De pizza de sushi a burguer de coxinha: misturas são sucesso além das redes
O termo em inglês crossover, que significa cruzamento na tradução literal, tem sido usado de diferentes maneiras. Para a indústria automobilística, é o carro de passeio adaptado para virar SUV. No universo cultural, são personagens ou cenários de diferentes histórias que se encontram. Na gastronomia, o conceito é o mesmo - duas receitas que têm vida própria, geralmente bem famosas, se misturam para dar origem a algo novo.
E o brasileiro, nesse quesito, é um expert.
Inusitado viraliza
Nas redes sociais, especialmente no Instagram e no TikTok, não há pizza de sushi, hambúrguer de coxinha ou ovo de Páscoa de churrasco que não viralize. O curioso é que essas criações incendeiam lovers e haters com a mesma intensidade, um prato cheio para influenciadores que têm se especializado na tarefa de degustá-las.
Um deles é o gaúcho Braian Rizzo, que acumula 465 mil seguidores no Instagram e quase 412 mil no TikTok. Criador de conteúdo desde 2008, quando as redes sociais eram mato, ele já se apresentou como "sommelier de comidas duvidosas", mas hoje está mais diplomático e trocou o cargo por "sommelier gastrocômico".
@braianrizzo PROVEI O ACARAJAPA (?!?) Um Acarajé recheado como se fosse um temaki?!? Bolinho de feijão fradinho recheado com arroz japonês, salmão cru, cream cheese e cia... Certo não parece ser, mas será que é bom? #acarajé #temaki #salmao #creamcheese #acarajapa #meme ? som original - Braian Rizzo
O vídeo em que Braian provou o acarajapa, bolinho de feijão recheado com salmão cru, já rendeu quase 315 mil likes no TikTok. Ainda não desbancou a degustação do sushitone, que chegou a 366 mil curtidas.
Pode ser ofensivo para muita gente, mas o que viraliza é o inusitado. Agora, sempre que uma comida bomba nas redes, meus seguidores me indicam e pedem que eu prove. Se não consigo alguém que faça delivery, eu mesmo preparo.
Mistura no mundo real
Ao contrário do que muita gente pensa, o crossover de receitas não existe só para estremecer as redes sociais. Pratos que parecem bizarros a uma fatia da população têm potencial para conquistar legiões de fãs.
É o caso das criações da Panetteria ZN, localizada no bairro de Mandaqui, em São Paulo. Depois de ficar famosa por vender coxinhas gigantes de 1 kg, a padaria quis mais. Já lançou o coxadog, cachorro-quente que tem massa de coxinha no lugar do pão; o coxitone, lançado no Natal; e o bolo naked coxinha, montado em camadas.
Tudo o que envolve coxinha vende muito fácil, é a paixão do paulistano. Já fizemos até um bolo naked coxinha versão casamento, a pedido de uma noiva, conta Fátima Dias, proprietária da Panetteria ZN.
A coxinha é um dos ingredientes preferidos dos praticantes do crossover culinário. Na Mimi Pink, misto de confeitaria e hamburgueria de Tatuí (SP), o salgado entra no lugar do pão de hambúrguer.
Aqui vale uma explicação detalhada. Na base de tudo, vai um disco de massa de coxinha, frita e empanada. Por cima, os recheios de praxe: hambúrguer de carne bovina, requeijão cremoso, cheddar, maionese e tomate. No topo, acompanhando o formato redondo do lanche, uma coxinha com tudo a que tem direito - massa empanada e recheio de frango desfiado.
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Quero receberTestamos fazer com hambúrguer de frango, mas não ficou bom, pontua Estêvão Milani, sócio da casa.
Criado em dezembro de 2019, quando a Mimi Pink ainda ficava em Sorocaba (SP), o hambúrguer de coxinha foi descoberto pelo portal Sorocabanices dois meses depois.
Em questão de dias, a receita estava no UOLe nas principais emissoras de TV, incluindo o programa da apresentadora Ana Maria Braga. "Tivemos fila na porta da doceria por umas três semanas e precisei aumentar a equipe. Uma noiva de Barretos pediu, como presente de casamento, ir à Mimi Pink provar o lanche", diz Estêvão, que mantém o hit no menu, a R$ 49,99.
Hits - e fracassos
O sucesso de um crossover culinário é sempre efêmero - entre ser lançado, viralizar nas redes, encher o estabelecimento e cair na normalidade, são apenas algumas semanas. Em casos excepcionais, dura alguns meses.
