Por que São João é retratado como criança se ele viveu cerca de 30 anos?
São João Batista, o santo celebrado hoje em todo o mundo cristão, costuma ser retratado também como menino em telas, esculturas e outras artes sacras, mesmo tendo vivido em torno de 30 anos, segundo estimativas históricas. Tal figura tem uma explicação religiosa.
João Batista é o precursor do messias, Jesus Cristo. Ele nasceu antes de Jesus para preparar o caminho do Salvador. Por ter nascido meses antes, é retratado como criança enquanto Jesus é o bebê, o recém-nascido de Belém
Padre Fabiano Dias Pinto, reitor do Seminário Rainha dos Apóstolos, da Arquidiocese de Curitiba
João é filho de Isabel com o sacerdote Zacarias. O pai, duvidando de Deus que eles pudessem gerar um filho, já que ambos eram "idosos", emudeceu. "Todo mundo queria que o nome fosse outro, porque não havia João na família. Quando Zacarias escreveu João numa tábua, voltou a falar", relata padre Fabiano.
A história cristã conta que João, depois de passar um tempo no deserto, comendo gafanhotos e mel silvestre, passou a anunciar o batismo para remissão dos pecados, tendo batizado, inclusive, Jesus Cristo. Aliás, é por isso que Batista (referência ao termo batismo) foi agregado ao seu nome. "O batismo é sinal de purificação", observa o padre.
Autoria desconhecida
Não se sabe quem criou a imagem mais popular de São João Batista personificado em menino, que enfeita muitas quermesses Brasil afora. Muitos a chamam de "São João do Carneirinho", já que, entre os elementos que a compõem, o animal sobressai.
Traz as referências mais comuns nas pinturas de São João Batista, seja adulto ou criança. Temos a representação do cordeiro, do cajado e da fogueira. O cordeiro representa o próprio Jesus (cordeiro de Deus) e o cajado é a ferramenta do pastor. São João Batista iniciou as pregações antes do primo mais novo, deu início à jornada de Jesus Cristo. E a fogueira é o elemento simbólico que ilumina a humanidade
Bruno Kloss Hypólito, mestre em História Contemporânea e professor de graduação em História no Senac RS
Existem muitas pinturas famosas que retratam o santo na infância. "A obra 'Virgem com o Menino e São João Batista criança', produzida entre 1490 e 1500, por Sandro Botticelli, embora não traga os elementos clássicos como o cajado, a fogueira e o cordeiro, mostra João Batista criança em oração, enquanto contempla Maria e o bebê Jesus", exemplifica. A tela faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Mais obras que podem ser encontradas no museu da capital paulista que também retratam o santo na infância é "Virgem com o Menino e São João Batista criança" (1510-15), de Francesco Francia; "Virgem com o Menino, São João Batista criança e um anjo" (1500-10), de Piero di Cosimo; e "A Virgem amamentando o Menino e são João Batista criança em adoração" (1500-20), de Giampietrino, entre outras.
São João Batista também não é o único santo retratado na fase infantil. Os pastorinhos de Fátima, Santa Jacinta e São Francisco, igualmente aparecem mais novos, pois faleceram com 10 e 11 anos. Já São Domingos Sávio morreu aos 14 anos.
"Entre os mais antigos da história do cristianismo, nós temos os 'Santos Inocentes', que morreram na perseguição do Rei Herodes contra o menino Jesus. São celebrados em 28 de dezembro, para lembrar aquelas crianças mortas por ordem do rei Herodes, que mandou matar todos os meninos ao descobrir, pelos Magos, que havia nascido o Rei dos Judeus", observa padre Fabiano.
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Enquanto a maioria dos santos é lembrada no dia de sua morte, São João Batista é celebrado na data atribuída ao seu nascimento (24 de junho) que, por sua vez, está diretamente relacionada à data convencionada a quando Jesus veio ao mundo, na passagem de 24 para 25 de dezembro.
Os primeiros cristãos tiveram que conviver com o ambiente pagão e os pagãos celebravam o Deus Sol em 25 de dezembro. Jesus é considerado o sol da nossa vida, o sol da justiça, que ilumina todo ser humano. Por isso, a celebração do nascimento de Jesus ficou estabelecida no dia em que se celebrava a famosa festa do deus Sol
Padre Fabiano Dias Pinto
Conforme o religioso acrescenta, dizer que João Batista nasceu seis meses antes de Jesus Cristo é uma convenção litúrgica para expressar que ele preparou o caminho de Jesus. Da mesma forma, não há evidências da sua idade, à morte, apenas uma estimativa de que tenha vivido em torno de 30 anos.
"O primo de Jesus provavelmente tinha entre 30 e 33 anos, mas essa questão cronológica é de menos. O que importa foi a sua missão, vinculada à missão de Jesus", argumenta padre Fabiano.
João Batista foi um pregador, que teve uma morte violenta por ter recriminado o rei Herodes pelo relacionamento com sua cunhada Herodíades. Salomé, filha de Herodíades (e, possivelmente, de Herodes) pediu a cabeça de João Batista em uma bandeja, ato que o rei concordou.
Não é à toa que João Batista seja o santo mais celebrado nas festas juninas. Por trás disso, é bem provável que esteja o fato de sua vida estar diretamente associada à de Jesus Cristo em muitos momentos e ser apresentada em várias partes da Bíblia.
Padre Fabiano revela que, dos quatro santos mais venerados no mundo, dentro do catolicismo, São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus, São João Batista, são citados nas sagradas escrituras. Os outros dois, São Francisco de Assis e Santo Antônio, integram a ordem franciscana.
Afinal, São João era velho?
De acordo com o professor Bruno Kloss Hypólito, "na cultura hebraica/judaica, uma pessoa por volta dos 30 anos já era considerada madura e experiente".
"Isabel, a mãe de João Batista, engravidou aos 30 anos e, por ser vista como velha naquele contexto, sua gravidez foi considerada um milagre", lembra. O mais "comum" na tradição antiga era ser considerado adulto por volta dos 13 anos.
Por isso, para os padrões da época, São João Batista foi morto em uma idade considerada de maturidade, o que não significa que não existisse quem chegasse aos 70 anos ou mais.
"Essa questão da idade, para a cultura hebraica, é um pouco nebulosa. No Antigo Testamento, são encontradas passagens em que anciões viveram mais de 200 ou 300 anos. A contagem de dias, meses e anos também não pode ser equiparada ao nosso calendário, pois os hebreus possuíam sua própria forma de registro da passagem de tempo", finaliza o professor Hypólito.
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