Como colocaram o Cristo no Corcovado? Monumento é símbolo de engenhosidade

É difícil pensar em Rio de Janeiro e não lembrar, imediatamente, da imagem do Cristo Redentor no topo do Corcovado. Mas o que muita gente desconhece — ou subestima — é como sua imponente presença reflete não apenas a fé que motivou a construção, mas também a engenhosidade arquitetônica envolvida na instalação de uma escultura de 38 metros de altura em uma montanha de 710 metros de altitude há cerca de 100 anos.

Mas, afinal, como nasceu a ideia do monumento que resistiu ao tempo e aos elementos?

Missa de Inauguração do Cristo Redentor, que aconteceu no Estádio das Laranjeiras, sede do Fluminense, em 1931
Missa de Inauguração do Cristo Redentor, que aconteceu no Estádio das Laranjeiras, sede do Fluminense, em 1931 Imagem: Reprodução site oficial Fluminense

A gênese do Redentor

Segundo a própria Arquidiocese do Rio de Janeiro, que administra o Santuário do Cristo Redentor, a ideia do projeto nasceu ainda durante o Segundo Império. Em 1859, o padre Pierre-Marie Boss, capelão da Igreja do Colégio da Imaculada Conceição na Praia de Botafogo, teria vislumbrado a possibilidade de um monumento religioso sobre o Corcovado — que costumava admirar da sua janela.

Boss teria sugerido a ideia à Princesa Isabel, que era muito católica e teria dado seu apoio à obra que também a homenagearia, de acordo com a Encyclopaedia Britannica. Apesar disso, o projeto nunca foi para frente. Em 1921, com o centenário da Independência do Brasil se aproximando, o Círculo Católico se reuniu para tentar tirar do papel a ideia do padre Boss — que ainda considerou o Morro de Santo Antônio e o Pão de Açúcar como opções para a localização do santuário.

Vista aérea do Rio de Janeiro com o Cristo Redentor (à esquerda), Corcovado, Botafogo, Flamengo e centro em destaque, além do Pão de Açúcar
Vista aérea do Rio de Janeiro com o Cristo Redentor (à esquerda), Corcovado, Botafogo, Flamengo e centro em destaque, além do Pão de Açúcar Imagem: microgen/Getty Images/iStockphoto

Foi iniciada então uma competição entre projetos de diferentes arquitetos para a paisagem do Rio. Em fevereiro de 1922, Heitor da Silva Costa saiu vencedor com uma enorme estátua de Jesus de braços abertos sobre a Cidade Maravilhosa.

À CNN americana, o arquiteto Paulo Vidal, superintendente do Rio do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), explicou que o cartão postal capaz de resistir a ventos e chuvas em altitude é um milagre de engenharia, por assim dizer.

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"A engenharia civil no Brasil sempre esteve na vanguarda do mundo, especialmente na construção de [estruturas] de concreto reforçado", opinou. Apesar de parecer uma enorme rocha esculpida, o Cristo é, na verdade, um prédio de concreto armado coberto por pedra-sabão. "O grande desafio era conceber um projeto que fosse capaz de suportar as condições meteorológicas", já que o pico do Corcovado "é exposto a condições atmosféricas muito agressivas".

Aberturas permitem a circulação de ar e de pessoas para esforços de restauração da obra
Aberturas permitem a circulação de ar e de pessoas para esforços de restauração da obra Imagem: Carl de Souza/AFP

Por isso, desde o início, o desafio não era apenas erguer o Cristo — mas construir uma estrutura cuja manutenção fosse possível. "[Ele] foi cuidadosamente desenhado para resistir aos elementos e ao teste do tempo como símbolo da engenhosidade humana e da devoção", acredita.

O significado do Cristo

O projeto original de Heitor da Silva Costa tinha como proposta tirar um mundo pós-Primeira Guerra de seu "mar da ausência de Deus", ainda segundo a reportagem da rede dos EUA, com a instalação da estátua de Jesus Cristo sobre o Rio de Janeiro, visível de qualquer lugar da cidade — uma representação da onipresença cristã.

Jesus também deveria ser iluminado pelo sol no amanhecer e entardecer, um fenômeno visto até hoje com o halo rosado que se forma sobre o Cristo, e que teria o levado a aperfeiçoar o design inicial do seu projeto que retratava o Redentor ainda no Calvário carregando sua cruz e um globo terrestre em uma das mãos.

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Ato pela paz foi organizado no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 2017: Monumento acolhe também demandas da população e dos turistas
Ato pela paz foi organizado no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 2017: Monumento acolhe também demandas da população e dos turistas Imagem: Anderson Borde e Walace Barbosa/AgNews

A figura foi trocada com a ajuda do artista Carlos Oswald, que levou o monumento a curvas menos rebuscadas e mais modernistas. O escultor franco-polonês Paul Landowski, outro nome que colaborou para o visual que conhecemos hoje, simplificou ainda mais o formato dando a ele o estilo Art Déco que era moda na época ? até hoje, o Cristo Redentor é a maior estátua Art Déco do mundo.

