aram
Colaboração para Nossa
09/04/2024 04h05
O mineiro Elvis Presley de Assis, 54, tem nome de artista, mas a alma é de viajante. Despido de roupas e de preconceitos, o mochileiro, como se intitula nas redes sociais, tem como meta visitar todos os estados do país e também os países que fazem fronteira antes de não poder mais enxergar as paisagens.
Elvis sofre de retinose pigmentar, uma doença que causa a perda gradativa da visão. Naturista há 20 anos, ele tem desbravado lugares nudistas (e outros que não são) aqui e no exterior e conta a Nossa que está quase concluindo a sua meta, faltam apenas alguns estados das regiões Nordeste e Norte.
O viajante diz que seu problema de saúde se agravou nos últimos três anos e, por isso, aventuras como trilhas na mata, visitas a cachoeiras ele faz somente na companhia de amigos por questões de segurança. "Já perdi [a visão] do olho esquerdo por completo", lamenta. As viagens urbanas ele ainda faz sozinho, recentemente esteve no Rio de Janeiro, revendo amigos.
O médico David Chen Wu, responsável pelo setor de retina da Santa Casa de São Paulo, explica que a retinose pigmentar ocorre, geralmente, por más formações genéticas e pode ser passada entre gerações. O irmão mais velho de Presley, já falecido, também tinha a doença.
É uma corrida contra o tempo antes que a escuridão venha. Este ano ele já tem viagens programadas para o Maranhão e Piauí, e em 2025 Acre e Amapá. "Acho que até o ano que vem consigo visitar todos os estados do Brasil", conta empolgado.
Dos países que fazem fronteira com o Brasil, ele, que vive em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), já esteve no Paraguai, Argentina, Uruguai, Bolívia e Venezuela. Restam ainda Peru, Suriname, Guiana e Colômbia para finalizar sua meta.
Apesar de preferir destinos onde pode ficar à vontade, em contato com a natureza, o viajante naturista diz que nem sempre é possível. "Nem todos esses lugares têm áreas naturistas e também o clima de alguns desses lugares em que estive é bastante frio".
Além dos países da América do Sul, ele já visitou Portugal e Espanha, mas confessa que é um pouco medroso para viagens ao exterior.
Um peão pelado aventureiro
Elvis nasceu em São Félix de Minas, município com pouco mais de 3 mil habitantes e com uma atmosfera rural. Não é à toa que ele se declara como 'da roça': "Sou um peão naturista, cresci na roça, mesmo morando hoje na cidade, perto da capital mineira, ainda tenho planos de voltar pra lá um dia", conta.
Viajar sempre foi uma de suas maiores paixões. Elvis caiu cedo na estrada, aos 18 anos, mas o desejo aumentou após o diagnóstico da doença. "Sempre gostei de viajar e quando descobri a doença quis conhecer todas as fronteiras e estados brasileiros".
O estilo mochileiro nudista, a princípio, não foi visto com bons olhos pelos familiares, mas após um espanto inicial, eles compreenderam e atualmente até riem do assunto. Aliás, Presley já visitou todos os locais no país onde a nudez é bem-vinda, restando somente o clube naturista Colina do Sol, localizado no Rio Grande do Sul.
De todos que conheceu, um clube que fica no Pará é o seu favorito. "Lá tem a comunidade naturista do macaco, vou lá a cada dois anos, acho que já fui umas nove vezes, é o meu local favorito".
Adaptações impostas pela doença
Além de ter que adaptar algumas de suas viagens, o auxiliar administrativo teve que abdicar dos esportes de aventura em função da perda parcial da visão. O paraquedismo, por exemplo, teve que ficar de lado. "Saltei quatro vezes, mas hoje tenho receio de não descer no local certo, podendo sair do caminho", conta.
Rapel ainda faço, dependendo do lugar. Mas não posso andar de bike, moto, fazer trilhas, mergulhar, dirigir carro, muitas coisas, me faz muita falta isso.
O mineiro notou haver algo estranho com a sua visão ainda nos anos 1990, quando começou a cair em buracos ao andar à noite e até mesmo ao se acidentar algumas vezes pilotando sua motocicleta.
No decorrer dos anos, com o agravamento da doença, algumas precauções foram necessárias. "O mais difícil é chegar a noite em um destino, prefiro de manhã, até consigo ler um pouco as placas, mas chegar a noite nesses lugares é a pior parte". Por esta razão suas viagens são geralmente na companhia de amigos.
Ele se recorda da pior situação que aconteceu quando estava deixando Natal, no Rio Grande do Norte. "Saí de lá e cheguei à noite no Recife (PE), foi o maior medo, eram 23h, não tinha táxi, foi um perrengue chegar em um lugar à noite pela primeira vez".
Elvis confessa que as limitações às vezes o deixam desanimado, mas que mesmo assim pretende concluir seu propósito. O mochileiro nudista espera poder fazer muitas viagens antes de perder completamente a visão. "Espero viver mais uns 15 anos enxergando, aí estarei com a vida mais satisfeita do mundo."