Sem estresse, nada seguro: como era viajar de avião antes do 11 de Setembro
A segunda temporada de "Friends" começou com "Aquele com a Nova Namorada do Ross". O episódio mostra Rachel (Jennifer Aniston) aguardando, ansiosamente, Ross (David Schwimmer) voltar de uma viagem.
Ela está na plataforma de desembarque, na boca do gol. Só que ele não está voltando de um passeio no interior, vindo de trem ou ônibus. Está voltando da China, de avião, e Rachel lá na frente do portão, porque era assim que os aeroportos funcionam em 1995.
Para quem nunca viajou de avião no século 20, séries e filmes estão aí para mostrar como a experiência era muito diferente de hoje em dia. Você podia chegar ao aeroporto minutos antes de voar. Não precisava tirar casacos, sapatos ou enfrentar fila atrás de fila em procedimentos de embarque e segurança.
Era possível chegar aos portões de embarque sem passagem, da mesma maneira que Rachel fez. Até mesmo um documento de identidade era tão opcional e aleatório quanto o buquê de flores que ela levava no episódio.
Nos Estados Unidos, segurança nos aeroportos não era uma prioridade. Na Europa também não era muito diferente, e não havia regras básicas comuns a todos os países da União Europeia.
Mas nos EUA era pior. Máquinas de raios X eram o único mecanismo de segurança, porém seu uso não era mandatório. Segundo um estudo sobre a segurança dos aeroportos divulgado pela publicação científica "Open Journal of Business and Management", enquanto na Europa 80% das malas passavam pelos aparelhos no fim dos anos 1990, nos EUA eram só 10%.
Foi aí que um sujeito chamado Osama bin Laden viu uma oportunidade, e o mundo mudou em uma terça-feira de setembro de 2001.
Antes do Onze de Setembro, a segurança era quase invisível, era feita para ser assim, algo de bastidores, imperceptível, explicou Jeff Price, especialista em segurança na aviação, à rádio americana NPR.
"Ela não interferia nas operações do aeroporto nem das aeronaves."
Só que os atentados terroristas de 2001, por mais inéditos que fossem em escala, organização, ousadia e trauma coletivo para a história americana, não foram inéditos em explorar as falhas da aviação no país. No auge da Guerra Fria, o país enfrentou a "era de ouro dos sequestros de avião", na definição do jornalista e escritor Brendan I. Koerner.
"Vai pra Cuba!"
Nos anos 1960, a aviação comercial era muito mais exclusiva e elitista do que em décadas mais recentes. Servir bons filés e taças de espumante era algo que acontecia até em voos curtos - e na classe econômica.
Fabricantes como a Boeing eram reverenciadas pelo pioneirismo tecnológico como as gigantes do Vale do Silício são hoje em dia. Companhias aéreas como a Pan Am tinham status de grife. Os bares e restaurantes do Aeroporto de Congonhas recebiam um público cativo, que não estava indo ou voltando de uma viagem. "Está se tornando um passeio tradicional nos domingos e feriados paulistas", dizia o jornal "O Estado de S. Paulo" em 1966.
Nos EUA, o foco dessa indústria nascente e lucrativa era agradar a endinheirada clientela. Não se pensava em segurança. Num país em convulsão social, sequestrar um avião era algo relativamente fácil e ainda servia como um ótimo palco para alguém transmitir uma mensagem, explica Koerner no livro "O Céu nos Pertence - O Maior Sequestro Aéreo de uma Época Insana" (Zahar).
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Quero receberEntre 1968 e 1972, mais de 130 aviões foram sequestrados nos céus do país. Uma média maluca de mais de um caso por quinzena. Às vezes acontecia semanas seguidas.
No princípio, a maioria dos sequestradores queria ir para Cuba. A revolução na ilha ainda era um evento recente, cercado de romantismo e expectativas entre parte da juventude americana.
Quando viram que mandar o piloto desviar a rota para Havana funcionava, teve sequestrador que passou a exigir mudanças de rota para outros países. Por fim, havia quem queria apenas dinheiro ou barras de ouro.
Sequestros de avião viraram uma epidemia porque funcionavam. As companhias aéreas muitas vezes cediam aos sequestradores, desviando o trajeto ou pagando o que exigiam. Elas não queriam investir em segurança, pois achavam que um detector de metais no aeroporto poderia ser uma chateação para seus ricos clientes ainda maior do que um eventual sequestro.
A aviação civil ainda era uma indústria incipiente. Seus líderes não queriam correr o risco de ver os passageiros optando por rodoviárias, onde não seriam tratados como suspeitos, tendo que se humilhar em filas com detectores.
Essa era a mentalidade, tão surreal aos olhos de hoje quanto os resultados que ela proporcionou. Sequestrar um avião com o intuito de levá-lo à idílica Cuba, tão misteriosa quanto próxima, se tornou tão corriqueiro que "Me leve para Cuba" virou um meme da época, explorado até pelo grupo de humor britânico "Monty Python".
Em 1968, a revista "Time" publicou uma reportagem intitulada "O que fazer quando os sequestradores chegarem". A matéria trazia informações sobre como proceder nesses casos e ainda tinha dicas para aproveitar um inesperado pernoite em Havana: "Apesar do regime de Castro, a maioria dos cubanos é realmente amigável".
