Abacaxi de R$ 200 da Mazé, a história do doce que viralizou na internet
Fernanda Campos e Paola Churchill
Colaboração para Nossa
17/05/2024 04h00
Na pacata cidade de Carmópolis em Minas Gerais, a cerca de 110 km da capital Belo Horizonte, a doceira Maria José de Lima Freitas, a Mazé, cativa não só os moradores locais como também uma multidão de 480 mil seguidores no Instagram, que esperam ansiosamente para ver os lançamentos, que vão desde a tradicional paçoca até o carro chefe da confeitaria: os doces glaceados.
Com um sorriso e voz doce, Mazé conquistou uma clientela fiel ao criar uma plataforma de e-commerce e mostrar todo o carisma nas redes sociais, isso em 2016.
Quando disse que queria vender os doces online, acharam que era uma ideia maluca. Mas, no fim, foi isso que salvou a gente na pandemia, porque as pessoas não podiam sair para comprar. Além disso, conseguíamos entregar em todos os estados, Mazé, em entrevista a Nossa.
Nos vídeos que posta nas suas redes sociais, a doceira e sua equipe mostram não só os doces prontos, que recebem comentários como "Obra de arte" ou "Só de olhar já da água na boca", como também todo o processo de como eles são feitos. Alguns podendo chegar a seis meses de preparação. "Não é do dia para noite que um bom doce fica pronto, então a gente leva o tempo necessário."
Sucesso no TikTok: "Eu sou a moça do abacaxi"
A cristalização é um processo simples e demorado. Em câmaras frias, as frutas "descansam" em contêineres cheios de água com açúcar, liberando frutose e absorvendo a sacarose do açúcar — um secante e conservante natural. Em média, os doces da Mazé levam 30 dias para ficarem prontos, mas a cristalização de frutas inteiras dura seis meses.
Mazé usa somente abacaxis do tipo pérola comprados durante as safras de pequenos produtores mineiros. Para descobrir a espécie certa da fruta e o tempo exato de preparo, a doceira levou anos de tentativas e erros e doces que se desmanchavam.
"Já existia por aí esse tipo de cristalização, mas ninguém ensina a técnica. Fui até a França para tentar aprender com os melhores chefs de lá, mas eles são muito fechados", conta. O resultado deve ser suculento, sem se despedaçar na hora de cortar.
O estoque é comprado em abril e o produto final é vendido em novembro. Em 2023, cada unidade, que pesava entre 500 e 600 gramas, custava R$ 200. Devido à concorrência em adquirir o doce, Mazé organizou uma pré-venda em 30 de novembro daquele ano, às 9h, pelo site mazedoces.com.br. O estoque inteiro, mais de 4 mil unidades, esgotou em 20 minutos.
O motivo? O doce caiu nas graças dos usuários das redes sociais, em especial o TikTok. Com a demanda maior que a oferta, parte da clientela se revoltou.
"Tivemos muitas ameaças de processos, incluindo de mulheres grávidas que sentiam desejo pelo abacaxi e senhoras idosas, em torno de 80 anos, que acreditavam que não estariam vivas na próxima pré-venda", conta Mazé, que explica que não há como prever quantos abacaxis conseguirá em cada safra e nem escolhe para quem vender. "Quem manda é a natureza".
O desafio de Marco Aurélio
Como muitas mulheres, Mazé começou a vender doces por necessidade. Em 1999, após voltar de licença-maternidade, a doceira foi demitida da agência que trabalhou por quatro anos como diarista e ganhava um salário mínimo. Sem conseguir outro emprego de forma rápida, decidiu criar o seu próprio.
Para isso, comprou a prazo leite, açúcar e amendoim e passou a vender pé-de-moleque nas ruas de Carmópolis. Foi até o hotel fazenda na cidade oferecer sua primeira criação para o dono, Marco Aurélio. "Ele se recusou a experimentar o doce porque era algo comum e me perguntou se eu conhecia frutas cristalizadas. Eu nunca ouvi falar, mas me senti desafiada", relembra.
Mazé foi atrás dos conhecimentos de Dona Zélia, contadora da Prefeitura de Carmopólis e doceira de mão cheia. Com ela, aprendeu a produzir mamão cristalizado. "Marco Aurélio provou a fruta e disse que estava muito ruim, emborrachado. De novo, me senti desafiada. Precisava fazer o melhor doce para aquele homem".
Parecia que a cada negativa do empresário, a doceira ia mais fundo para fazer o melhor doce possível. Viajou até a Universidade de Viçosa para aprender as técnicas profissionais de cristalização. Retornou vendendo nas ruas mamão e abóbora cristalizadas, que finalmente conquistaram não só o dono do hotel fazenda, mas toda Carmópolis.
Depois de muita prática, cheguei lá com 16 bandejinhas de mamão cristalizado e dei um para ele provar. Voltei para casa e ele me ligou dizendo se eu podia vender para ele todas as bandejas e quanto tempo demorava para eu fazer mais. Fiquei muito emocionada e disse que a próxima leva demorava cerca de 10 dias para ficar pronta, ele disse que esperava.
Equipe feminina
O negócio, que começou em uma feirinha de rua, foi se expandindo e, por ano, Mazé estima que atualmente faz cerca de 17 toneladas de doces pré-prontos nas câmaras frias todos os anos para suprir a demanda por seus produtos açucarados.
Agora com fábrica própria, Mazé construiu um verdadeiro império, mas continua buscando fornecedores locais do Triângulo Mineiro para as frutas que cristaliza. "Além de ajudar na economia local, essas frutas são da melhor qualidade e livre de agrotóxicos".
E para ajudar com a produção de doces, que giram em torno de 4 toneladas por mês, Mazé conta com uma equipe de 30 pessoas, majoritariamente mulheres, que participam de todos os processos da empresa, desde descascar frutas antes de cristalizá-las a gerenciar as redes sociais.
Se na época que perdeu o emprego Mazé se sentiu desamparada e sem perspectiva, quando construiu seu império de doces decidiu que faria de tudo ao seu alcance para que nenhuma mulher passasse pelo mesmo.
A Mazé Doces é uma empresa feminina. Amo dar oportunidade a elas e colocar a mão na massa com elas. Faço isso há 20 anos e é o que me deixa feliz.
"Acho que a equipe tem a delicadeza feminina, mas também força e determinação. Elas se sentam na mesa para descascar milhares de jabuticabas e fazem isso de maneira tão resiliente e bonita que o amor passa para os doces e dá para sentir no sabor depois", finaliza.