Tricô, colete e polo: vestir-se como o vovô vira moda e conquista geração Z
Caio Delcolli
Colaboração para Nossa
16/05/2024 04h00
Calças e saias com pregas, papetes, suspensórios, tricôs com padrões xadrez, quadriculados e de losangos, e mocassins com meias visíveis. É assim, com peças típicas do brechó, que o estilo "grandpacore", ou "vovôcore", é um dos principais da temporada outono-inverno deste ano.
O termo surgiu no TikTok e os vídeos marcados na categoria #grandpacore já acumulam, juntos, mais de 40 milhões de visualizações. Segundo a plataforma Pinterest, em que os usuários buscam inspirações estéticas, entre 2021 e 2023, as buscas de seus usuários pelo termo "moda vovô" subiram em 65%, enquanto por "estilo vovô" aumentaram 60% e por "moda urbana retrô", 55%.
A rede social afirma que as gerações que lideram as buscas são a Z (jovens nascidos entre o fim dos anos 1990 e início dos 2010) e boomer (entre as décadas de 1940 e 1960), embora os millennials (início dos anos 1980 até metade dos 1990) possam ser vistos a olho nu entre os adeptos.
Famosos e tendências
Entre os famosos que aderiram ao estilo, destacam-se o rapper Tyler, the Creator, considerado o emblema máximo do "grandpacore", Harry Styles, Billie Eilish, Pharrell Williams, Kendall Jenner e Hailey Bieber. A grife Miu Miu lançou mão do "grandpacore" na Semana de Moda de Paris deste ano.
Também conhecida como "eclectic grandpa", ou "vovô eclético", a tendência abarca tanto peças masculinas e femininas quanto as sem gênero, a despeito da palavra "vovô" na denominação.
A estética tem sido mesclada com a linguagem urbana do "streetwear" — uma característica típica da geração Z, diz Sofia Martellini, estrategista de moda da WGSN, empresa especializada em tendências de consumo.
"Eles misturam referências e estilos de maneira que moderniza peças antigas e dá a elas uma cara mais 'cool'. A jaqueta bomber é outro exemplo disso", afirma.
Fernando Hage, professor de moda da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), diz a Nossa achar o "grandpacore" curioso —afinal, ele une o bom humor com peças tidas como conservadoras por gerações anteriores.
"Os jovens de hoje não têm essa memória, então eles ressignificam as roupas, o que é muito comum na moda", afirma.
Segundo o professor, as marcas estão atentas ao apreço da juventude pelo retrô. A recente febre da "quiet luxury" — tendência centrada no luxo discreto — valorizou o vestuário com cara de brechó.
A Havaianas, por exemplo, segue comercializando o chinelo de cor clara e alças coloridas, e em 2023, lançou a sandália Street Tokyo, que remete aos papetes que se popularizaram nos anos 1990.
No mesmo ano, a Vans, conhecida pelo estilo skate, colocou no mercado o Knu Slip, reinterpretação do Slip-On lançado no fim dos anos 1970 —um calçado com cara de vovô. A grife Ralph Lauren, por sua vez, segue apostando nas camisetas polos sóbrias e elegantes.
Martellini afirma que o "grandpacore", em si, não é novidade. O uso desses itens já podia ser notado nos últimos anos, mas agora foram agrupados sob um termo. A moda vintage já estava por aqui muito tempo antes de o novo rótulo surgir.
Hage tem visão semelhante. Ele diz que o uso de hashtags aglutina postagens e assim, tendências deslancham. Existe, portanto, uma necessidade de se dar nome às coisas.
Vista-se como um vovô
O professor da FAAP indica aos homens o uso das calças com pregas. "Elas sumiram a partir dos anos 2000 e 2010, mas agora voltaram", diz. Tricô por cima de uma camisa com gola aparente, gravata e pulôver com padrões clássicos, como espinha de peixe e losangos, também são boas opções, afirma.
Em termos de sapatos, os mocassins são uma das peças centrais do "grandpacore". Calçados com lapelas, alguns até com franjas diante dela, e bolsa carteiro também podem compor um look.