Para lidar com a situação, as empresas aéreas topavam tudo, desde que não afetasse o conforto dos passageiros. Abriam enquetes para o público, e as sugestões podiam ser bizarras.
Uma, que não foi levada a sério, dizia para todos os passageiros usarem luvas de boxe no voo, assim não conseguiriam portar armas. Outra sugeriu a construção de uma réplica do Aeroporto José Martí, em Havana, no sul da Flórida. Bastava pousar lá e prender os tolos sequestradores em solo americano.
Mais impressionante do que a criatividade dessa ideia, só o fato de que, por um tempo, ela foi levada a sério.
As coisas só mudaram de figura quando os episódios ficaram mais violentos, com trocas de tiros entre sequestradores e o FBI, deixando mortos pelo caminho. Em 1972, três homens fizeram um avião de refém e o ameaçaram jogá-lo em um reator nuclear no Tennessee.
Foi a gota d'água. No ano seguinte, revistar todos os passageiros antes do embarque virou padrão. Nem tinha aparelho de raios X, era na base da inspeção manual mesmo.
Muitos temiam que o público desaprovaria, lembrou Koerner em uma entrevista ao site "Vox". Mas não. O oba-oba dos sequestros acabou, e a era de segurança nos aeroportos dava seus primeiros passos.
Só que bem devagarinho.
Na bagagem: líquidos, facas e explosivos
A sabedoria popular diz que onde há uma placa proibindo algo, é porque ali tem história. Procedimentos de segurança muitas vezes seguem essa máxima, e os aeroportos mudaram de acordo com a evolução das ameaças.
O perigo de uma catástrofe nuclear levou ao início das inspeções de passageiros. O Aeroporto de Nova Orleans foi o primeiro a instalar detectores de metal, em 1970. Mas, até 2001, as inspeções, o investimento em tecnologia e, especialmente, a paranoia estavam em um patamar muito inferior.
Raio X só começou a ser uma realidade nos aeroportos brasileiros nos anos 1990 - e olhe lá. Segundo outra reportagem do "Estadão", em Cumbica, em 1990, somente malas de mão passavam pelo aparelho, enquanto passageiros eram inspecionados no detector de metais. Malas e pacotes despachados iam direto para o bagageiro do avião, o que permitiu, por exemplo, o envio de dinamite em caixas de papelão em um voo da Vasp do Rio para Porto Velho.
Menos de um mês após o Onze de Setembro, Fernando Perrone, então presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), escreveu na "Folha de S.Paulo" que toda a segurança que existia então precisava ser repensada:
Basta lembrar o episódio de sequestro do avião da Vasp, no ano passado [16/8/2000], quando os ladrões estavam de posse de um revólver a bordo, partindo de um aeroporto com detector de metais e aparelhos de raios X.
Segundo o Relatório da Comissão do Onze de Setembro, os terroristas usaram facas e/ou lâminas de barbear para sequestrar os aviões. Provavelmente levaram essas peças no próprio corpo ou na mala de mão, e mesmo que elas fossem detectadas, não faria diferença, porque facas de até 10 centímetros eram permitidas a bordo.
"Às 8h, eles já tinham derrotado todos os níveis de segurança da aviação civil americana", informou o documento. Às 8h46, o primeiro avião atingiu as Torres Gêmeas.
Desde então, segurança se tornou uma obsessão no setor. Todas as mudanças que vieram, do ponto de vista dos passageiros quanto aos procedimentos que eles precisam seguir antes do embarque, foram respostas a ameaças pós-Onze de Setembro.
Precisa tirar os sapatos no aeroporto? Agradeça a Richard Reid, terrorista britânico que tentou detonar explosivos em sua bota em um voo de Paris para Miami, em dezembro de 2001. Ele falhou na tentativa, foi imobilizado por comissários e passageiros e acabou condenado à prisão perpétua.
Não pode embarcar com embalagens grandes de líquidos ou aerossóis? Culpa dos terroristas que, em agosto de 2006, tentaram usar explosivos líquidos em dez voos comerciais que saíram de Londres para cidades americanas e canadenses. Eles disfarçaram as bombas em garrafas de refrigerantes de 500 ml, mas o plano foi descoberto pela polícia britânica antes de entrar em ação.
Fica nervoso ao ter que passar por um scanner corporal? Não bastassem os detectores de metais, quem viaja ao exterior muitas vezes precisa encarar essa máquina em que você precisa abrir braços e pernas. Ela pode até não enxergar debaixo da roupa, mas pode ser inquietante para muita gente.
Isso começou por causa de um terrorista da Al-Qaeda (a organização fundada por Bin Laden) que embarcou em um avião que ia de Amsterdã para Detroit, no Natal de 2009, com uma bomba improvisada na cueca. Ele não conseguiu detonar o explosivo, possivelmente porque o excesso de umidade na calça estragou a mistura de produtos químicos usada.
O homem, o nigeriano Umar Abdulmutallab, apenas pegou fogo, ficou ferido e foi imobilizado por comissários e passageiros. Não houve maiores problemas no voo, e o terrorista cumpre prisão perpétua até hoje.
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