Vinhos orgânicos: por que é tão difícil produzir uvas sem veneno no Brasil?
Os vinhos orgânicos — produzidos com uvas sem agrotóxicos e que não recebem aditivos químicos — geralmente são mais caros que os vinhos convencionais, produzidos em escala industrial. Mas o que justifica os preços mais altos?
No podcast Vamos de Vinho desta semana, os jornalistas Vinícius Mesquita e Rodrigo Barradas recebem a sommelière Lis Cereja, dona do restaurante Enoteca Saint VinSaint, em São Paulo, para discutir a produção e o consumo dos vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos no Brasil.
Para os apresentadores e a convidada, a economia do país é uma das grandes barreiras que afasta a produção de vinhos naturais e orgânicos da larga escala no Brasil. Primeiro porque falta conhecimento técnico para cultivar a fruta sem uso de agrotóxicos; segundo, porque quem produz de forma "limpa" não recebe os mesmos incentivos de quem usa veneno.
Rodrigo Barradas afirma que "o movimento de vinhos naturais começou nas adegas muito antes de chegar às videiras", ou seja, a discussão sobre uvas sem veneno e vinhos sem aditivos nasceu há mais ou menos uma década, na etapa de produção, e não no cultivo.
Naquele momento, os produtores interessados em produzir de forma orgânica perceberam a dificuldade de comprar uvas cultivadas de forma limpa, sem agrotóxicos, para fabricar suas bebidas — especialmente em regiões que não são tradicionais de cultivo de uva, como a maior parte do Brasil.
A convidada Lis Cereja, que desde 2008 comanda a Feira Naturebas, dedicada a vinhos naturais, diz que "muitas vezes, quem gosta de vinho orgânico, especialmente as pessoas mais jovens, surfa nessa onda sem lembrar que a base do movimento é agrícola" — e é na terra que as dificuldades começam.
Produzir vinho natural não é difícil. Tem que conhecer as etapas de produção, ter algum talento para isso, claro, mas é basicamente pegar a uva, esmagar e esperar fermentar. Cultivar a uva, por outro lado, não é para amadores. Demanda muito estudo e trabalho de um ano inteiro para uma única safra ao ano
Além da falta de conhecimento técnico para a produção agrícola sem agrotóxicos, o país também sofre com a falta de incentivos públicos para o cultivo limpo. Por fim, para fazer cultivo orgânico é preciso ter terra. "E quem é que tem terra hoje no Brasil?", questiona Lis Cereja.
"Pouquíssimas pessoas no Brasil têm conhecimento de solo, microbiota e clima para fazer uma agricultura orgânica, sustentável, e de agrofloresta. Falta tempo, experiência e profissionais qualificados até para o cultivo tradicional, imagine para o cultivo orgânico", fala a convidada do videocast.
"Muitos produtores orgânicos não conseguem empréstimos em bancos porque, diferente dos produtores que usam agrotóxicos, eles não têm tanta garantia de colheita", critica Lis Cereja.
No Brasil, o veneno é garantia de colheita, e isso é um absurdo
História e geografia também não ajudam
Lis Cereja conta que história e geografia brasileiras são outros dois fatores que dificultam a produção da bebida "limpa" no país.
"As uvas vieram para o Brasil trazidas pelos portugueses; não existem registros de videiras no Brasil antes disso. E, até hoje, o que entendemos como movimento de vinho natural é estrangeiro, importado — a cultura, o cultivo, a produção".
Embora se adaptem bem ao solo basileiro, as uvas não são autóctones, ou seja, não são naturais da nossa região. Isso dificulta o cultivo no solo e no clima tropical do Brasil, especialmente em pequena escala e sem uso de tecnologia industrial, o que inclui maquinário, agrotóxicos e aditivos, por exemplo.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberO Brasil não é um país produtor de vinhos, a bebida não faz parte da nossa alimentação e ainda está restrita a uma elite. O cultivo é caro e não tem incentivo, porque a bebida representa menos de 1% do PIB", explica.
É fácil cultivar uva sem veneno e vender vinho natural barato na França. Aqui não
A solução para a produção de vinho natural no Brasil, acredita Lis Cereja, é apostar na produção da bebida à base de frutas naturais brasileiras, e não de uva.
"Talvez o grande movimento de vinho natural no Brasil não esteja ligado à uva, mas às várias frutas nativas que viram álcool", sugere. "Há registros na história de fermentados de caju, jabuticaba, mandioca, milho. Aí sim dá para produzir uma bebida barata e que pode ser cultivada sem veneno no Brasil".
Vamos de Vinho
O videocast apresentado pelos jornalistas Vinícius Mesquita e Rodrigo Barradas combina conhecimento especializado e conversas descontraídas sobre vinho. Os episódios são disponibilizados todas as quintas-feiras no Canal UOL e no Youtube de Nossa. Assista ao episódio completo desta semana no topo da página.
Deixe seu comentário