Cliente sumiu? Taxa de reserva é saída para não deixar restaurantes na mão

Imagine a seguinte situação: você é dono ou funcionário de um restaurante. Passou o dia todo preparando a casa para receber os clientes. Chega o horário de chegada dos comensais e algum simplesmente não aparecem. Frustrante? Mais que isso, acredite.

A reserva com hora marcada faz parte do cálculo na cozinha, no serviço, dita boa parte da rotina de quem sua e corre nesse mercado. A matemática é simples, a solução, nem tanto.

Em São Paulo, alguns lugares de renome já adotaram a taxa de reserva, o que, claro, deixou muita gente descontente.

Quanto se cobra

Ainda em 2017, o hoje duas estrelas Michelin TUJU foi o primeiro restaurante do Brasil a cobrar pela reserva.

TUJU, dois estrelas Michelin que cobra R$ 200 de taxa de reserva
TUJU, dois estrelas Michelin que cobra R$ 200 de taxa de reserva Imagem: Rubens Kato

"Na época, era R$ 50 por pessoa e o valor abatido da conta final. Nos criticaram bastante. Hoje muitos fazem e a prática está mais difundida e normalizada. Atualmente cobramos R$ 200 por pessoa, com a mesma regra de descontar no valor final da conta. Meu objetivo é que em 2 anos a gente aumente esse valor", conta o sócio e chef Ivan Ralston.

Guilherme Giraldi, sócio e sommelier do Cais, conta que o restaurante especializado em peixes e frutos do mar com uma caprichada carta de vinhos adotou a medida ainda no meio da pandemia, em 2020.

"Inicialmente cobrávamos R$ 50 por pessoa e atualmente R$ 150 por reserva, mais ou menos metade do que uma pessoa gasta no Cais. A ideia é que não seja um valor muito alto, que possa ser um impeditivo, mas se for um valor muito baixo também acreditamos que não cumpre sua função", conta.

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Cais
Cais Imagem: Bruno Geraldi

Gerente e chef do badalado Ping Yang, Daniel Abdalla e Maurício Santi contam que o "boteco tailandês" passou a cobrar R$ 50 para reserva desde abril de 2024

Ela foi definida através de uma pesquisa de mercado de quanto os demais restaurantes estavam cobrando. Escolhemos uma média razoável e que fosse um valor que nos respaldasse minimamente, além de aumentar o compromisso do cliente, contam.

O impacto do "sumiço"

Antes de ir até a área de comentários do Instagram ou fazer um vídeo revoltado sobre a cobrança, é importante entender que restaurante não é "casa da Mãe Joana", como analisou o colunista do UOL Rafael Tonon, sobre mais temas polêmicos.

"O restaurante é um organismo vivo que, a partir das 8 da manhã, já possui uma quantidade grande de colaboradores trabalhando dentre administrativo, cozinha de produção e limpeza", contam Daniel e Maurício.

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No período da tarde, ainda chegam a equipe de cozinha, de salão e bar, para preparar e organizar a abertura da casa, focando em receber os clientes da melhor forma possível. É justamente nesse momento em que realizamos a organização das reservas e esquematização de mesas através do sistema de reservas virtual.

Guilherme Giraldi, do Cais
Guilherme Giraldi, do Cais Imagem: Bruno Geraldi

Guilherme, por sua vez, enfatiza que para um restaurante pequeno, o no-show é fatal. No caso do Cais, são 40 e poucos lugares e metade do restaurante sob reserva.

Atrapalha principalmente na organização do salão. Em dias que não estamos muito cheios, às vezes, trabalhamos com a equipe reduzida. Com as reservas, conseguimos ter uma noção melhor do fluxo e, se necessário, chamar mais pessoas para trabalharem naquele dia a fim de dar conta de um serviço maior. É também uma forma de organizarmos como será a semana, os pedidos e entender se serão dias mais cheios ou menos cheios.

Caso ainda mais grave no TUJU, que oferece 9 mesas e uma única mesa às vezes representa mais de 10% do faturamento. Duas mesas podem chegar a 30%, dependendo do número de pessoas.

"Quando as pessoas fazem uma reserva todo o restaurante se prepara para recebê-las da melhor forma. A quantidade de ingredientes comprados e pré-preparos feitos são em cima dessa previsão. Quando não acontece, é tempo e insumo desperdiçado. Fora a oportunidade de preencher a mesa com outro cliente", descreve Ivan.

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A gota d'água

Algumas ocasiões foram determinantes para a adoção da taxa. No Cais, por exemplo, aconteceu durante a pandemia, quando havia a restrição de poder ocupar somente 40% do salão.

"Um dia não vieram quase nenhuma das reservas. De 20 pessoas, não vieram 15. Existe uma cultura muito ruim de as pessoas não avisarem ou fazerem uma reserva em dois lugares simultaneamente e decidirem em qual ir na hora... Naquele momento era muito grave pois estávamos lutando semana a semana para conseguir pagar as contas", relembra Guilherme.

TUJU
TUJU Imagem: Rubens Kato

Ivan conta que no TUJU já aconteceu de tudo, mas que a insensibilidade aconteceu até de pessoas da área de gastronomia, "o que é bastante surreal", opina.

No caso do Ping Yang, não houve um caso específico, mas sim uma reincidência chata que impactava a experiência dos clientes que já estão dentro do local, dado a necessidade de remanejamento de mesas e cadeiras, assim como de outros clientes que chegam sem reserva e estão na fila de espera aguardando por mesas.

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"Em suma, afeta a logística da casa, organização, faturamento e, consequentemente, a caixinha da equipe", diz Daniel e Maurício.

Clientes reagem

As reclamações dos clientes diante das taxas são comuns, mas diminuíram em quem faz há mais tempo.

Da mesma forma que muitos clientes entendem a necessidade e concordam, tivemos casos onde julgaram desnecessário e abusivo, mas justamente por não entenderem o quanto isso nos afeta, contam Daniel e Maurício.

Maurício Santi e equipe, no Ping Yang
Maurício Santi e equipe, no Ping Yang Imagem: Pedro Ferrarezzi

Se no Ping elas ainda são frequentes, segundo Daniel e Maurício, no Cais, elas diminuíram.

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"Algumas pessoas às vezes são bem grossas quanto a isso, principalmente quando íamos fazer a cobrança pelo Whatsapp. Mas isso era 1%, muito pouco. A maioria nos entende e, como hoje o pagamento é automatizado, o cliente precisa necessariamente efetuar o pagamento para fazer a reserva. Esse valor é estornado pela plataforma se a pessoa comparecer à reserva", conta Guilherme.

Bye, bye, no-show

Ainda que sob reclamações, o sucesso da medida é inegável, segundo os três estabelecimentos.

"Diminuiu bastante, mas ainda acontece, por incrível que pareça. Levamos um no show que a pessoa perdeu R$ 600 [a reserva pode ser cancelada ou modificada com até 72 horas de antecedência], pois era uma reserva para três. É uma forma de educar as pessoas", conta Ivan.

A pessoa que desmarca reserva em cima da hora tem que sentir no bolso. O mercado deve transferir o prejuízo para ele, crava o dono do estrelado TUJU.

Chef Ivan Ralston
Chef Ivan Ralston Imagem: Rubens Kato
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Apesar de ser prática comum lá fora e o público das três casas não estar alheio à realidade em restaurantes de outros países, Guilherme acredita que a cultura de reserva por aqui ainda não "pegou".

"Acho que foi importante nós e outros lugares começarem a fazer isso porque ajuda a moldar o comportamento das pessoas e educar sobre como o no show pode ser prejudicial para o restaurante", aponta Guilherme.

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