Tequila sobe mais rápido mesmo? Isso é mito e bebida ganha novos fãs
Sergio Crusco
Colaboração para Nossa
23/04/2024 04h05
Destaque na última entrega do Oscar, a tequila vem ganhando cada vez mais fãs no mundo todo, especialmente nos EUA.
Por lá, a bebida superou a venda dos american whiskeys (bourbons e outras denominações) e colou na vodca, ameaçando alcançar a primeira posição.
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No Brasil, o destilado ainda não goza de reputação tão glamourosa e tem fama de "subir mais rápido". Mas isso é mito: o poder embriagador da tequila —leia teor alcoólico— é similar e às vezes até menor do que o da vodca, da cachaça, do uísque escocês ou do gim.
O jeito descontrolado que muita gente toma tequila é que faz ela parecer mais porreta. A pessoa vai a uma festinha animada, rolam shots de tequila, ela bebe um, dois, três, quatro... Tantos copinhos engolidos de uma vez, com sal e limão, que perde a conta. Aí, passa vergonha, naturalmente. E jura: "Nunca mais chego perto de tequila!"
Todo mundo já teve uma experiência ruim com tequila. Também tive as minhas, com 18 ou 19 anos, nas baladas dos tempos de estudante.
Eduardo Ortiz, chef mexicano proprietário do restaurante Metzi em São Paulo
Rótulos de qualidade e novas formas de consumo
Derrubado esse mito de que a tequila "sobe mais rápido", vale entender o que está fazendo o destilado mexicano ganhar popularidade mundo à fora.
Cerca de 70% da tequila consumida na terra de Tio Sam está na categoria premium, a de bebidas elaboradas com 100% do álcool proveniente da fermentação do agave azul (vamos explicar isso mais adiante). Três marcas que custam mais de 40 dólares (preço considerado salgado por lá) lideram as vendas no país. É o que diz o Impact Databank em sua análise de dados.
Portanto, não houve apenas um crescimento da categoria em geral, mas uma mudança de percepção por parte do consumidor, que tem preferido rótulos de melhor qualidade. É exatamente o que a grande indústria da bebida quer fazer acontecer no Brasil.
A forma de ver e de beber o destilado de agave azul também está mudando.
"Hoje há maneiras mais refinadas de apreciar tequila, inclusive no México, servindo-a em taças e não mais em copinhos de shot. Ou por meio da coquetelaria. Os bartenders modernos mostram que ela é uma bebida complexa e muito rica, que representa um país e uma planta autóctone e ancestral", diz Ortiz.
Tequila agora é na taça ou no coquetel
A tequila teve anos de glória no Brasil, nos anos 1990, quando era meio que obrigação de todo bar ou balada ter uma máquina de Frozen Margarita (o coquetel mais clássico, com tequila, licor de laranja e limão).
Nessa época, a indústria também investiu na ideia do consumo desvairado.
Era comum ver tequileras sexy nos bares, oferecendo bebida na boca dos rapazes que, por machismo, não recusavam a oferta. Precisavam mostrar que eram durões.
Leo Brettas, diretor regional de José Cuervo para América Latina e Caribe
"As marcas, porém, aprenderam que não poderiam mais trabalhar daquela maneira, oferecer aquele tipo de experiência, ainda mais em tempos em que a responsabilidade social é parte importante do trabalho de qualquer empresa", conclui.
Dobel e 1800, marcas premium da José Curevo, hoje têm um jeito mais elegante de se aproximar do consumidor, patrocinando eventos de grande visibilidade e ligados a um estilo de vida luxuoso, como o torneio de tênis Miami Open.
Cá no Brasil, a empresa contratou como embaixador das linhas premium o bartender Michel Felicio, sócio do bar Bottega 21, em São Paulo. Sua missão é levar a palavra da tequila de alta qualidade em eventos de degustação para jornalistas, influenciadores e bartenders, explicando as características sensoriais de cada rótulo, sugerindo formas mais elegantes de serviço e receitas de coquetéis além da Margarita.
Paloma ganha força
A Margarita vai bem. Leo Brettas contabiliza que 40% do consumo de tequila no Brasil hoje se dá pelo preparo do coquetel mais famoso com a bebida. Só que a Paloma (tequila, grapefruit, limão e xarope de agave) tem ganhado espaço, muito por força do marketing das marcas. José Cuervo organizou esse ano um concurso dedicado a variações da Paloma, vencido pelo bartender Cassiano de Sousa Melo.
"Paloma é um coquetel refrescante, gostoso, cítrico e frisante, bem dentro do perfil do brasileiro. Mostra que a categoria tequila é bacana, tem autenticidade, tem a ver com nosso estilo de vida e representa a diversidade da cultura latina", diz Nicola Pietroluongo, gerente de world class e advocacy da Diageo.
