Sem chefs no comando, estes restaurantes mantêm tradição e clientela fiel
Fundado em Búzios em 1982 — e desde 1986 em Ipanema —, o Satyricon se converteu em um dos restaurantes de peixes e frutos do mar mais cultuados do Rio de Janeiro. Especializado em comida mediterrânea, dispõe de um balcão de gelo logo na entrada para exibir ostras, badejos, vermelhos, cavaquinhas e outras iguarias marítimas entregues diariamente — praticamente nada sobra de um dia para o outro.
O Satyricon é comandado por dois restaurateurs, Bruno Tolpiakow e sua mãe, Marly Leopardi, que deu início ao negócio. Quem é o chef? Na visão dos donos, ninguém.
Há um cozinheiro responsável pelo restaurante, obviamente, mas que se atém à execução dos pratos, explica Tolpiakow.
É ele, com a ajuda da mãe, que se encarrega de criar as receitas e de bater o martelo no que entra e no que sai do menu. Este lista clássicos como lagosta à thermidor e criações como risoto de burrata com crudo de camarão-carabineiro e ovas de salmão.
O restaurateur atribui boa parte da longa trajetória do empreendimento à decisão de não designar ninguém como chef — o mandachuva da cozinha é mantido longe dos holofotes.
"Chefs, pura e simplesmente, querem colocar a criatividade deles em prática, o que é natural", Tolpiakow observa. "Em um restaurante como o nosso, porém, a clientela até admite uma novidade ou outra, mas não muitas".
Chefs tendem a se preocupar só com o que é servido. Mas o sucesso de um restaurante também depende da decoração, do atendimento, dos pratos e dos talheres. Daí a importância do restaurateur, que atua como se fosse o diretor de uma peça de teatro, olhando o empreendimento como um todo.
Também à frente da pizzaria Capricciosa, outro negócio da família, Tolpiakow não acha que restaurantes tocados por chefs não tenham potencial. "Também podem funcionar", defende. "Mas desde que haja um restaurateur por perto ou que o chef, sendo ele o dono, também exerça a função desse outro".
Siga o mestre - nem sempre o chef
Aparentemente, restaurantes que não dispõem de chefs são cada vez mais raros. Ou não tão falados, pelo menos, como aqueles que são comandados, por exemplo, por ex-participantes de reality-shows culinários como MasterChef Brasil, Mestre do Sabor e Top Chef Brasil.
São as casas associadas a grandes chefs, aliás, que costumam se sair melhor em premiações como a do Michelin e a dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Registre-se que, na prática, toda cozinha profissional tem um líder, independentemente do nome utilizado para designar o cargo dele. É inegável, no entanto, que quem é tachado de chef desfruta de prestígio bem maior do que quem é chamado, por exemplo, de cozinheiro ou de "responsável pela cozinha".
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Quero receber"Os chefs, com a ajuda dos programas televisivos de gastronomia, ganharam uma importância muito maior nos últimos anos", observa Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro.
Eles podem fazer toda a diferença para um certo tipo de empreendimento, que mira determinado público. Mas há diversas outras possibilidades para empreender no mundo da gastronomia. Em alguns estabelecimentos, por exemplo, a localização, o preço, a tradição ou o próprio nome da casa contam muito mais do que o nome do responsável pela cozinha.
Outro restaurante que não tem um chef para chamar de seu é a Adega Santiago, que tem quatro unidades em São Paulo e uma no Rio de Janeiro. Sócio e criador da marca, o restaurateur Ipe Moraes é quem responde pela elaboração de todos os menus. Vale tanto para a Adega Santiago quanto para os demais empreendimentos dele, a Taberna 474 e a Casa Europa, em São Paulo.
Moraes explica para os cozinheiros o que quer que eles preparem, mas se diz aberto a palpites. Depois degusta o resultado e aprova ou não os pratos que eles fizeram.
As inspirações para os cardápios de suas casas costumam vir das viagens frequentes que ele faz para a Europa, principalmente para Espanha e Portugal. Em tempo: em 2022, Moraes vendeu metade de sua empresa para o grupo que está por trás das redes Graal, América, Barbacoa, Due Cuochi e Rancho Português.
Chef-parceiro
Fundado em 1999, o Zazá Bistrô Tropical, em Ipanema, até emprega alguém como chef, o Arthur Cardoso. Outros expoentes da gastronomia, a exemplo do boliviano Checho Gonzales e de Lucio Vieira, que comanda o Lilia, no centro carioca, já desempenharam essa mesma função no endereço de Zazá Piereck e Preta Moysés.
Todos os cardápios do restaurante, no entanto, foram elaborados a quatro mãos. E duas delas, invariavelmente, pertencem a Piereck.
"Sempre dei a direção do cardápio para os chefs compartilhando as minhas referências", explica a restauratrice.
Eles criam com base nisso, mas só entra no cardápio o que eu aprovo.
Ela acrescenta que não faz nada disso por não acreditar no talento de seus chefs ou por não querer que eles despontem. "Meu único objetivo é preservar o conceito do Zazá", explica. "Do contrário, cada chef daria sua própria cara ao restaurante".
Ela e Moysés também são donas do Zazá Bistrô Café, com três unidades no Rio de Janeiro. Ao todo, elas atendem 27 mil pessoas por mês.
No Grupo Gitan, encabeçado por Leonardo Rezende, não é muito diferente. O restaurateur diz que os cardápios de todas as casas da rede são desenvolvidos por ele em parceria com os chefs. No endereço mais antigo, o Pici Trattoria, a participação dele foi ainda maior, pois ele sabia exatamente quais pratos gostaria que fossem servidos.
Cinco empreendimentos do grupo se encontram no Rio de Janeiro: Oia Cozinha Mediterrânea, Posì Mozza e Mare, Spicy Fish, Magnólia e Pici Trattoria. Em São Paulo, na cobertura do Shops Jardins, fica o Roi Méditerranée.
Dificilmente eu investiria num chef que diz 'na minha cozinha ninguém se mete', Rezende declarou certa vez.
Quem exerce o cargo de chef-executivo da holding é Rodrigo Guimarães, que venceu a terceira temporada do Mestre do Sabor.
Em time que está ganhando...
No início da carreira, o chef Pedro de Artagão, que despontou no extinto Irajá Gastrô, no Rio de Janeiro, queria mudar o menu o tempo todo. "Mas isso é tudo o que os clientes não querem", admitiu anos depois, quando já havia se convertido em um restaurateur de respeito.
Eles querem voltar para comer os pratos de que gostaram. Se eu tivesse me dado conta disso mais cedo, teria tido menos problemas.
Em 2020, ele montou a primeira unidade do Boteco Rainha, no Leblon, que deu origem a uma rede de bares para lá de disputados.
Em abril, o grupo dele se associou a outro, o Alife Nino, dono de restaurantes como Nino Cucina, Da Marino e bares como Tatu Bola e Boteco Boa Praça. Na mesma tacada, o Alife Nino abocanhou um naco do italiano Fame Osteria, em São Paulo, do chef Marco Renzetti.
Agora, quem responde pela cozinha de todos os restaurantes da holding é este último. Artagão ficou à frente dos bares. Com mais de 60 operações, o grupo está sedento para abrir muitas outras. Mas não para colocar outros chefs nos holofotes.
Tirando o Fame Osteria, que ganhou uma estrela Michelin em maio, dificilmente saberemos quem está no comando das demais cozinhas do grupo no dia a dia.
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