Como colocaram o Cristo no Corcovado? Monumento é símbolo de engenhosidade
Colaboração para Nossa
27/06/2024 04h45
É difícil pensar em Rio de Janeiro e não lembrar, imediatamente, da imagem do Cristo Redentor no topo do Corcovado. Mas o que muita gente desconhece — ou subestima — é como sua imponente presença reflete não apenas a fé que motivou a construção, mas também a engenhosidade arquitetônica envolvida na instalação de uma escultura de 38 metros de altura em uma montanha de 710 metros de altitude há cerca de 100 anos.
Mas, afinal, como nasceu a ideia do monumento que resistiu ao tempo e aos elementos?
A gênese do Redentor
Segundo a própria Arquidiocese do Rio de Janeiro, que administra o Santuário do Cristo Redentor, a ideia do projeto nasceu ainda durante o Segundo Império. Em 1859, o padre Pierre-Marie Boss, capelão da Igreja do Colégio da Imaculada Conceição na Praia de Botafogo, teria vislumbrado a possibilidade de um monumento religioso sobre o Corcovado — que costumava admirar da sua janela.
Boss teria sugerido a ideia à Princesa Isabel, que era muito católica e teria dado seu apoio à obra que também a homenagearia, de acordo com a Encyclopaedia Britannica. Apesar disso, o projeto nunca foi para frente. Em 1921, com o centenário da Independência do Brasil se aproximando, o Círculo Católico se reuniu para tentar tirar do papel a ideia do padre Boss — que ainda considerou o Morro de Santo Antônio e o Pão de Açúcar como opções para a localização do santuário.
Foi iniciada então uma competição entre projetos de diferentes arquitetos para a paisagem do Rio. Em fevereiro de 1922, Heitor da Silva Costa saiu vencedor com uma enorme estátua de Jesus de braços abertos sobre a Cidade Maravilhosa.
À CNN americana, o arquiteto Paulo Vidal, superintendente do Rio do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), explicou que o cartão postal capaz de resistir a ventos e chuvas em altitude é um milagre de engenharia, por assim dizer.
"A engenharia civil no Brasil sempre esteve na vanguarda do mundo, especialmente na construção de [estruturas] de concreto reforçado", opinou. Apesar de parecer uma enorme rocha esculpida, o Cristo é, na verdade, um prédio de concreto armado coberto por pedra-sabão. "O grande desafio era conceber um projeto que fosse capaz de suportar as condições meteorológicas", já que o pico do Corcovado "é exposto a condições atmosféricas muito agressivas".
Por isso, desde o início, o desafio não era apenas erguer o Cristo — mas construir uma estrutura cuja manutenção fosse possível. "[Ele] foi cuidadosamente desenhado para resistir aos elementos e ao teste do tempo como símbolo da engenhosidade humana e da devoção", acredita.
O significado do Cristo
O projeto original de Heitor da Silva Costa tinha como proposta tirar um mundo pós-Primeira Guerra de seu "mar da ausência de Deus", ainda segundo a reportagem da rede dos EUA, com a instalação da estátua de Jesus Cristo sobre o Rio de Janeiro, visível de qualquer lugar da cidade — uma representação da onipresença cristã.
Jesus também deveria ser iluminado pelo sol no amanhecer e entardecer, um fenômeno visto até hoje com o halo rosado que se forma sobre o Cristo, e que teria o levado a aperfeiçoar o design inicial do seu projeto que retratava o Redentor ainda no Calvário carregando sua cruz e um globo terrestre em uma das mãos.
A figura foi trocada com a ajuda do artista Carlos Oswald, que levou o monumento a curvas menos rebuscadas e mais modernistas. O escultor franco-polonês Paul Landowski, outro nome que colaborou para o visual que conhecemos hoje, simplificou ainda mais o formato dando a ele o estilo Art Déco que era moda na época ? até hoje, o Cristo Redentor é a maior estátua Art Déco do mundo.