Seu rosto, por fim, ainda é assinado pelo romeno Gheorghe Leonida. Todo o revestimento foi montado como um mosaico, com pedras-sabão de 3,8 cm x 0,5 cm trazidas de Minas Gerais para cobrir a superfície do corpo em cimento, explicou a arquiteta Márcia Braga, responsável pela restauração de 2010 à CNN americana.

De dentro, é possível ver o coração do Cristo, revestido de pedra-sabão
De dentro, é possível ver o coração do Cristo, revestido de pedra-sabão Imagem: Reprodução/YouTube

Há cerca de 6 milhões de azulejos de pedra-sabão no Cristo, inclusive no seu interior, onde hoje é possível ver o Sagrado Coração de Jesus. Foram necessários cinco anos para completar os trabalhos do monumento ? de 1926 a 1931, quando foi inaugurado em 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.

Reconhecimento e resistência

É natural que o Cristo represente tanto para aqueles que partilham da fé que motivou sua construção. Em 1980, o então papa João Paulo 2º (reconhecido hoje pela Igreja como São João Paulo 2º) visitou o Brasil e, emocionado aos pés do Redentor, soltou a famosa frase. "Se Deus é brasileiro, o papa é carioca". Na época, 89% da população do país se declarava católica, de acordo com dados do Censo daquele ano.

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Mas para além da convicção religiosa, a estátua se tornou um símbolo cultural da cidade. "Da janela vê-se o Corcovado e o Redentor, que lindo", canta Tom Jobim na canção de 1960 que leva o nome do morro. Cerca de 52 anos depois, em 2012, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconheceu o cartão postal como Patrimônio da Humanidade.

Foto capturou momento em que raio atingiu Cristo Redentor no Rio de Janeiro em 2023
Foto capturou momento em que raio atingiu Cristo Redentor no Rio de Janeiro em 2023 Imagem: MAURO PIMENTEL / AFP

Francesco Perotta-Bosch, biógrafo da arquiteta Lina Bo Bardi (responsável pelo MASP, o Museu de Arte de São Paulo), classifica o Corcovado como o "marco mais democrático da cidade do Rio" e o Cristo seria o responsável por unir bairros mais ricos e mais pobres. "Cariocas podem observá-lo da Zona Norte ou Zona Sul e se encontrar dentro da cidade". Ele também serve como bússola para visitantes — são cerca de 2 milhões por ano.

Por isso, todo esforço é válido para mantê-lo de pé mesmo com a luz solar encolhendo e expandindo sua estrutura todos os dias, além de ventos erodindo o material com sal e areia. Outros desafios se impõem: grande número de raios ? que motivaram especialistas a aumentarem o número de para-raios instalados dentro do Cristo nos últimos anos. Em 2021, esta "coroa" já era quatro vezes maior do que originalmente.

O percurso de escadarias que leva à Capela de Nossa Senhora Aparecida e aos pés do Cristo Redentor ainda atrai fiéis em peregrinação
O percurso de escadarias que leva à Capela de Nossa Senhora Aparecida e aos pés do Cristo Redentor ainda atrai fiéis em peregrinação Imagem: Getty Images

Ainda é complexo encontrar pedras-sabão no exato tom daquelas colocadas há quase um século e livrar o Cristo de esporos de fungos e bactérias da Mata Atlântica. Durante os esforços de restauração, os profissionais entram e saem por cinco "buracos" cobertos em sua superfície: um no topo e outros quatro nos ombros e cotovelos. Outras 14 aberturas menores ajudam com a circulação de ar.

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"Dentro da estátua, você sente como se estivesse totalmente protegido do tempo e do ambiente. Há silêncio — é uma estrutura muito forte e, quando você está escalando até a cabeça, os espaços para cruzar são bastante estreitos. Quando você finalmente chega ao topo, é uma maravilhosa sensação de liberdade", se encantou até mesmo a arquiteta Márcia Braga. Nesta matéria, Nossa mostrou como é entrar dentro do Cristo.

Famosos como o DJ Alok já se casaram no Cristo Redentor
Famosos como o DJ Alok já se casaram no Cristo Redentor Imagem: Reprodução/Instagram

Além disso, em 2006, o local deixou de abrigar "apenas" a estrutura e foi elevado à categoria de Santuário Arquidiocesano com a inauguração da Capela de Nossa Senhora Aparecida aos seus pés. Por isso, hoje é possível não apenas visitar o cartão postal, mas realizar batizados, casamentos, missas e outros eventos de ordem religiosa e cultural por lá.

"Que apropriado para o descontraído e multicultural Brasil que uma escultura construída como símbolo de uma religião acabou representando a atmosfera acolhedora do país inteiro. Talvez este seja o milagre final do Cristo Redentor", considerou a CNN. Para quem concorda ou discorda, a notícia é a mesma: ao que tudo indica, o monumento segue firme e forte na paisagem e no imaginário de quem passa pelo Rio de Janeiro.

Mais informações para visitar: santuariocristoredentor.com.br.

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