A empresa tem escolhido bares e bartenders que consideram estratégicos para a difusão da Paloma e de coquetéis autorais com tequila. Nicola cita a presença do destilado de agave em endereços importantes como o carioca Nosso e os paulistanos Tan Tan e Santana. As possibilidades, ele diz, são infinitas.
A tequila é muito versátil, pois começa na branca e passa por diferentes níveis de envelhecimento. Há várias nuances de sabor, do herbal ao defumado, o que traz muitas opções para a coquetelaria autoral.
Nicola Pietroluongo
O que é tequila
Tequila é o destilado do agave azul. De acordo com a legislação mexicana, só essa planta pode ser utilizada para a elaboração da bebida. Também é denominação de origem: deve ser produzida apenas nos estados mexicanos de Jalisco, Nayarit, Michoacán, Guanajuato e Tamaulipas.
O agave azul demora de seis a oito anos para maturar a ponto de fazer tequila. Sua pinha (ou coração) é retirada cuidadosamente por um mestre chamado jimador e levada para o cozimento. Fermentada e destilada, dá origem à tequila 100% agave.
A lei mexicana permite que um produtor adicione até 49% de outros álcoois (vindos de fontes como cereais, milho ou cana-de-açúcar) e rotule sua bebida como tequila. Uma tequila 100% agave, portanto, terá muitas boas chances de ser mais refinada do que uma mista.
Da tequila branca (ou blanco, como vemos nos rótulos, pois tequila é uma palavra masculina), você pode esperar notas florais, herbais, cítricas e apimentadas, balanceadas com o dulçor do agave, que pode remeter a mel. Em muitos casos, são bebidas de grande delicadeza.
As tequilas amadurecidas em barris de carvalho são chamadas de reposado (de dois meses a um ano), añejo (de um a três anos) e extra añejo (mais de três anos). Há uma vasta gama sensorial nessas categorias, pois podem ser reutilizados barris que receberam bourbon, vinho ou uísque para seu envelhecimento.
Tequilas do tipo cristalino, uma das categorias-modinha nos Estados Unidos, são bebidas amadurecidas em madeira que passam por filtragem em carvão e voltam a ficar claras.
E o mezcal, onde fica?
Toda a tequila é um mezcal. Nem todo mezcal é tequila. Há mais de 30 tipos de agave no México, selvagens e domesticados, usados no preparo de mezcal e outros destilados como sotol, bacanora e raicilla.
Eduardo Metzi explica o método roots da produção de mezcal. As plantas são colhidas, sua pinha (ou coração) é separada e o cozimento é feito em um buraco no chão, revestido por pedras e lenha. O material ali é deixado por cerca de uma semana, depois fermenta espontaneamente de 30 a 40 dias.
No momento da destilação, o mezcal carrega a característica defumada que o cozimento lhe trouxe. Mezcais também têm feito bastante sucesso nos Estados Unidos, onde são comparados aos uísques escoceses turfados, de perfil bastante defumado.
Há estilos de mezcal não defumados também, o que leva o entusiasta etílico a uma cornucópia de descobertas em terras mexicanas.
Mezcais e tequilas formam um universo muito vasto, de uma complexidade de sabores incrível. São muitas as variantes: a idade da planta, seu nível de maturação, as técnicas de fermentação, de destilação e de envelhecimento empregadas pelo mestre mezcalero ou tequilero.
Eduardo Ortiz, chef mexicano
O mezcal tem importação dificultada no Brasil por normas sanitárias. Os níveis de metanol desse destilado superam a quantidade máxima permitida no país, embora já tenha havido importações no passado.
Receita de coquetel Paloma
Originalmente, a Paloma é feita com tequila, suco de grapefruit, suco de limão, xarope de agave e refrigerante de grapefruit para dar o efeito gasoso e refrescante. Como por aqui ainda não temos esse sabor de refrigerante, os bartenders têm feito adaptações.
Michel Felicio prepara um refrigerante de toranja artesanal em seu bar, o Bottega 21, mas ensina aos bartenders caseiros duas outras maneiras de entrar na onda da Paloma. Com fruta fresca ou com xarope comprado pronto.
Paloma com suco de grapefruit fresco
Ingredientes
- 50 ml de tequila
- 20 ml de suco de grapefruit
- 10 ml de suco de limão
- 7,5 ml de xarope de agave (ou xarope de açúcar comum)
- Água com gás para completar
Paloma com xarope de grapefruit
Ingredientes
- 50 ml de tequila
- 30 ml de xarope de grapefruit industrial
- 20 ml de suco de limão
- Água com gás para completar
Modo de preparo
Nos dois casos, bata o grapefruit, o limão e o xarope de agave numa coqueteleira com bastante gelo. Coe para um copo alto com gelo até a boca. Complete com a água com gás. Mexa suavemente com a colher de bar e sirva.