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Como colocaram o Cristo no Corcovado? Monumento é símbolo de engenhosidade

Cristo Redentor, Rio de Janeiro Imagem: ckturistando/Unsplash

Colaboração para Nossa

27/06/2024 04h45

É difícil pensar em Rio de Janeiro e não lembrar, imediatamente, da imagem do Cristo Redentor no topo do Corcovado. Mas o que muita gente desconhece — ou subestima — é como sua imponente presença reflete não apenas a fé que motivou a construção, mas também a engenhosidade arquitetônica envolvida na instalação de uma escultura de 38 metros de altura em uma montanha de 710 metros de altitude há cerca de 100 anos.

Mas, afinal, como nasceu a ideia do monumento que resistiu ao tempo e aos elementos?

Missa de Inauguração do Cristo Redentor, que aconteceu no Estádio das Laranjeiras, sede do Fluminense, em 1931 Imagem: Reprodução site oficial Fluminense

A gênese do Redentor

Segundo a própria Arquidiocese do Rio de Janeiro, que administra o Santuário do Cristo Redentor, a ideia do projeto nasceu ainda durante o Segundo Império. Em 1859, o padre Pierre-Marie Boss, capelão da Igreja do Colégio da Imaculada Conceição na Praia de Botafogo, teria vislumbrado a possibilidade de um monumento religioso sobre o Corcovado — que costumava admirar da sua janela.

Boss teria sugerido a ideia à Princesa Isabel, que era muito católica e teria dado seu apoio à obra que também a homenagearia, de acordo com a Encyclopaedia Britannica. Apesar disso, o projeto nunca foi para frente. Em 1921, com o centenário da Independência do Brasil se aproximando, o Círculo Católico se reuniu para tentar tirar do papel a ideia do padre Boss — que ainda considerou o Morro de Santo Antônio e o Pão de Açúcar como opções para a localização do santuário.

Vista aérea do Rio de Janeiro com o Cristo Redentor (à esquerda), Corcovado, Botafogo, Flamengo e centro em destaque, além do Pão de Açúcar Imagem: microgen/Getty Images/iStockphoto

Foi iniciada então uma competição entre projetos de diferentes arquitetos para a paisagem do Rio. Em fevereiro de 1922, Heitor da Silva Costa saiu vencedor com uma enorme estátua de Jesus de braços abertos sobre a Cidade Maravilhosa.

À CNN americana, o arquiteto Paulo Vidal, superintendente do Rio do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), explicou que o cartão postal capaz de resistir a ventos e chuvas em altitude é um milagre de engenharia, por assim dizer.

"A engenharia civil no Brasil sempre esteve na vanguarda do mundo, especialmente na construção de [estruturas] de concreto reforçado", opinou. Apesar de parecer uma enorme rocha esculpida, o Cristo é, na verdade, um prédio de concreto armado coberto por pedra-sabão. "O grande desafio era conceber um projeto que fosse capaz de suportar as condições meteorológicas", já que o pico do Corcovado "é exposto a condições atmosféricas muito agressivas".

Aberturas permitem a circulação de ar e de pessoas para esforços de restauração da obra Imagem: Carl de Souza/AFP

Por isso, desde o início, o desafio não era apenas erguer o Cristo — mas construir uma estrutura cuja manutenção fosse possível. "[Ele] foi cuidadosamente desenhado para resistir aos elementos e ao teste do tempo como símbolo da engenhosidade humana e da devoção", acredita.

O significado do Cristo

O projeto original de Heitor da Silva Costa tinha como proposta tirar um mundo pós-Primeira Guerra de seu "mar da ausência de Deus", ainda segundo a reportagem da rede dos EUA, com a instalação da estátua de Jesus Cristo sobre o Rio de Janeiro, visível de qualquer lugar da cidade — uma representação da onipresença cristã.

Jesus também deveria ser iluminado pelo sol no amanhecer e entardecer, um fenômeno visto até hoje com o halo rosado que se forma sobre o Cristo, e que teria o levado a aperfeiçoar o design inicial do seu projeto que retratava o Redentor ainda no Calvário carregando sua cruz e um globo terrestre em uma das mãos.

Ato pela paz foi organizado no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 2017: Monumento acolhe também demandas da população e dos turistas Imagem: Anderson Borde e Walace Barbosa/AgNews

A figura foi trocada com a ajuda do artista Carlos Oswald, que levou o monumento a curvas menos rebuscadas e mais modernistas. O escultor franco-polonês Paul Landowski, outro nome que colaborou para o visual que conhecemos hoje, simplificou ainda mais o formato dando a ele o estilo Art Déco que era moda na época ? até hoje, o Cristo Redentor é a maior estátua Art Déco do mundo.