Seu rosto, por fim, ainda é assinado pelo romeno Gheorghe Leonida. Todo o revestimento foi montado como um mosaico, com pedras-sabão de 3,8 cm x 0,5 cm trazidas de Minas Gerais para cobrir a superfície do corpo em cimento, explicou a arquiteta Márcia Braga, responsável pela restauração de 2010 à CNN americana.
Há cerca de 6 milhões de azulejos de pedra-sabão no Cristo, inclusive no seu interior, onde hoje é possível ver o Sagrado Coração de Jesus. Foram necessários cinco anos para completar os trabalhos do monumento ? de 1926 a 1931, quando foi inaugurado em 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.
Reconhecimento e resistência
É natural que o Cristo represente tanto para aqueles que partilham da fé que motivou sua construção. Em 1980, o então papa João Paulo 2º (reconhecido hoje pela Igreja como São João Paulo 2º) visitou o Brasil e, emocionado aos pés do Redentor, soltou a famosa frase. "Se Deus é brasileiro, o papa é carioca". Na época, 89% da população do país se declarava católica, de acordo com dados do Censo daquele ano.
Mas para além da convicção religiosa, a estátua se tornou um símbolo cultural da cidade. "Da janela vê-se o Corcovado e o Redentor, que lindo", canta Tom Jobim na canção de 1960 que leva o nome do morro. Cerca de 52 anos depois, em 2012, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconheceu o cartão postal como Patrimônio da Humanidade.
Francesco Perotta-Bosch, biógrafo da arquiteta Lina Bo Bardi (responsável pelo MASP, o Museu de Arte de São Paulo), classifica o Corcovado como o "marco mais democrático da cidade do Rio" e o Cristo seria o responsável por unir bairros mais ricos e mais pobres. "Cariocas podem observá-lo da Zona Norte ou Zona Sul e se encontrar dentro da cidade". Ele também serve como bússola para visitantes — são cerca de 2 milhões por ano.
Por isso, todo esforço é válido para mantê-lo de pé mesmo com a luz solar encolhendo e expandindo sua estrutura todos os dias, além de ventos erodindo o material com sal e areia. Outros desafios se impõem: grande número de raios ? que motivaram especialistas a aumentarem o número de para-raios instalados dentro do Cristo nos últimos anos. Em 2021, esta "coroa" já era quatro vezes maior do que originalmente.
Ainda é complexo encontrar pedras-sabão no exato tom daquelas colocadas há quase um século e livrar o Cristo de esporos de fungos e bactérias da Mata Atlântica. Durante os esforços de restauração, os profissionais entram e saem por cinco "buracos" cobertos em sua superfície: um no topo e outros quatro nos ombros e cotovelos. Outras 14 aberturas menores ajudam com a circulação de ar.
"Dentro da estátua, você sente como se estivesse totalmente protegido do tempo e do ambiente. Há silêncio — é uma estrutura muito forte e, quando você está escalando até a cabeça, os espaços para cruzar são bastante estreitos. Quando você finalmente chega ao topo, é uma maravilhosa sensação de liberdade", se encantou até mesmo a arquiteta Márcia Braga. Nesta matéria, Nossa mostrou como é entrar dentro do Cristo.
Além disso, em 2006, o local deixou de abrigar "apenas" a estrutura e foi elevado à categoria de Santuário Arquidiocesano com a inauguração da Capela de Nossa Senhora Aparecida aos seus pés. Por isso, hoje é possível não apenas visitar o cartão postal, mas realizar batizados, casamentos, missas e outros eventos de ordem religiosa e cultural por lá.
"Que apropriado para o descontraído e multicultural Brasil que uma escultura construída como símbolo de uma religião acabou representando a atmosfera acolhedora do país inteiro. Talvez este seja o milagre final do Cristo Redentor", considerou a CNN. Para quem concorda ou discorda, a notícia é a mesma: ao que tudo indica, o monumento segue firme e forte na paisagem e no imaginário de quem passa pelo Rio de Janeiro.
Mais informações para visitar: santuariocristoredentor.com.br.