Para 'poeta do azeite', produto brasileiro não deve nada aos italianos
Não há dúvidas que o azeite brasileiro conquistou seu espaço em um universo até então dominado pelas tradicionais produções de Itália, Espanha, Grécia. Prova disso são os inúmeros prêmios internacionais que temos trazido para casa.
Há um personagem em questão que prova que os lagares brasileiros estão no rumo certo: o italiano Nicolangelo Marsicani, chamado de "poeta dos azeites", também já caiu de amores pelo trabalho feito com nossas azeitonas.
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Durante 20 dias Nicolangelo aplicou sua metodologia na safra 2024 da fazenda do Azeite Sabiá, - que, aliás, foi eleito o 2° melhor azeite do mundo na categoria arbequina no concurso espanhol Evooleum nesta quinta (25). A marca desponta na lista pelo terceiro ano consecutivo.
A técnica ideal, segundo o especialista, permite extrair o melhor de cada azeitona. Nas palavras de um poeta, "desenhar o azeite".
Através da degustação, o equipamento passa por ajustes ideiais às condições de cada tipo de azeitona, até atingir o ponto ideal de equilíbrio entre as três características fundamentais de um extravirgem: aroma, amargor e picância.
"Nós queremos mais do que um bom azeite, queremos um azeite 'belo', que desperte paixão, que crie desejo de consumir", explica o italiano, que também acumula o tricampeonato no concurso Gambero Rosso, da Itália, como Frantoio do Ano (fábrica de azeites), e é responsável pela extração de grande parte dos azeites mais premiados do país.
Azeite desde criancinha
Em entrevista exclusiva ao UOL, o poeta contou mais detalhes de sua carreira - e também do romântico apelido.
Esta é a descrição que me foi dada por um jornalista que pouco sabia sobre azeites há cerca de 20 anos porque numa entrevista me ouviu falar apaixonadamente sobre este produto, conta.
O italiano, no entanto, não se considera um poeta, mas "simplesmente uma pessoa que tenta captar a beleza desta obra e transferi-la para outras pessoas. É precisamente o cânone de beleza que nós, mestres de lagares, procuramos no azeite".
Tamanha paixão, como Nicolangelo diz, nasceu com ele. "Minha cama na casa da minha família era sobre o velho frantoio (lagar) com o moedor de pedra e vivi desde pequeno os tempos da azeitona".
Desde pequeno, via chegarem os olivicultores, conferirem as azeitonas, brincava com os mestres de lagar. "Depois, adulto, este amor foi ficando sempre mais forte porque a convivência com azeite é mais intensa e a 360 graus", filosofa.
Azeite é coisa séria
Nicolangelo conta que viu o mundo do azeite mudar radicalmente.
Quando eu crescia não havia uma classificação dos azeites, não se vendia o azeite feito no frantoio ou na fazenda, mas a comercialização não era controlada, recorda.
Na época, a única regra era que os comerciantes ficavam com os azeites piores e os melhores iam para os consumidores finais, e isso eram os azeites feito com azeitonas maduras, que caiam das oliveiras, em frantoios tradicionais, moinho de pedra e prensa.
"Agora, não há mais um litro de óleo que vende a granel, sem controle, e de um mercado próximo onde o óleo foi comprado pelas famílias do local ou lugares vizinhos. Há um mercado internacional onde os compradores de todo o mundo vêm comprar as melhores produções", comemora.
Novos tempos
Como se sabe, por muito tempo aprendemos que azeite bom são os italianos, espanhóis, gregos, mas hoje surgem novos produtores neste cenário das produções de qualidade. O especialista explica como isso tem mudado.
No velho continente estamos passando por dificuldades, reconhece.
A primeira é que muitas zonas têm um património oleícolaantigo e as leis da proteção ambiental não nos permitem intervir para o renovar as oliveiras. Ou seja, tirar as antigas e plantar novas.
A olivicultura foi, muitas vezes, implantada em ambientes hostis, colinas íngremes, e solos marginais porque era vista como uma cultura mais resistente e rústica.
As planícies eram reservadas para terras aráveis, para a horticultura, porque a olivicultura era uma das atividades do agricultor, não a principal. "Com a modernização, não é possível obter rendimentos destes olivais, a mecanização é difícil e custos de manutenção são altos e, por conseguinte, são frequentemente abandonados", diz.
Muitas áreas de produção estão sem água com impossibilidade de irrigar devido à burocracia ou ao fracionamento das propriedades.
Neste contexto, estão emergindo, no hemisfério sul, realidades produtivas vantajosas e que crescem muito rapidamente. Exemplos disso são os cultivos de azeitona da Austrália, África do Sul, Chile, do Uruguai, especialmente no Brasil, que talvez seja o mais jovem de todos com sua primeira produção em 2008.
Sem dúvida me parece que o Brasil tem a velocidade de crescimento mais rápida, através de empreendedores esclarecidos e competências técnicas que estão nos mais altos níveis, o resto é feito por solo fértil e um clima favorável, conta.
O azeite perfeito
Apesar do reconhecimento internacional por seu trabalho, Nicolangelo afirma que não tem metodologia própria, mas apenas a herdou de seu professor Gaetano Avallone.
"Após seu falecimento apenas modelei o método de trabalho para os novos tempos compartilhando-o com outras figuras profissionais, como Michele Siniscalchi Montereale, Sabrina Pupillo e Marco Rizzo", enumera.
No Brasil, Marscicani afirma que foi um passo extremamente fácil aplicar este método na Sabiá. "Encontrámos as melhores condições possíveis: azeitonas perfeitas, lagar tecnologicamente avançado e mentes abertas à inovação", descreve.
O azeite brasileiro não tem nada a invejar dos azeites italianos, nem dos melhores italianos.