Seu rosto, por fim, ainda é assinado pelo romeno Gheorghe Leonida. Todo o revestimento foi montado como um mosaico, com pedras-sabão de 3,8 cm x 0,5 cm trazidas de Minas Gerais para cobrir a superfície do corpo em cimento, explicou a arquiteta Márcia Braga, responsável pela restauração de 2010 à CNN americana.

De dentro, é possível ver o coração do Cristo, revestido de pedra-sabão Imagem: Reprodução/YouTube

Há cerca de 6 milhões de azulejos de pedra-sabão no Cristo, inclusive no seu interior, onde hoje é possível ver o Sagrado Coração de Jesus. Foram necessários cinco anos para completar os trabalhos do monumento ? de 1926 a 1931, quando foi inaugurado em 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.

Reconhecimento e resistência

É natural que o Cristo represente tanto para aqueles que partilham da fé que motivou sua construção. Em 1980, o então papa João Paulo 2º (reconhecido hoje pela Igreja como São João Paulo 2º) visitou o Brasil e, emocionado aos pés do Redentor, soltou a famosa frase. "Se Deus é brasileiro, o papa é carioca". Na época, 89% da população do país se declarava católica, de acordo com dados do Censo daquele ano.

Mas para além da convicção religiosa, a estátua se tornou um símbolo cultural da cidade. "Da janela vê-se o Corcovado e o Redentor, que lindo", canta Tom Jobim na canção de 1960 que leva o nome do morro. Cerca de 52 anos depois, em 2012, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconheceu o cartão postal como Patrimônio da Humanidade.

Foto capturou momento em que raio atingiu Cristo Redentor no Rio de Janeiro em 2023 Imagem: MAURO PIMENTEL / AFP

Francesco Perotta-Bosch, biógrafo da arquiteta Lina Bo Bardi (responsável pelo MASP, o Museu de Arte de São Paulo), classifica o Corcovado como o "marco mais democrático da cidade do Rio" e o Cristo seria o responsável por unir bairros mais ricos e mais pobres. "Cariocas podem observá-lo da Zona Norte ou Zona Sul e se encontrar dentro da cidade". Ele também serve como bússola para visitantes — são cerca de 2 milhões por ano.

Por isso, todo esforço é válido para mantê-lo de pé mesmo com a luz solar encolhendo e expandindo sua estrutura todos os dias, além de ventos erodindo o material com sal e areia. Outros desafios se impõem: grande número de raios ? que motivaram especialistas a aumentarem o número de para-raios instalados dentro do Cristo nos últimos anos. Em 2021, esta "coroa" já era quatro vezes maior do que originalmente.

O percurso de escadarias que leva à Capela de Nossa Senhora Aparecida e aos pés do Cristo Redentor ainda atrai fiéis em peregrinação Imagem: Getty Images

Ainda é complexo encontrar pedras-sabão no exato tom daquelas colocadas há quase um século e livrar o Cristo de esporos de fungos e bactérias da Mata Atlântica. Durante os esforços de restauração, os profissionais entram e saem por cinco "buracos" cobertos em sua superfície: um no topo e outros quatro nos ombros e cotovelos. Outras 14 aberturas menores ajudam com a circulação de ar.

"Dentro da estátua, você sente como se estivesse totalmente protegido do tempo e do ambiente. Há silêncio — é uma estrutura muito forte e, quando você está escalando até a cabeça, os espaços para cruzar são bastante estreitos. Quando você finalmente chega ao topo, é uma maravilhosa sensação de liberdade", se encantou até mesmo a arquiteta Márcia Braga. Nesta matéria, Nossa mostrou como é entrar dentro do Cristo.

Famosos como o DJ Alok já se casaram no Cristo Redentor Imagem: Reprodução/Instagram

Além disso, em 2006, o local deixou de abrigar "apenas" a estrutura e foi elevado à categoria de Santuário Arquidiocesano com a inauguração da Capela de Nossa Senhora Aparecida aos seus pés. Por isso, hoje é possível não apenas visitar o cartão postal, mas realizar batizados, casamentos, missas e outros eventos de ordem religiosa e cultural por lá.

"Que apropriado para o descontraído e multicultural Brasil que uma escultura construída como símbolo de uma religião acabou representando a atmosfera acolhedora do país inteiro. Talvez este seja o milagre final do Cristo Redentor", considerou a CNN. Para quem concorda ou discorda, a notícia é a mesma: ao que tudo indica, o monumento segue firme e forte na paisagem e no imaginário de quem passa pelo Rio de Janeiro.

Mais informações para visitar: santuariocristoredentor.com.br.

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