Para as mulheres, diz Hage, estão valendo para a parte de cima as mesmas opções que os homens têm, como colete de tricô e pulôver. Saias com pregas, no estilo colegial, e meias aparentes são boas pedidas para a parte inferior.
Martellini indica cardigans mais soltos no corpo. "Para a moda feminina, os modernos são mais justinhos, mas aqui a gente está pensando no vintage", diz. Calças de cintura alta e de estilo "baggy" —com silhuetas mais largas— e de alfaiataria também se enquadram na proposta.
A estilização também conta, afirma. "A 'grandpacore' tem looks de camadas, então a camisa dentro da calça é importante, assim como os blazers." Marrom, verde-oliva, amarelo-mostarda e cores de tonalidade desbotada ornam bem na estética.
O criador de conteúdo de moda Caio Bigodi diz a Nossa que a estética "streetwear" tem incorporado outras tendências e crê que ela é útil para um look "grandpacore" não parecer formal demais. Brincar com cores e proporções também ajudam nesse sentido.
"Você pode usar na parte de cima peças mais alinhadas e na de baixo, uma calça mais larga", diz. Ele sugere combinar tonalidades de cores e evitar o preto para não carregar demais o look ou deixá-lo muito sério. "Veja o que combina com você e siga o que você gosta."
Bigodi aponta que o suéter e uma camisa oversized podem ser as peças ideais para as mudanças de temperatura do outono. Uma simples regata pode ser o que fica por debaixo do suéter ou da camisa quando o frio chegar à noite —você pode levá-las dentro de uma bolsa, assim estilizando o visual com mais um elemento. Relógios também são uma boa pedida.
A calça de moletom, por sua vez, é algo a ser evitado para você não passar calor durante o dia. Ele sugere preferência pelas de alfaiataria e jeans leves. Já no que se refere a calçados, a dica é ir atrás de loafers.
Passado e futuro
A tendência dá sinais de que a geração Z busca viver um passado que não é o dela, afirma Hage. A moda dos anos 1990 buscava imaginar o futuro pós-virada do milênio com um quê de utópico —sem desigualdades, promissor, tecnológico. Entretanto, não é esse o cenário a que chegamos, diz o professor.
"O mundo está em colapso ecológico, econômico, as desigualdades pioraram, o individualismo é excessivo", analisa. Apesar dos avanços, o sentimento geral é de que estamos presos ao passado. É natural, portanto, que os jovens olhem sem esperança para o futuro.
Martellini concorda. "As gerações millennial e Z são conhecidas pela nostalgia na moda, muitas vezes em relação a épocas que não viveram", afirma. "Eles têm o hábito de fazer compras em brechós, se apropriar de referências vintage."
O "grandpacore" vai ao encontro de outra tendência —a do consumo consciente. Alguns movimentos dentro da indústria da moda têm buscado reduzir o impacto da produção no planeta. É aí que o brechó entra, diz a especialista. "A ideia da 'grandpacore' é justamente comprar peças já existentes dessas lojas."
Para o professor da FAAP é importante que esse olhar para o passado não nos leve a dar continuidade a um mau futuro. "A indústria joga no mercado o que já existe. Vale a pena consumir algo novo com cara de antigo? Ou consumir algo antigo de fato e diminuir o meu impacto ambiental no dia a dia?", questiona.
Peças já produzidas, afinal, já tiveram suas pegadas de carbono dissipadas, enquanto o mercado sempre nos incentiva a aderir à próxima tendência —e assim gerar em nós o desejo pelo consumo. "Precisamos refletir melhor sobre o consumo e como a indústria nos influencia", afirma Hage.
Bigodi defende brechós como lugares perfeitos para combinar o consumo consciente com a busca por peças únicas. "Você encontra peças antigas em condições incríveis de uso e que não são mais produzidas naquela silhueta ou com aquela estampa", diz. "Brechós são ótimos para você encontrar peças raras. As últimas compras que fiz foram em neles."