Praia de areia preta em ilha espanhola já abrigou espiões na Guerra Fria
Colaboração para Nossa
24/05/2024 04h00
Se hoje a curiosa Playa de Puerto Naos, na Espanha, é um pacato destino turístico que atrai a curiosidade dos visitantes graças às suas areias negras, seu passado já foi bem mais movimentado.
A praia de pescadores e cultivadores de banana vive sob o risco de desaparecer, graças ao vulcão Tajogaite, e até já abrigou uma base do exército americano usada para espionar os russos durante a Guerra Fria. Vem saber mais sobre o local:
Onde fica a tal praia da areia preta - e por que ela tem essa cor?
Puerto Naos ocupa cerca de 120 metros (segundo as autoridades das Ilhas Canárias, outros guias colocam sua extensão entre 400 m a 1 km, como o Lonely Planet) na pequena ilha de La Palma, parte da província de Santa Cruz de Tenerife, no arquipélago espanhol das Canárias.
Sua areia escura é tanto uma maravilha natural quanto resultado de um problema que ainda a assola: a atividade vulcânica. Todo o terreno do arquipélago foi formado em torno ou como resultado de erupções. Mas, para entender melhor como sua cor se formou, é preciso algumas informações:
Praias de areias pretas, em geral, são resultado do acúmulo de sedimentos devido à erosão de rochas pela água de rios ou mares que formam plácers, ou depósitos naturais de minerais. Nelas, é possível encontrar às vezes pedras preciosas como topázio, rubi, safiras ou até diamantes, além de elementos raros como tungstênio e zircônio.
Que tipo de materiais se despreenderão das rochas para compor estes depósitos e, eventualmente, a areia da orla, dependem justamente das origens do terreno e do tipo de formações geológicas encontradas por lá. Ou seja, bem a grosso modo, se você esmagar com um pilão um grão de pimenta-do-reino branca, você obterá pimenta-do-reino branca em pó — com tudo que a compõe.
A praia de Langkawi, na Malásia, que é marmorizada em tons de preto e a de areia mais clara, é composta por 86% de turmalina e 12% de ilmenita, além de vestígios de outros minerais, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica. Por isso, ela é classificada como uma praia não-vulcânica pela Sociedade Geológica da Malásia.
Já no caso da Playa de Puerto Naos, a areia é resultado da erosão do basalto que compunha o magma expelido pelos vulcões das Canárias, segundo as autoridades de turismo do arquipélago. Uma vez solidificado, ele eventualmente se "quebrou" até que se tornou sua belíssima costa negra.
Não à toa, as Ilhas Canárias possuem outras praias com areias escuras, como é o caso da vizinha Charco Verde, ainda em La Palma; ou da Playa de Martiánez, da Playa de Las Gaviotas, Playa de Los Guios, Playa Jardin e Playa de La Arena, em Tenerife.
Um paraíso digno de James Bond
Durante a Guerra Fria e especialmente após a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962, os EUA se viram em uma situação preocupante com o avanço dos russos na construção de submarinos nucleares. Foi assim que decidiram estabelecer, na costa europeia, bases "espiãs" para monitorar as atividades inimigas.
A primeira localidade escolhida foi a Playa de Puerto Naos, graças à sua localização privilegiada — próxima ao aeroporto de Buenavista, em Breña Alta. Segundo reportagem do jornal espanhol La Opinión, os primeiros materiais para a construção desembarcaram na Base Naval de Las Palmas em junho de 1963, sob o projeto Mils, conduzido como pesquisa em geofísica pela Universidade de Columbia, em Nova York.
Curiosamente, com os americanos teria chegado a primeira garrafa de Coca-Cola a colocar os pés na ilha. Estabelecidos, eles passaram a contratar também moradores locais — dos quais era exigido sigilo total — para trabalhar no projeto, que usava tecnologia de ponta para, oficialmente, monitorar estudar e monitorar baleias por hidrofonia. Não oficialmente, eles tentavam controlar a navegação de submarinos no Oceano Atlântico.
Em 1968, Puerto Naos viveu o momento de maior rebuliço de suas pacatas areias negras: o desaparecimento do submarino nuclear americano USS Scorpion dos radares em 22 de maio, com 99 homens a bordo em uma missão de espionagem dos soviéticos, de acordo com Kenneth R. Sewell e Jerome Preisler, autores de "All Hands Down: The True Story of the Soviet Attack on the USS Scorpion".
Durante 15 dias, 24 horas por dia, os funcionários da base em La Palma participaram das buscas — que levaram ao todo cerca de cinco meses — com seus fones de ouvido, tentando escutar algum vestígio da embarcação. Segundo a imprensa espanhola, aviões das Forças Armadas dos EUA jogavam cargas sobre o oceano que explodiam nas águas, produzindo eco recebido pela base e, assim, eventualmente foi localizado o submarino americano perdido.
Porque o final do caso não foi feliz, já que o submarino afundou no Atlântico e as vidas de seus tripulantes foram perdidas, o caso do Scorpion se tornou polêmico, gerando questões das famílias, da imprensa americana e, eventualmente, de historiadores sobre o que de fato aconteceu — se ele teria sido naufragado pelos russos, pelos próprios americanos para conter vazamento de informações, ou se teria sido vítima de mau tempo ou problema técnico, como apontam relatórios da Marinha dos EUA que se tornaram públicos ao longo dos anos.
Estas questões, a Playa de Puerto Naos não guarda mais. Nos anos 70, a base foi perdendo a importância graças ao desenvolvimento do monitoramento via satélite e, eventualmente, no fim dos anos 80, seu terreno foi devolvido às autoridades de La Palma. De lá, restam as histórias e as lembranças de tempos de James Bond.
O que ver em Puerto Naos?
Foi a partir dos anos 80 que a Playa de Puerto Naos começou a se tornar turística. Hoje, ela acumula alguns coloridos prédios ao longo de sua orla charmosa e encanta também não só pela areia, mas pela pureza de suas águas — ela é reconhecida como uma praia "Bandeira Azul" pela Fundação pela Educação Ambiental — e também por ostentar o título de acessível a cadeirantes.
Visitantes encontram estrutura para aproveitar o passeio, já que a pequena praia dispõe de chuveiros, vestiários e banheiros, além de guarda-sóis e espreguiçadeiras que podem ser alugadas para relaxar à beira-mar ou admirar seu famoso pôr do sol. Ao seu redor, bares, restaurantes e lojinhas dividem espaço com acomodações que abriga turistas.
Há ainda acesso regular à praia por ônibus, carros (há estacionamento), além de haver farmácias e quiosques que servem às necessidades dos banhistas. No entanto, Puerto Naos fica aberta aos turistas apenas entre 11h e 18h, e é preciso obter um QR code com antecedência para ter sua entrada autorizada, segundo as autoridades de La Palma, através deste link.
Atenção: Puerto Naos ficou fechada de 2021 a janeiro de 2024 devido à erupção do vulcão Tajogaite, que forçou a evacuação de seus moradores e comerciantes, como também os de La Bambilla, afetando cerca de 1.300 pessoas. Após a reabertura, a área funciona em esquema reduzido, portanto é importante sempre checar de antemão se trilhas ou praias estarão abertas através do site.
Mais informações sobre a situação vulcânica ou sobre as medidas de segurança em Puerto Naos e em La Palma estão disponíveis em visitlapalma.es ou, para o QR Code, no cabildodelapalma.es.