De Castro a Jagger: sob nova direção, Jaraguá já foi 'hotel das estrelas'
De passagem pela capital para a inauguração do Masp em 1968, a monarca Elizabeth 2ª foi homenageada em um dos salões do hotel onde, reza a lenda, bebericou um Dry Martini; Fidel Castro — ele mesmo —, quando hóspede, não abriu mão de seus charutos; o stone Mick Jagger bebia Tequila Sunrise, seu coquetel favorito.
Por lá também estiveram estrelas do quilate de Sophia Loren, Brigitte Bardot, Ginger Rogers, Gina Lollobrigida, Tony Curtis, Alain Delon, os ícones da música Edith Piaf, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, o magnata Henry Ford II, o cosmonauta russo Iuri Gagarin (o primeiro humano a vagar no espaço), os cineastas Federico Fellini e Erich von Stroheim, bem como estadistas históricos como o então senador Robert Kennedy e o ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Imortalizado em um mural da fama no lobby do hotel, esse dream team de celebridades é parte importante da trajetória de sete décadas, festejadas em 2024, do Jaraguá, ícone hoteleiro instalado no coração da Pauliceia, no vértice das ruas Consolação, Martins Fontes e avenida São Luiz.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, nesta segunda (1º), foi anunciado que a rede brasileira de hotéis Nacional Inn adquiriu a propriedade e assumiu a operação do empreendimento.
Jornal e luxo
Sinônimo de glamour em hospedagem quando a região central paulistana ainda era uma artéria vital, surfou sua belle époque entre os anos 50 e final dos anos 70, unanimemente apontado como o mais luxuoso hotel de então.
Aberto em 1954 sob projeto do arquiteto alemão Franz Heep, sua inauguração integrava os festejos do chamado IV Centenário, as comemorações pelos 400 anos de São Paulo, que duraram o ano todo. A cidade transpirava modernidade, e prefeitura e estado concederam benefícios fiscais a novos projetos hoteleiros que se instalassem no centro naquele ano.
O prédio foi projetado para abrigar o jornal O Estado de S.Paulo e a Rádio Eldorado, parte do mesmo grupo, ocupando os primeiros oito andares — enormes, as impressoras ficavam no térreo dado o generoso tamanho do pé-direito, projetado para esse fim. Do oitavo para cima, habitavam escritórios diversos.
Foi quando o empresário argentino (naturalizado brasileiro) José Tjurs, proto-Midas da hoteleira nacional, se interessou pelo projeto: com 22 suítes de luxo e 164 apartamentos, o futuro hotel instalou-se do nono ao 23º andar.
Derivada da língua tupi-guarani, a etimologia do termo "jaraguá" significa "senhor do vale". O que faz sentido, observada a posição geográfica (alta) do hotel em relação ao vizinho Vale do Anhangabaú.
Algumas de suas assinaturas originais continuam marcantes ainda hoje. Formado por 65 mil pastilhas coloridas, o famoso (e gigantesco) painel do pintor Di Cavalcanti (1897-1976), ainda hoje ornamentando a fachada, simboliza a conexão com as artes. Na cobertura, tombado pelo Patrimônio Histórico e ainda funcionando, o imenso relógio transformou-se em marco e ponto de referência da cidade.
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Impulsionado pela localização estratégica, o Jaraguá rapidamente ascendeu à condição de melhor hotel da cidade e a símbolo da modernidade da metrópole que surgia.
No mesmo ano da inauguração, hospedou o 1º Festival Internacional de Cinema, evento que trouxe a São Paulo inúmeros artistas famosos da época. Com o tempo, firmou-se também como ponto gastronômico - o Contrafilé com Arroz Piemontês e Batatas Coradas era o hit absoluto no restaurante. Também virou reduto da intelectualidade e da boemia, reunida no bar do nono piso - o contingente era engrossado pelo time de jornalistas do Estadão.
Em 1968, quatro anos após o golpe militar de 1964, um atentado ao prédio — certa noite, uma bomba explodiu no térreo, ferindo o porteiro — teve motivações obviamente politicas contra o jornal Estadão. Insuficiente, no entanto, para opacar o brilho do hotel, que até meados dos anos 1970 foi o epicentro de grandes personalidades em visita ou de passagem por São Paulo.
Abre e fecha
Aos poucos, no entanto, o eixo da cidade mudava. Empresas, bancos e setores corporativos e de serviços migravam para a região da avenida Paulista, então novo polo de negócios — mudança que atraiu a chegada de concorrentes de peso, de grifes internacionais de hotelaria ao hotel Maksoud Plaza. O próprio jornal Estadão já havia mudado para sede própria na zona norte, dando lugar ao finado Diário de São Paulo. Mudanças de gestão e a morte do idealizador José Tjurs também contribuíram para um futuro pouco promissor. Em 1998 o hotel fechou as portas.
Reaberto em 2004 após investimentos de 40 milhões, em outubro do mesmo ano foi incorporado pela bandeira Accor Hotels. Hoje, aos 70 anos, o Jaraguá versão 2024 direciona-se mais ao segmento de viagem de negócios e convenções. A atual operação inclui 415 apartamentos, estrutura de eventos com 3800 metros quadrados, 25 salas moduláveis, dois restaurantes, um bar e fitness center.
Em 2022, o presidente Lula estabeleceu no hotel seu QG oficial, durante o primeiro turno das eleições. E em que pese a região central atualmente demandar muita atenção de frequentadores e transeuntes, a rediviva cena cultural do entorno (o próprio hotel tem teatro com calendário anual de dramaturgia), somada às boas opções gastronômicas distando poucas quadras a pé, ainda configuram o decano da hotelaria como poção certeira de hospedagem no "centrão" paulistano.
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