Fé na conservação: por que o pão de Santo Antônio não estraga?
Gabriele Maciel
Colaboração para Nossa
13/06/2024 04h00
Todo ano, no dia 13 de junho, a aposentada Maria da Conceição Pereira Machado, 82, vai à igreja de Santo Antônio de Indaiatuba, cidade do interior de São Paulo onde mora, com o objetivo de receber o pão de Santo Antônio. Na data em que a Igreja celebra o santo casamenteiro e protetor dos pobres, é comum que sejam distribuídos pães aos fiéis.
Como ensinado por sua avó, Maria leva o pão para casa e guarda dentro do pote de arroz, na expectativa de que esse gesto de fé traga fartura e que nunca falte alimento à sua família. "Nunca fui rica, mas, graças a Deus, criei meus cinco filhos sem que nunca nos faltasse nada", conta.
Já a aposentada Edelzuita da Silva Guelfi, 80, diz que nunca viu o pão estragar, apesar de ela também ter o costume de deixá-lo durante um ano inteiro no pote de arroz. "Só trocava quando recebia outro na festa de Santo Antônio do ano seguinte", lembra.
Mais do que a fé, o que explica o fato de o pão ficar preservado por um longo período?
Conservação dos pães de Santo Antônio
A receita do pão que o próprio Santo Antônio fazia para distribuir aos pobres variava conforme a disponibilidade de ingredientes que ele dispunha no mosteiro. Em mosteiros mais ricos, os pães eram mais elaborados, contendo ovos, margarina e açúcar. Já em mosteiros mais pobres, os pães eram feitos apenas com farinha, azeite e sal. Hoje, é comum que as paróquias recebam mini pães de sal doados por padarias.
De acordo com a nutricionista Juliana Casagrande, doutora em ciências dos alimentos pela USP (Universidade de São Paulo), apesar de não haver uma receita única, todas elas têm em comum a simplicidade de ingredientes, o que contribui para a durabilidade do pãozinho do santo.
Ainda segundo o frei Gustavo Medella, da Fraternidade do Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, é comum que o pão de Santo Antônio seja assado duas vezes, trazendo a característica dele ser mais seco.
Para a microbiologista Liliana Rocha, que é coordenadora geral de pós-graduação da FEA-Unicamp (Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas), essa combinação de fatores pode explicar o fato do pão não se deteriorar:
Quando ele é colocado em um pote com arroz, que é um alimento higroscópico, ou seja, que absorve a umidade do recipiente, ele se mantém seco e preservado por mais tempo. Além disso, o pão é assado duas vezes, o que reduz a carga microbiana e a atividade de água, diminuindo a propensão à contaminação. Liliana Rocha, microbiologista
Além disso, os potes de arroz costumam ser armazenados em locais frescos, afastados da luz e do calor, o que diminui significativamente a chance de desenvolvimento de mofo e bactérias.
Casagrande, por outro lado, ressalta que, após ser armazenado por tanto tempo, o pão pode não ser sensorialmente agradável ao paladar. "O consumo desse pão traz mais benefícios ligados à fé do que nutricionais ou fisiológicos", esclarece.
Como surgiu a tradição
A origem da tradição do pão de Santo Antônio remonta à sua própria vida, que foi dedicada a partilhar o que tinha e dar de comer aos mais pobres.
Segundo uma lenda, em uma ocasião, quando ainda se formava como sacerdote, ele distribuiu todos os pães do convento aos necessitados, inclusive aqueles destinados ao jantar dos frades. Cobrado pelo responsável pelos mantimentos, Santo Antônio mandou que o mesmo checasse novamente a dispensa, onde encontrou os pães novamente repostos.
Outra história, pós-morte de Santo Antônio, relata o caso de uma mulher cujo filho se afogou durante a construção da Basílica de Pádua, na Itália. Ela fez uma promessa ao santo: se o filho fosse salvo, doaria anualmente o peso dele em trigo para a produção de pães destinados aos necessitados. A criança foi salva e a promessa deu origem à tradição dos pãezinhos.
Essa dedicação de Santo Antônio aos menos favorecidos, aliada aos milagres relacionados ao elemento do pão, foram os alicerces para a continuidade da tradição associada a ele até os dias atuais. Frei Gustavo Medella
Ewerton Reubens Coelho-Costa, doutor em sociologia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará) e pesquisador de estudos culturais da alimentação, diz, no entanto, que essa prática foi reinterpretada e institucionalizada no século 19, quando passou a ser comum guardar o pão recebido na igreja. Além disso, algumas pessoas também transformavam o pão antigo em farinha para adicionar ao pão novo, intensificando ainda mais essa prática cultural.
"Lembro-me claramente quando era criança, em Guaraciaba do Norte (CE), que minha mãe recebia o pão, que era talvez do tamanho de uma moeda de um real. Era um pão ázimo, ou seja, sem fermento, feito apenas com farinha, água e sal, e assado até ficar seco", conta Coelho-Costa.
Como fazer o pão de Santo Antônio
Há 30 anos, a chefe de cozinha e escritora Ana Tomazoni, tem a prática de produzir os pães, colocá-los em saquinhos brancos com uma imagem de Santo Antônio e leva-los para um padre abençoar. A distribuição acontece não só na igreja que frequenta, mas também em sua escola de gastronomia.
"As pessoas já conhecem da minha fé e vêm buscar. Já ouvi histórias impressionantes de graças atribuídas ao pão de Santo Antônio", diz.
Para Tomazoni, o pão é um símbolo de união familiar, tanto que parte de sua família tem o costume de guardar um pedaço do pão de Santo Antônio na gaveta de toalhas de mesa. "Minha cunhada guarda junto às toalhas, pois elas são usadas durante o ano inteiro, abençoando a mesa e todos em volta no ato de se nutrir", diz.
A seguir, Tomazoni explica como fazer o pão do santo.
Ingredientes para a massa:
1.092 g de farinha de trigo
598 ml de água
86 g de manteiga
108 g de açúcar
18 g de sal
32 g de leite em pó
66 g de fermento biológico fresco
Ingredientes para finalização:
4 ovos inteiros
40 ml de leite líquido
Modo de preparo:
- Misture os ingredientes secos. Adicione metade da água e acrescente a manteiga. Aos poucos, vá adicionando o restante da água. Acrescente então o fermento biológico fresco e amasse até obter uma massa bem lisa (amassar por 20 a 30 minutos).
- Modele os pães no tamanho desejado. Coloque-os em uma assadeira até que eles dobrem de tamanho.
- Bata os ingredientes da finalização e, com essa mistura, pincele os pães. Deixe fermentar um pouco mais.
- Asse em forno pré-aquecido a 200ºC por 30 minutos ou até dourar. Espere esfriar para embalá-los.