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Conhece o rojão de carne? Descubra receitas juninas de norte a sul do país

Rojão: prato ganhou fama nas festas populares, como o São João, e virou marca registrada de cidades no interior de São Paulo Imagem: Reprodução

Glau Gasparetto

Colaboração para Nossa

19/06/2024 04h00

Visitar quermesses, "arraiás" e "quadras" juninas costuma ter um propósito bem definido: experimentar as comidinhas e bebidas típicas da comemoração que movimenta o país de norte a sul nesta época do ano. Alguns alimentos e pratos são comuns em todas as mesas, mas há preparos que entram no cardápio de acordo com a região, reforçando a pluralidade gastronômica brasileira.

"Inicialmente, as festas juninas eram conectadas a rituais pagãos de celebração pelas colheitas. Foram trazidas pelos jesuítas europeus ao Brasil e, com o tempo, apropriadas pela religião cristã, tornando-se símbolo de três santos: Santo Antônio, São João e São Pedro", contextualiza Robert Kenzo Falc, coordenador e professor do curso de gastronomia do Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo.

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Tem receitas juninas que são presentes em todas as regiões e outras específicas de cada Estado Imagem: Getty Images

Entre as tradições que perduraram, o cardápio da festividade passou a desempenhar papel central, como ressalta Zenir Dalla Costa, professora da graduação de Tecnologia em Gastronomia do Senac EAD e coordenadora dos cursos de Gastronomia do Centro Universitário Senac - Santo Amaro:

Nas festas juninas, a comida não serve apenas como fonte de sustento, mas como um veículo de tradição e celebração religiosa, refletindo a riqueza cultural e a diversidade gastronômica de cada região do país

Pratos e até bebidas à base de milho são onipresentes. Isso se justifica pelo grão ser produzido em todos os estados brasileiros e o mês de junho coincidir com o fim da chamada safra de verão e o início da safra de inverno.

Receitas com milho 'unem' o país nas festas juninas Imagem: Getty Images/iStockphoto

Mesmo assim, o que é consumido em Oiapoque apresenta diferenças do que é servido em Chuí, muito por conta da colonização e das tradições que se firmaram em cada lugar. As tradições culinárias também são moldadas pelos recursos naturais presentes.

O que caracteriza cada região são suas particularidades. A maior influência é do bioma local, seguido pelo imaginário coletivo dos signos e significados da festa
Robert Kenzo Falc

A seguir, listamos os pratos que podem ser encontrados nas festas juninas em todos os cantos do país.

Região Norte

Nos sete estados nortistas, a presença indígena é fortemente refletida nos pratos típicos, com a mandioca sendo um ingrediente central, segundo a professora Dalla Costa. Ali, o milho também se torna importante ingrediente e o cardápio regional é reforçado com preparos sazonais.

Tacacá Imagem: Raul Fonseca

"Na região Norte, bioma da Amazônia, São João é comemorado de maneira similar ao resto do país, porém, com comidas específicas da região. Duas preparações são comumente consumidas: Vatapá do Norte, sem peixe e amendoim, e Bolo Podre, que são bolinhos assados de tapioca", acrescenta o professor Falc.

Bolos de macaxeira (mandioca), de milho e de tapioca aparecem na parte de quitutes. Caruru é um dos ítens salgados. Mingaus de milho e de tapioca são igualmente consumidos. Outros pratos que são experimentados nas quadras juninas do Norte são:

  • Maniçoba: tradicional do Pará e muito ligado à cozinha do Amapá, é um prato feito com folhas de mandioca moídas e cozidas por vários dias, misturadas com carnes variadas e pertences suínos, como os da feijoada.
Imagem: Getty Images/iStockphoto

  • Arroz com galinha: "Clássico de toda festa, lembra infância e é feito como as galinhadas do Sul, mas, por vezes, cozido com tucupi diluído em água", explica Dalla Costa.
  • Tacacá: sopa típica do Amazonas, é preparada com tucupi, jambu, goma de tapioca e camarão. Apesar de ser comum em todo ano, não falta à mesa durante os festejos do mês.
  • Vatapá paraense: "Como a maniçoba e o tacacá, não pode faltar em comemorações regionais", pontua a professora do Senac.
  • Quentão de cachaça: bebida quente e doce feita com cachaça, açúcar, gengibre e especiarias.
  • Caldo de mandioca: sopa que pode ser feita com diversas carnes e legumes, com o tubérculo dando textura e cremosidade.

Região Nordeste

Dalla Costa afirma que o cheiro de comida com milho é constante, já que o alimento é a base de muitos pratos juninos, sendo consumido cozido ou assado, destacando-se pela sua simplicidade e sabor natural. Além dele, o amendoim é um ingrediente muito utilizado, servido torrado ou cozido, sendo um petisco popular nos festejos, apreciado pela crocância e sabor.

