'Vinho convencional é mulher photoshopada', diz defensora da bebida natural

No mundo do vinho, falar de naturais é polêmica certa. Há quem diga que todo vinho é natural porque é feito de uvas. Quem torça o nariz para sua extravagância de aromas e sabores. Quem questione o real comprometimento das vinícolas em abolir a intervenção química (uso de herbicidas e fungicidas, e adição de leveduras ou conservantes) no insumo e na produção. E por aí vai.

Fato é que o mercado de vinhos naturais cresce a olhos vistos em todo o mundo. Ainda que isso exija uma mudança de paradigma.

Feira Naturebas
Feira Naturebas Imagem: RODRIGO MONTINI

Fato é que o mercado de vinhos naturais cresce a olhos vistos em todo o mundo. Ainda que isso exija uma mudança de paradigma.

"O que se entende como defeito no universo do vinho convencional, às vezes, no natural, é simplesmente uma característica que o torna autêntico. O problema é que fomos educados para identificar como qualidade apenas o sabor industrial, padrão", explica a sommelière Lis Cereja, pioneira na disseminação do vinho natural no Brasil.

É como o que acontece com uma mulher linda com o nariz grande. É um defeito ou uma característica? Precisa de intervenção cirúrgica ou pode se tornar uma marca de distinção?, provoca ela, que gosta de comparar o vinho convencional a uma mulher "photoshopada, que você não sabe em que país nasceu".

O novo vinho

Acostumada às polêmicas em torno do assunto, é Lis quem está por trás da Naturebas, maior feira independente de vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos da América Latina que chega a sua 12ª edição neste fim de semana (29 e 30 de junho), no parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Criado em 2013, o evento teve sua primeira edição realizada na Enoteca Saint VinSaint, na Vila Nova Conceição. À época, eram apenas 20 produtores dispostos a apresentar suas criações a não mais do que 100 participantes.

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Feira Naturebas, em 2016
Feira Naturebas, em 2016 Imagem: Divulgação/Katiuska Sales

Números irrisórios perto dos 180 expositores de 14 países - 35 deles ainda sem representação no Brasil - que este ano ocuparão 4 mil m² no Pavilhão da Bienal com quase 3 mil rótulos produzidos sem qualquer aditivo enológico, a partir de uvas provenientes de agricultura limpa.

A expectativa é receber cerca de 2500 interessados no assunto, de sommeliers a puros amantes do vinho, que este ano terão a oportunidade de conhecer de perto o trabalho de algumas figuras icônicas do segmento.

Caso de John Wunderman, proprietário e enólogo da Pheasant's Tears, uma das mais reconhecidas vinícolas naturais da Geórgia, berço do vinho "como a gente conhece hoje", e a enóloga Elisabetta Foradori, um dos grandes nomes da agricultura biodinâmica da Itália.

Este é um mercado que está crescendo no mundo inteiro. Seja pela preocupação das pessoas com o meio ambiente e a saúde, ou simplesmente porque é um universo muito mais interessante, assim como o do pão de fermentação natural e o da cerveja artesanal, onde não há mesmice, afirma Lis.

Feira Naturebas
Feira Naturebas Imagem: RODRIGO MONTINI
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A ver o sucesso de bares de vinho como Beverino, restaurantes como Cepa e Cais, e importadoras como De la Croix, Uva Vinhos e Gavinho, dedicados exclusivamente ao assunto. Sem falar no aumento da representatividade desses rótulos nas cartas de restaurantes e portfólios de importadoras em geral.

Em defesa da autenticidade

Para entender melhor esse mercado, Nossa bate um papo com Lis Cereja.

O que é um vinho natural?

Lis Cereja: O vinho natural não é um tipo, mas um movimento de resistência à industrialização que nasceu na década de 1980, na França, pregando a volta a modos mais saudáveis e autênticos de produção. Para estar dentro do movimento é preciso trabalhar com insumos vindos de uma agricultura limpa, orgânica, biodinâmica, agroecológica, agroflorestal, natural, sem venenos, e depois vinificar sem aditivos enológicos.

Muita gente ainda torce o nariz para o vinho natural. A que se deve a rejeição?

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Lis Cereja: Somos uma geração de consumidores e sommeliers que nasceu dentro de um sistema baseado na industrialização. Muita gente só toma suco de laranja de caixinha e estranha quando começa a entender que o gosto de uma laranja é diferente da outra. Como o vinho natural acontece o mesmo. Mas é questão de adaptação.

Feira Naturebas
Feira Naturebas Imagem: Divulgação

Mas, independente do paladar, a qualidade dos vinhos já foi bastante questionada. Evoluiu?

Lis Cereja: Como o movimento do vinho natural é recente, muitos produtores aprenderam a fazer vinho natural do zero, resgatando técnicas e variedades antigas, testando, errando e evoluindo. Por isso, tivemos muitos vinhos com qualidade inferior e com defeitos, que criaram um estigma, juntamente com uma mescla da nossa não-familiarididade com vinhos mais autênticos, um padrão ensinado que busca uma perfeição que não existe e a falta de talento de alguns vinhateiros.

Dizer que o vinho é "funk" pode ser uma máscara para vinhos naturais com defeitos?

Lis Cereja: "Funk" é o vinho radical, sem pretensão de seguir um padrão, de estar numa caixinha. Mas, infelizmente, hoje em dia, muitas pessoas acabam usando esse termo para encobrir o defeito. Então, de novo, o problema não é o vinho ser natural ou não, não é usar sulfito ou não, é o talento do produtor. Fazer vinho é uma arte. Mas é preciso ser muito melhor do que um enólogo convencional para fazer vinho natural.

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Há quem rotule vinhos convencionais como naturais para vender mais?

Lis Cereja: Vinhos convencionais utilizando termos como não filtrado, de ânfora, laranja, wild fermented, ético, com mínima intervenção ou feito em escala humana levam as pessoas a pensarem que os vinhos são naturais, quando, na verdade, não querem dizer muita coisa. É um grande problema para o movimento. É tipo um "greenwashing" no mundo do vinho.

Feira Naturebas
Feira Naturebas Imagem: Divulgação

Como identificar um defeito de uma característica de autenticidade em um vinho natural?

Lis Cereja: Nossa cabeça, está muito esquematizada para aceitar um padrão artificial das coisas. Então, muitas das vezes, o que interpretamos como defeito pode não ser.

Um amigo produtor disse uma coisa que fez muito sentido: defeito é quando aquela característica do vinho encobre o terroir, o talento do vinhateiro e a safra. Se não encobre, então, provavelmente, é simplesmente uma característica que talvez você goste mais ou menos, mas não pode ser considerada defeito.

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Serviço

Feira Naturebas

Data: 29 & 30 de Junho

Horário: 11h as 13h ( profissionais) | 13h às 18h ( público geral )

A compra do seu ingresso dá direito à entrada na feira e degustação de todos os produtos expostos. São mais de 150 produtores e mais de 2000 vinhos, de cerca de 14 países diferentes para degustar, conhecer e comprar diretamente. O ingresso também dá direito à entrada na festa de encerramento da feira.

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