Wagyu fake e 'peixe Angus': como evitar cair em armadilhas ao comprar carne
Matheus Doliveira
Colaboração para o UOL
01/05/2024 04h00
Um restaurante que garante trabalhar com "cordeiro Angus", um produtor que tenta obter a certificação dessa mesma raça para seus peixes, e um estabelecimento que oferece qualquer bife marmorizado como se fosse um caríssimo Wagyu.
Parece bizarro, mas na tentativa de valorizar o produto, não são raros os casos de restaurantes que tentam vender "gato por lebre" — os dois primeiros casos. Para o consumidor, evitar cair nesse tipo de armadilha ao comer fora de casa pode ser um desafio grande.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com mais de 8 milhões de toneladas produzidas anualmente - perdendo apenas para os Estados Unidos.
Em um mercado tão grande, o consumidor tem o direito de saber exatamente o que está comprando, diz Sylvio Lazzarini, dono do restaurante Varanda Grill, que recomenda que o cliente pergunte ao restaurante a marca ou o frigorífico que forneceu o produto para descobrir se a peça é certificada ou não.
Para Chico Mancuso, argentino que comanda o restaurante Rincon Escondido, em São Paulo, tem como saber sim, mas não é fácil. "Minha dica é sempre prestar atenção na peça de carne. A picanha, por exemplo, tem um tamanho e um formato que dá para identificar só olhando", diz.
Segundo o chef, uma dificuldade peculiar do Brasil é que, por aqui, a certificação de origem de carnes nobres se dá pela espécie do boi. "Isso pode dificultar um pouco, porque em países como os Estados Unidos, já se trabalha com o grau de marmoreio [a gordura que entremeia a carne e acresce sabor e maciez] do corte para se saber o nível de qualidade."
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, cabe às associações de criadores de bovinos conceder ao produto final um selo que garante a sua rastreabilidade, com acompanhamento técnico que vai desde o nascimento do animal até ele chegar no prato.
Para um produtor obter essa certificação, o custo pode variar entre R$ 40 mil e 60 mil — um dos motivos que fazem pratos com cortes nobres de verdade custarem tão caro.
É Angus mesmo?
Minha outra dica é prestar atenção no marmoreio da peça. Se te servem um bife de Angus e você vê que não tem nada de marmoreio, as chances de estar sendo enganado é grande, conta o especialista em churrasco.
Os cortes de Angus citados por Chico são um dos mais pedidos nos restaurantes especializados em carnes. A raça de boi originária da Escócia é mundialmente conhecida por render bifes macios, saborosos e suculentos, mas isso custa caro.
Então sempre vale se perguntar: é Angus mesmo?
"O gado Angus chega a ter um preço 25% maior se comparado aos demais", afirma Sylvio Lazzarini, dono do restaurante Varanda Grill, com três unidades em São Paulo. No caso dessa espécie, a certificação é de responsabilidade da Associação Brasileira de Angus, por meio do Programa Carne Angus Certificada lançado em 2003.
"Para que a carne seja certificada, existe todo um protocolo em que são avaliados desde o fenótipo até o acabamento da carcaça e a qualidade da gordura", conta Ana Menezes, gerente nacional do programa. Outra exigência é ter, no mínimo, 50% de genética Angus. "São aspectos que influenciam na qualidade do produto final".
Se tomados como base os números do comércio de sêmem da espécie no país, estimam-se, no entanto, que mais da metade dos animais ainda não passa por esse processo de certificação.
No caso da Associação de Angus, existem canais no site e nas redes sociais da entidade para receber denúncias de irregularidades, como a da tentativa de vender cordeiro e peixe com nome de raça bovina.
Dupla certificação do wagyu
"O consumidor precisa ser educado a atentar mais para a origem da carne", defende Ana. Ela conta que o Programa Carne Angus Certificada foi o primeiro do tipo por aqui e, inspirado em modelos internacionais, seus protocolos serviram de base para a criação de outros programas similares, como o que atesta a origem dos cortes de Wagyu.
No Brasil, os primeiros exemplares chegaram em meados dos anos 1990, dando origem à Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos das Raças Wagyu, que hoje legitima as raças japonesas com o Programa Carne Wagyu Certificada.
Isso é feito para garantir que o produto se trata de wagyu com rastreabilidade 100% comprovada, diz Iris Santana, certificadora do programa.
No caso de cortes importados, a certificação deve ser feita no país de origem. Para a carne wagyu, há ainda diferentes classificações da Japan Meat Grading Association, que atribui notas a características como marmoreio e nível de maciez.