Foi o que aconteceu com Ronnaldo Costa Filho, dono do Temaki 10, que nasceu em Maceió e migrou para Piranhas (AL). Criador do acaramaki, cruzamento de acarajé baiano com temaki, ele conta que o bolinho de arroz japonês, frito em azeite de dendê e recheado com peixe cru, foi o protagonista da casa por um semestre inteiro.
Não era só marketing de redes sociais. No restaurante, eu via metade das mesas comendo acaramaki, recorda.
Não por acaso, o empreendedor que experimenta a fórmula vicia. Sócia do Sushi Boulevard, com sete unidades em Belém (PA), Natasha Uchoa Paiva não perdeu uma data comemorativa, de 2021 para cá, para inventar algo novo. Já lançou pizza de sushi, hambúrguer de sushi, ovo de Páscoa de sushi e, no topo das paradas de sucesso, o sushitone.
Esculpir o produto como um hot roll gigante, ela confessa, foi um desafio e tanto. "O arroz japonês dá sustentação, mas não podia entregar só arroz, né? Por isso, acrescentamos a crosta empanada", explica.
Com 800 g de peso e opções de sabores - o mais pedido foi o que mistura salmão, camarão, kani kama e cream cheese -, o sushitone foi vendido a R$ 89,90 no Natal de 2023, em caixa para presente. Caprichar na embalagem, aposta Natasha, impulsiona as vendas.
Um crossover pode até salvar um estabelecimento da falência. Que o diga Mateus Frazão de Lima, dono do Valle Grill & Sushi, em Registro (SP). Servir sushis e sashimis não estava dando certo e, em 2019, ele estava prestes a cerrar as portas quando seu tio, que também era o sushiman da casa, veio com a ideia de lançar uma pizza de sushi. Imediatamente postada no Facebook, a foto da fatia alcançou 2 milhões de visualizações.
No dia em que eu ia assinar o contrato de venda do restaurante, um repórter quis me entrevistar sobre a pizza de sushi. Encarei como um sinal de Deus e não vendi. Na pandemia, mandei delivery até para as cidades vizinhas, ele diz.
A receita salvadora nunca mais saiu do menu - a R$ 25 a fatia, pode ter cobertura de salmão cru e até de Doritos.
Já deu para perceber que, além da coxinha, o sushi e a pizzas estão entre os principais ingredientes dos cruzamentos. Mas será que basta unir duas receitas campeãs de vendas para criar um crossover de sucesso? Nem sempre.
Ronnaldo, do Temaki 10, admite que o makixêra (makimono com massa de mandioca e recheio de carne de sol e queijo de coalho) e a sushioca (sushi de tapioca) não alcançaram o estrelato.
Nem sempre a gente acerta. Quem gosta das curiosidades é o pessoal daqui, mas os turistas são 97% do meu público. E eles preferem os pedidos tradicionais.
Crossover fino
Que fique claro que o crossover de receitas não é exclusividade dos estabelecimentos populares ou que se proponham a ser instagramáveis - também tem cruzamento em restaurante caro e sofisticado. Na rede Chalezinho, a coxinha - olha ela aí de novo - entrou para o cardápio de fondues, especialidade da casa.
Oferecida como entrada, a fondue de coxinha convida o comensal a empunhar o garfo longo e mergulhar uma dúzia de salgados em uma panela cheia de Catupiry derretido. A extravagância custa R$ 53 nas duas unidades paulistanas, R$ 46 em Gramado (RS) e chega a R$ 74 em Campos do Jordão (SP).
Desde 2022 no ranking italiano 50 Top Pizza, que elege as melhores pizzarias do planeta, a paulistana QT Pizza Bar pôs o molho do macarrão à carbonara, patrimônio pelo qual os italianos morrem de ciúme, em cima da pizza. Virou best seller - e até os italianos se dobraram.
"A reação foi muito melhor do que esperávamos. Quando entramos no ranking pela primeira vez, em 2022, foram eles que citaram a pizza de carbonara como um dos destaques", orgulha-se o proprietário Matheus Ramos, que cobra R$ 62 pela pizza individual.
Para ele, o crossover de receitas não aceita amarras.
Não acho que haja limite para misturar culturas e elementos. Se ficar bom, se combinar, vale tudo.
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