O munguzá também tem uma versão salgado Imagem: Milena Medeiros/UOL

"No Nordeste, bioma da Caatinga, algumas preparações típicas são o mungunzá com açúcar queimado e o arrumadinho nordestino, um salteado de carne-seca, queijo coalho e feijão fradinho. Também aparece o Rubacão, típico da Paraíba e Ceará, que leva arroz, feijão-verde , queijo coalho, charque e nata - ou leite", agrega o professor Centro Universitário Belas Artes. É possível encontrar ainda:

  • Biscoito de polvilho: feito com polvilho (fécula de mandioca), é um biscoito salgado bom para acompanhar um quentão.
  • Baba de moça: doce cremoso feito com leite de coco, açúcar e gemas de ovo, geralmente usado como recheio ou cobertura de bolos. "É muito comum ser servido com o pudim de tapioca", diz Dalla Costa.
  • Munguzá: doce cremoso feito de milho branco, leite, açúcar e coco ralado, cozido até ficar macio. Em muitos lugares do país, é chamado de canjica.
  • Arroz-doce: sobremesa feita com arroz, leite, açúcar e canela, resultando em um prato cremoso e aromático.
Cuscuz nordestino Imagem: iStock

  • Cuscuz nordestino: preparado com flocos de milho, geralmente é acompanhado de leite de coco, carne-seca ou queijo coalho.
  • Cachorro-quente junino: é comum no cardápio das festas, com variações regionais, como o uso de carne-de-sol na Paraíba.
  • Quentão de cachaça e licor de jenipapo: bebidas tradicionais, especialmente no interior.

Alguns estados têm suas peculiaridades, como a Bahia onde o mugunzá salgado é uma variação local, refletindo a influência africana, e Pernambuco, com seu tradicional bolo de rolo, que é uma versão local do rocambole, e também aparece nas festas juninas
Zenir Dalla Costa

Região Centro-Oeste

Por ali, as festas juninas misturam as tradições locais com as influências dos países vizinhos, especialmente Paraguai. Alguns pratos nortistas e nordestinos também estão presentes, mas há preparos bem regionais que enriquecem as mesas.

Sem contar que a culinária do Centro-Oeste reflete a vida rural e a abundância de carne bovina e suína, além do milho e amendoim, bastante cultivados localmente.

Sopa paraguaia e chipas (ao fundo) Imagem: @visitmsoficial

"No Centro-Oeste brasileiro, bioma do Cerrado e do Pantanal, um dos símbolos gastronômicos da festa é a Sopa Paraguaia, que na verdade é um bolo salgado; além da Maria Izabel, típica do 'quebra-torto cuiabano', o café da manhã local", lista Falc. Outros regionalismos são:

  • Galinhada: prato de arroz com frango e pequi, um reflexo da tradição sertaneja.
  • Bolo de amendoim: preparado com amendoim moído, que confere um sabor evidente e textura densa.
  • Bolo de pinhão: com com a semente triturada, o bolo é comum no Sul, mas apreciado da mesma forma em festas juninas no Centro-Oeste
  • Curaçá: bebida feita com cachaça, mel e especiarias, similar ao quentão.

Região Sudeste

"A festa junina do Sudeste é uma celebração típica do estilo de vida rural, incorporando elementos da cultura caipira, muito comum no interior de São Paulo e em Minas Gerais", define a professora do Senac EAD e do campus Santo Amaro.

Caldo verde Imagem: Divulgação

Fortemente ligada à colheita e à vida no campo, o milho, sendo um dos principais produtos agrícolas da região, desempenha papel central. A festa é basicamente sustentada por pratos tradicionais à base do alimento, incluindo pratos como canjica (milho branco), pamonha, curau e polenta. Até na decoração da mesa o milho é evidenciado.

Apesar das fronteiras serem fluidas, quando se trata de cultura alimentar, Dalla Costa ressalta que a região sudeste também tem suas peculiaridades — como o cuscuz paulista em São Paulo, feito com farinha de milho, peixe e legume; e o frango com quiabo, presente em Minas Gerais:

A forte influência da culinária mineira, com seus queijos e doces de leite, além da herança portuguesa — no caso do caldo verde —, define os pratos típicos da região

Doce de abóbora Imagem: Nossa/UOL

Ali no bioma predominante da Mata Atlântica, ainda podem ser listados como itens gastronômicos típicos da festividade o feijão tropeiro mineiro. "Outro expoente é o pinhão, de diferentes formas, com sua disponibilidade sazonal", acrescenta Falc. Mais pratos comuns nas quermesses do Sudeste são

  • Pão de queijo: embora consumido o ano todo, em festas juninas, devido à influência mineira, costuma ser servido com recheio de pernil suíno ou goiabada.
  • Canjica e curau: sobremesas feitas com milho, amplamente apreciadas na região.
  • Caldo verde: sopa de batata com couve e linguiça, muito comum nas noites frias de São João.
  • Quirera com suan: prato feito com milho triturado (quirera) e carne suína - no caso, o suan, que é uma parte da espinha dorsal do porco.
  • Rojão de carne: tem como base de carne suína, com cebola, alho, cheiro-verde e outros condimentos, e é muito bem misturada para que fique na consistência ideal e seja modelada em espetos grossos de madeira. Por garantia, é amarrada ao redor da madeira com barbante de algodão. O prato, com presença forte no interior paulista, recebeu esse nome porque lembra fogos de artifício, tão comuns nessa época do ano.
Rojão de carne Imagem: Divulgação

  • Doce de leite: doce feito a partir do cozimento do leite com açúcar, seja cremoso ou de pedaços, pode ser apresentado puro ou misturado com coco, amendoim ou até mesmo geleias de frutas.
  • Quitandas mineiras: bolo de milho, bolachas e broas são muito apreciados e servidos nas festas juninas.
  • Doce de abóbora: feito com a abóbora madura, pode vir com coco ou em calda.
  • Vinho quente e quentão: bebidas típicas para aquecer, sendo a primeira à base de vinho e, o segundo, com cachaça.

