'Cara de inteligente' ou modismo: todo mundo quer os óculos das jornalistas
A cena é clássica: a mocinha do filme passa por uma grande transformação para tornar-se mais bonita (e desejável pelo rapaz protagonista). A primeira providência é, então, tirar os óculos.
Por anos sendo retratado de maneira estereotipada em figuras femininas, os óculos passaram a ganhar outros status, e serem objetos agora de desejo, graças, também, ao uso por jornalistas na televisão como Renata Vasconcelos, Natuza Nery e Ilze Scamparini.
Sejam os tartaruga Céline de Renata, os exóticos de Ilze (já duramente criticada em 2016 por utilizar uma armação azul) ou os estilo retrô de Natuza, o uso de armações marcantes de óculos de grau por repórteres e âncoras femininas de jornal são um fenômeno, de certa forma, atual.
Antes de Renata Vasconcelos em 2021, por exemplo, nenhuma mulher esteve à frente do principal jornal noturno da TV utilizando o acessório. A jornalista revelou que passou a precisar das lentes e achava cansativo ter que retirá-las entre um intervalo e outro - quando resolveu assumir e o fez com estilo.
A pesquisadora Naomi Wolf, em "O Mito da Beleza", reflete sobre a imagem das apresentadoras de televisão.
A mensagem da equipe do noticiário é a de que um homem poderoso é um indivíduo (...) e que sua maturidade faz parte de seu poder. (...) As mulheres a seu lado precisam, porém, de juventude e beleza para chegar ao mesmo estúdio, observa.
E, como bem lembramos, óculos, beleza e juventude não caminhavam juntos quando o assunto era imagem feminina, basta lembrar de séries como "Betty, a Feia", a personagem de Mariana Ximenes em "Chocolate com Pimenta" ou o filme "Ela é Demais". Com o tempo e junto a movimentos como a quarta onda feminista, esta percepção vem ganhando novas roupagens.
Utilitário ou adorno?
Apesar do que se pensa, o uso dos óculos como um acessório de moda tanto quanto um utilitário não é de hoje. Na verdade, já tem um tempinho: os primeiros registros do uso dos óculos são da era pré-cristã, mais ou menos cerca de 500 a.C., informação contida em textos do filósofo chinês Confúcio.
Quem conta essa história é a consultora de estilo Mariella Fassanaro.
"Na época, eles não tinham grau e eram usados como enfeite ou distinção social. Então, antes de serem propriamente uma órtese visual, já eram adorno", relembra a pesquisadora, reforçando que, já na era contemporânea pode-se atribuir essa transformação de utilitário para ícone de estilo em parte à marca Ray-Ban, que nasceu em 1937, e lançou modelos diferentes no pós-guerra - o modelo gatinho, por exemplo, foi uma proposta feminista para trazer sensualidade às mulheres.
Daí para frente, figuras como Jackie Kennedy-Onassis popularizaram e criaram seus clássicos, tornando-se as referências quando o assunto é uma armação específica. Como hoje acontece com a jornalista Renata Vasconcelos.
A técnica em óptica e sócia de uma marca de óculos, Amanda Loiola, revela que é comum clientes chegarem pedindo um modelo igual ao da apresentadora.
Ela e a Oprah são referências constantes nas lojas. Mas, para chegarmos a um modelo que esteja de acordo com o que a cliente deseja, perguntamos sobre a imagem que ela deseja passar, o local de trabalho, preferência por cores... assim associamos ao visagismo e chegamos em um modelo ideal, revela.
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Quero receberEssa análise é fundamental quando há um desejo que a escolha por um modelo reflita uma imagem desejada, seja ela de confiabilidade, inteligência ou autoconfiança. Mariella reforça que, por estarem localizados no primeiro ponto de contato entre humanos - os olhos - os óculos ajudam a exprimir identidade.
"Se estivermos de fardamento, por exemplo, nossa diferenciação segue sendo pela face, justamente onde ficam os óculos. Óculos de grau, portanto, são vitais pra elaborar propostas de identidade visual e afirmar estilo pessoal. É possível atenuar ou ressaltar atributos não só faciais, mas também comportamentais. Podemos transmitir descontração, diversão, doçura, suavidade, leveza, arrojo, jovialidade, dinamismo, seriedade, imponência, força", avalia.
Presunção de inteligência
Para, então, encontrar o melhor modelo para si, nem sempre se inspirar em alguém é o suficiente. Amanda sugere observar três pontos essenciais: as sobrancelhas (elas devem ficar fora da lente, acima da armação), a ponte (o apoio no nariz) e a relação entre o grau e o estilo da armação, para que a lente fique harmônica.
Algo comum também é que as mulheres, especialmente após os 40 com a queda da musculatura de face, passam a optar mais por armação estilo gatinho, com ponta para cima, pelo efeito de um rosto mais levantado, revela.
Seja por uma musa inspiradora, por uma necessidade física ou por um desejo de transmitir uma nova imagem, os óculos de grau seguem como uma possibilidade de mostrar a própria personalidade. Inclusive, ao contrário do que um dia já disseram, de passar mais autoconfiança.
"Os óculos ajudam a transmitir imagem de confiabilidade e presunção de inteligência, sim, porque isso é, afinal, construção maciçamente impressa em nossas mentes na era contemporânea através da mídia. Quem estuda - quem lê, na verdade - precisa de óculos, fato naturalmente associado a pessoas estudiosas, inteligentes. E a TV e o cinema se aproveitam muito dessa mensagem infinitamente repetida para compor personagens - que muita gente aproveita e repete aqui também, na vida real!", conclui Mariella.
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