'Suíça latina': por que Costa Rica é país ideal para viver e se aposentar?
Felipe van Deursen
Colaboração para UOL
15/05/2024 04h00
Nas décadas de 1970 e 1980, a Costa Rica destoava dos vizinhos como uma democracia sólida. Isso fica nítido nos movimentos migratórios: entre 1980 e 1996, o país recebeu cerca de meio milhão de refugiados, a maioria nicaraguenses.
Em 1987, o então presidente, Oscar Arias, ganhou o Nobel da Paz ao propor um acordo de paz regional, aprovado por Nicarágua, Guatemala, El Salvador e Honduras. Paralelamente, o pequeno país começou a despontar como um destino importante do ecoturismo global.
A Costa Rica atravessou períodos de crise econômica e escândalos de corrupção nas décadas seguintes, mas ainda é um caso à parte na América Central. No mais recente índice de democracia organizado pela revista "The Economist", o país ficou em 17º lugar, à frente de nações como Reino Unido, França e Espanha. Nas Américas, ficou atrás somente de Canadá e Uruguai.
A segurança institucional é um dos fatores que explica o constante sucesso costarriquenho como um dos países mais felizes do mundo e um dos melhores para se aposentar. Qual o segredo da chamada "Suíça da América Central"?
Menos armas, mais educação
Em 2019, no Fórum Econômico Mundial, na estância turística suíça de Davos, o então presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada, tentou explicar as diferenças entre seu país e a maioria dos outros.
Há 70 anos, a Costa Rica abdicou das Forças Armadas. Isso nos permitiu fazer muitas coisas, lembrou.
O país aboliu as Forças em 1949, após um breve conflito civil, que levou a uma nova Constituição, à nacionalização de bancos e à criação de um sistema de previdência social. Abrir mão dos gastos militares, segundo Quesada, permitiu à Costa Rica investir 8% do PIB em educação. A taxa caiu para pouco mais de 6%, mas ainda é das maiores do mundo.
Nos anos 1980, enquanto vizinhos se afundavam em golpes de Estado e crises humanitárias, a Costa Rica passou a combater mais seriamente o desmatamento. Em vez de virar um exportador de madeira e gado, o país decidiu investir em turismo.
Muitos achavam que proteger o meio ambiente ia contra a economia. É o oposto. Nosso turismo cresceu exatamente por causa da preservação, declarou Quesada.
Hoje, 25% do território está dentro de reservas e parques.
A Costa Rica, um país do tamanho do Rio Grande do Norte, é reconhecida por sua biodiversidade, pelas praias de mar cristalino, vulcões, florestas exuberantes, cachoeiras e montanhas. O turismo, principal motor da economia, deve crescer a uma taxa superior a 4% ao ano até 2030.
Estabilidade política e um padrão elevado de qualidade de vida (ainda mais para a América Latina) contribuem um bocado para a felicidade geral da nação. No ranking Happy Planet Index, a Costa Rica foi, por anos a fio, eleita o país mais feliz do mundo. Caiu um pouco recentemente, mas ainda está em quarto lugar na lista (o Brasil é o 34º).
Segundo os organizadores do ranking, feito pelo instituto Hot or Cool, o sucesso constante costarriquenho pode ser explicado por uma conjunção de fatores.
Fortes vínculos sociais, investimentos constantes em saúde e educação, conexão com a natureza e baixa pegada de carbono ajudam o país a ser mais feliz e a ter uma expectativa de vida maior do que a de muitas nações desenvolvidas.
Isso não quer dizer que a Costa Rica seja um paraíso na Terra. Ela está entre os países mais desiguais da América Latina (em uma lista liderada pelo Brasil) e a taxa de homícidios por 100 mil habitantes é pouco menor que a nossa (17,3 contra 18,1).
Ainda assim, as décadas de estabilidade e investimentos, além da relativa proximidade com os Estados Unidos, fizeram um bem danado para a indústria do turismo. Além disso, todo esse contexto fez do país uma meca da aposentadoria.
Paraíso de aposentados e de centenários
Este ano, mais uma vez, a revista "International Living" elegeu a Costa Rica como o melhor destino do mundo para se aposentar. Motivos não faltam.
A publicação destacou os sistemas público e privado de saúde, afirmando que mesclá-los - fazer uma consulta em uma clínica privada e em seguida realizar exames em um posto público, por exemplo - é uma mão na roda para as pessoas.
A capital, San José, tem dois hospitais com selo ouro da Joint Commission International (JCI), referência em cuidados de saúde no mundo. Há dezenas de hospitais públicos e centenas de clínicas espalhadas no país, muitas vezes com médicos treinados nos Estados Unidos, segundo a revista.
Além disso, ela lembra o luxo que é poder ver, no seu quintal, "preguiças subindo em árvores com os bebês a reboque ou macacos bugios balançando de galho em galho". Tudo isso colabora com o "plan de vida", o forte senso de propósito que guia as pessoas, especialmente na velhice.
A península de Nicoya, no noroeste do país, ficou mais famosa nos últimos anos por ser uma das chamadas zonas azuis, regiões com uma grande população de pessoas acima de 100 anos. Há gerações as comunidades de Nicoya estimulam um estilo de vida ativo, com foco na família, em saber ouvir e rir bastante.
Segundo o projeto "Blue Zones", o que ajuda a explicar a idade avançada dos habitantes de Nicoya é a alimentação. A água tem altos níveis de cálcio, o que fortalece os ossos e diminui as chances de doenças cardíacas. O jantar é sempre leve, seguindo a tríade ancestral que fez a base alimentar das sociedades mesoamericanas: abóbora, milho e feijão.
Os centenários de Nicoya são ativos, visitam os vizinhos e têm uma boa exposição à luz solar. Mas, infelizmente, eles são cada vez mais raros. Segundo o demógrafo costarriquenho Luis Rosero-Bixby, o aumento dos níveis de obesidade, estresse e sedentarismo, aliados a uma maior influência de estilos de vida estrangeiros, está minando a qualidade de vida de idosos na península.
Outros fatores incluem a aceleração da urbanização, a globalização, mudanças de hábitos alimentares e até o aumento do turismo. Não é algo de agora, mas que se desenrola desde a segunda metade do século 20.
Os homens de Nicoya nascidos em 1905 têm taxa de mortalidade 33% menor do que os do resto do país. Já aqueles nascidos em 1945 têm uma taxa 10% maior. Ou seja, a zona azul de Nicoya está encolhendo, e talvez desapareça em 20 anos.
Mas a pesquisa de Rosero-Bixby mostra que outro lugar pode despontar como um celeiro de centenários. Três locais na província de Alajuela apresentaram uma taxa de mortalidade 19% menor para aqueles acima dos 60 anos do que no resto do país.
Os números, rankings e prêmios que fizeram a fama da Costa Rica podem até não reluzir tanto como há alguns anos. Mas o país segue como um dos melhores destinos para quem quer se aposentar.
Até porque a burocracia não é complexa. Para pedir o visto de aposentado, é preciso comprovar uma renda mensal de pelo menos US$ 1.000. Vale por dois anos e você deve permanecer quatro meses no país, continuamente ou não, para renovar. Depois de três anos, pode solicitar o visto permanente.
Quem não quiser esperar até se aposentar pode tentar antes, como nômade digital. O país também tem investido nesse público estrangeiro nos últimos anos, e oferece facilidades como isenção de impostos, validação da habilitação do país de origem e abertura de conta em banco.
Tudo isso representa a exportação do bem mais valioso do país. Não é café, banana nem turismo, mas a famosa "pura vida" costarriquenha.