Região Sul

A culinária típica é marcada pelo churrasco (no Rio Grande do Sul), pipoca, amendoim, canjica, doces campeiros e, principalmente, o pinhão, preparado de diversas maneiras. A fartura de comida é acompanhada por bebidas como quentão, vinho quente (ou "vinhão") e o tradicional chimarrão, típico do estado mais ao sul.

A colonização europeia, especialmente alemã e italiana, influencia fortemente a culinária da região. A presença do próprio pinhão e da carne suína refletem a produção local
Zenir Dalla Costa

Pinhão cozido Imagem: RHJ/Getty Images/iStockphoto

Paraná e Santa Catarina estão inseridos no bioma da Mata Atlântica, enquanto o Rio Grande do Sul é o único estado brasileiro do bioma dos Pampas. Mais pratos comuns à mesa junina sulista são:

  • Pinhão cozido ou assado na brasa: a semente da araucária, típica do Sul, é muito consumida durante o inverno e não falta nas festas do mês de junho da região.
  • Arroz carreteiro: apesar de ser similar ao prato do Centro-Oeste, com certas variações, foi no Sul que nasceu o prato tão conhecido na região.
  • Cuca: "A 'cuca alemã' é um pão doce de origem germânica, com cobertura crocante, refletindo a colonização europeia, mas com recheio de frutas regionais. Já a "cuca italiana" é um bolo com massa amanteigada, recheado com frutas regionais e uma cobertura crocante feita com farinha de trigo, manteiga e noz-moscada", pontua Dalla Costa.
  • Vinho quente (em muitas cidades chamado de "vinhão") e quentão: bebidas quentes tradicionais, com toques de especiarias.
  • Chimarrão: bebida típica do Rio Grande do Sul, é feito a partir de água quente despejada sobre erva-mate disposta em uma cuia. Mesmo sendo consumido em qualquer época do ano, é presença certa nos festejos juninos.
  • Mate doce: bebida feita com leite fervido e açúcar queimado e aromatizado com erva-doce, canela e anis-estrelado, despejado sobre a erva-mate (como o chimarrão).

Pratos de Norte a Sul

Além dos doces, salgados e bebidas com recortes de cada região, existem receitas que podem ser saboreadas em "arraiás" de qualquer canto do país. Roberto Kenzo Falc, do Centro Universitário Belas Artes, e Zenir Dalla Costa, do Senac EAD e Santo Amaro, compartilham os mais comuns.

Pamonha e pé de moleque: receitas onipresentes Imagem: iStockphotos
  • Paçoca: trata-se de uma preparação bem simples, elaborada apenas com amendoim torrado, sem pele, açúcar e sal. "Tradicionalmente, é elaborada num pilão de madeira grande, mas não deve ser confundida com a paçoca de carne-seca, típica do Nordeste", cita Falc.
  • Pé de moleque: é mais um doce automaticamente conectado às festas juninas, feito com amendoim torrado sem casca, misturado com açúcar e leite condensado.
  • Canjica/ mugunzá: basicamente milho branco demolhado, pré-cozido em água e finalizado com leite condensado e especiarias. Na região mais ao Norte, é chamado de mugunzá, enquanto nas mais ao Sul, de canjica. "Acredita-se que tenha se popularizado com os escravizados africanos, pois era alimento bastante comum nos quilombos e senzalas", diz o professor da Belas Artes.
  • Batata-doce: tubérculo muito consumido em todo Brasil, é afamado e muito comum na versão assada, na época de festas juninas. Também é base para doces típicos do período.
  • Pamonha: com origem indígena, varia conforme a região brasileira. No Nordeste, por exemplo, é tradicionalmente doce, leva leite de coco e costuma ser servida como sobremesa. Em Minas Gerais e São Paulo, também leva açúcar no preparo; porém, a massa é batida e coada, para separar o bagaço do milho. Na região de Goiás, encontra-se bastante a versão salgada. Sempre é cozida na própria palha do milho.
  • Cocada: doce feito com coco ralado e açúcar, que pode ser encontrado em versões duras ou cremosas.
  • Maçã do amor: a fruta é coberta por uma camada crocante de caramelo vermelho, conhecida tanto pelo sabor quanto pela aparência festiva.

Em relação ao quentão, é uma bebida elaborada com gengibre e cachaça. O álcool de base está ligado às produções canavieiras, sobretudo nas regiões Sudeste e Nordeste, enquanto no Sul, o vinho quente é mais presente devido ao maior cultivo de uvas na região.

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