Por clientela exigente e lucros, restaurantes investem em (bons) coquetéis
Daniel Salles
Colaboração para Nossa
05/07/2024 04h00
Em funcionamento desde novembro, o Alba ocupa um imponente casarão de 1903 em Botafogo, no Rio de Janeiro. Repleto de palmeiras e com direito a iluminação cenográfica, é um misto de restaurante italiano despojado e bar com um quê de balada.
As refeições são servidas em um pátio espaçoso e coberto. Sob o comando do chef Meguru Baba, a cozinha expede tapas à italiana como berinjela à parmegiana, paninis e massas chamativas — o capelletti com recheio de abóbora é incrementado com nozes tostadas e molho de gorgonzola.
Elaborados pelo bartender Tai Barbin, um dos sócios, os drinques correspondem a uma fatia considerável do faturamento, não revelado. Na média, afinal, a margem de lucro dos coquetéis da casa é de 65%, percentual bem maior que o dos pratos.
"Os drinques ajudam a aumentar o faturamento de qualquer estabelecimento e não só pela margem de lucro", diz Barbin, que também é dono do Liz Cocktails & Co, no Leblon.
No mesmo tempo que as pessoas costumam levar para beber uma taça de vinho, por exemplo, dá para tomar, tranquilamente, até três coquetéis. Dez anos atrás, no entanto, isso tudo era impensável no Brasil.
Os drinques são um diferencial e tanto, acrescenta, porque a maioria da clientela não sabe como replicá-los em casa. "De maneira geral, as pessoas só conseguem provar um bom coquetel quando se encontram em um bar que leva a coquetelaria a sério", argumenta. "Com as cervejas e os vinhos é outra história. Se o consumo for num bar ou em casa, o gosto é o mesmo".
Com fachada verde-escuro incrementada com boiseries dourados, o Liz Cocktails & Co destoa dos demais bares da rua, a fervilhante Dias Ferreira. Bem mais intimista, ele abriu as portas em 2019. A carta de drinques atual presta tributo a lendas da música, como Pixinguinha, Louis Armstrong, Elvis e Madonna. Do cardápio antigo, um dos destaques era o Lança Chamas, união de bourbon, vinho tempranillo, especiarias e limão siciliano.
Que a coquetelaria está em alta, todo mundo sabe. É o que explica a profusão de bares especializados no assunto, a exemplo do Liz Cocktails & Co e do The Liquor Store, em São Paulo, do chef Thiago Bañares, inaugurado em 2022.
Freguês feliz, caixa maior
O fenômeno se deve, em boa medida, ao interesse dos consumidores. As margens de lucro dos coqueteis, no entanto, em geral mais altas que as dos pratos, também servem de explicação.
"Se a demanda dos consumidores não existisse, quase nenhum estabelecimento apostaria na coquetelaria", acredita Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro.
Os coqueteis não estão mais restritos a endereços especializados — passaram a ser servidos tanto em restaurantes quanto em bares mais populares — porque a clientela pede.
Blower reconhece, no entanto, as vantagens dos drinques para a saúde financeira dos restaurantes e bares. "Se os clientes deixam de pedir refrigerante para tomar um coquetel sem álcool, por exemplo, ou trocam a cerveja por um gim-tônica, o faturamento aumenta", explica. "E a coquetelaria ainda ajuda os estabelecimentos a se diferenciarem por meio dos drinques autorais. No caso de cerveja ou vinho, as opções de um bar para outro são quase as mesmas".
Apostar na coquetelaria sem dominar o assunto, alerta o presidente do SindRio, pode ser um tiro no pé. "Quem não sabe precificar corretamente, levando em conta todos os custos envolvidos, pode acabar perdendo dinheiro em vez de ganhar", afirma. "Servir drinques malfeitos, por outro lado, pode se traduzir em clientes a menos".
Em tempo: um dos cursos oferecidos pelo SindRio é voltado para bartenders e há outro sobre mixologia.
Drinques cinco estrelas
O domínio técnico faz toda a diferença nesse segmento. Pegue de exemplo o Kakau, um dos drinques servidos no Exímia, recém-inaugurado no Itaim, em São Paulo. O preparo dele começa com o de um Negroni e o de um Boulevardier. Ambos são incrementados com chocolate com 70% de teor de cacau e despejados, em seguida, em um recipiente fechado a vácuo para o cozimento, por uma hora, pelo método sous vide.
Depois, tanto o Negroni quanto o Boulevardier são mantidos no freezer por 24 horas. E ainda tem a filtragem dos dois drinques, a mistura deles em um só e a adição de chá de rooibos e de bitter de laranja.
Quem comanda o Exímia é Márcio Silva, um dos bartenders mais renomados do país. Sócio da novidade, ele foi um dos apresentadores das três temporadas do reality show "Bar Aberto", criado pela Pernod Ricard e destinado a bartenders amadores. Em 2009, ajudou a CiaTC, dona do Pirajá e da Bráz, entre outras redes, a abrir o SubAstor, um marco na coquetelaria do país — Silva comandou o endereço por três anos.
Inaugurado em 2019, o Canastra Rosé, em Botafogo, deve muito aos drinques, que correspondem a quase 50% do faturamento.
Coquetéis mais amargos, como o Negroni, não saturam o estômago e por isso são os mais indicados para o menu de restaurantes, ensina o francês Vassia Tolstoi, um dos sócios.
Daí os drinques mais adocicados que a bartender Thianny Estevam criou para o empreendimento, onde a clientela vai mais para beber e dançar do que para jantar.
O Asian Sour, por exemplo, junta bourbon, purê de tamarindo com morango e maçã, xarope de flor de sabugueiro e limão siciliano. O King Kong leva rum com infusão de banana passa, purê de abacaxi e limão siciliano. Os donos do Canastra Rosé são os mesmos da Tratoria Canastra, no Leme, e da Pizza Canastra, em Ipanema.
"A atenção que damos para a coquetelaria, hoje em dia, é igual à que direcionamos para a cozinha", diz a chef Andréa Tinoco, uma das sócias do Pato com Laranja.
Os consumidores estão dispostos a pagar o que cobramos pelos drinques, mas estão cada vez mais exigentes.
Um dos hits entre os coquetéis é o Duck Me I'm Famous, que junta gim, gergelim e chá verde. Um dos mais caros é o Negroni envelhecido. Custa R$ 90. "A margem de lucro dos drinques acaba compensando a dos pratos, que é menor", diz a chef.
O restaurante surgiu em 1993, no centro do Rio de Janeiro. Depois de um longo hiato, reabriu em 2018 em Ipanema. Hoje, além da unidade neste bairro há outras duas no Leblon — uma na Praia e outra na Rua Dias Ferreira.
Fã de coquetéis, Andréa costuma incentivar todos os clientes a abrirem os trabalhos com um drinque. Para aqueles que vão decididos a tomar vinho e não querem misturar uma coisa com a outra, ela não pensa duas vezes: sugere um coquetel à base de espumante.