Paola Carosella: 'Tô cansada da pressão por surpreender o tempo todo'
Paola Carosella está, finalmente, em casa. Após 16 anos de história, o Arturito mudou de lugar saiu do agitado Pinheiros para uma rua quase escondida no Jardim Paulista. A luminosidade natural do dia e a iluminação charmosa da noite revelam um ambiente de conforto - para comensais e funcionários.
É um salão mais sério, com lugar para sentar bem e não numa cadeira bamba, ela descreve.
Em entrevista a Nossa, Paola relembra o sucesso do seu primeiro restaurante, o Julia Cocina, mas que "era muito apertado e barulhento". Já sobre o antigo Arturito, que nasceu e cresceu entre sociedades, urgências financeiras e sobreviveu a uma pandemia, muitas coisas a desagradavam ("escolhas que não eram minhas").
"O novo Arturito é uma possibilidade de recomeço. Estou mais segura com o que quero fazer e oferecer. Acho que uma casa com esse tempo de história pode envelhecer".
Nova casa, nova fase
A palavra que define esse momento é maturidade: a minha pessoal e como dona de restaurante. Do ambiente ao cardápio, diz.
Aos 51 anos (23 deles no Brasil), Paola passou por momentos de experimentação, dúvida, de fazer muitas coisas, de decantar e até de copiar e por essas transições e evoluções - e trabalhos e passagens que surgem na vida - não se define mais como chef de cozinha, mas a dona de restaurante.
"Quis muito ser cozinheira, e era muito cozinheira como braço direito de Francis [Mallmann] e outros. Minha transição para chef foi lenta, porque não conseguia me desprender desse papel", conta.
No Arturito, essa transmutação de mão na massa para líder também acontecia aos poucos - e não totalmente. "Cozinhei muito no Arturito. Me entreguei por inteira trabalhando 20 horas por dia. Desde o pão até os últimos detalhes à noite. Nunca fui chef-executiva e não sei como isso funciona", relembra.
Como dona de restaurante, mais tempos e aprendizados. "Entendi que pra mim era muito importante cuidar de todos os detalhes". A lista é extensa: do serviço de vinhos ao bar. Das toalhas das mesas à playlist. Das flores aos uniformes.
E a cozinha? "Continuo sendo quem assina e escolhe as coisas que vão no cardápio. Não tenho um chef. Talvez em algum momento. Porque você precisa falar um tchau também. Não dá para ser tudo."
Diante de tudo isso, Paola admite que já se pegou questionando "por que faço tudo isso?" e que já pensou em não ter um restaurante.
Mas não seriamente. Porque, meu Deus do céu, eu amo, confessa.
Se muitos chefs correm atrás do que há de mais moderno, inovador e inédito em seus pratos, Paola decidiu revisitar clássicos, "ainda que um pouco démodé".
Do cocktail de camarão à salada Waldorf, Paola rememora o que via nos cardápios dos restaurantes quando começou na cozinha, em 1989, na Argentina.
Para ela, é o que combina com o estilo do novo Arturito: trazer algo atemporal, que é a comida gostosa e ponto. Sem surpresas.
Queria um restaurante que trouxesse um pouco de calma, nem tanta informação, meio que flutuando em vários tempos. Tô um pouco cansada da modernidade, da pressão por ter que surpreender o tempo todo. A minha intenção agora é essa e eu acho que tem a ver com maturidade, constância e qualidade, defende.
Foco em gente
De fora, já se vê a vibrante cozinha, também visível a quem se senta no comprido salão. Lá, jovens cozinheiros fazem um balé non stop, mas longe da tensão encrustada no imaginário - e na realidade, em muitos casos - de uma cozinha profissional.
Mas os olhos de Paola estão para além dos limites de lá.
"Falamos muito de chef, de cozinheiros, mas não falamos de maîtres, chefes de sala, barmen", crava.
E é este seu grande foco no momento: formar a equipe que gostaria de ter, do mesmo jeito que foi com seus cozinheiros. A maioria destes, aliás, está há mais de 10 anos com Paola.
O serviço do salão, o percurso do prato e a experiência total do cliente hoje empolgam a profissional, que já caminha há 33 anos neste mercado. Mas tudo tem sabor de desafio, ainda mais no Brasil.
É complexo porque serviço flerta com serviçal com a história que o Brasil tem. Então ao mesmo tempo que você forma as pessoas que trabalham com você, você tem que formar os clientes também, admite.
Ao ser questionada o que seria um serviço perfeito, Paola até chega a traçar o que "dá certo", mas lembra que de nada adianta funcionar para o restaurante, mas não para o comensal.
Expectativas e temperatura no comer bem são um baile com dois dançarinos, afinal. Mas no Brasil às vezes parece mais um campo de batalha, como surpreendeu Paola, lá em 2001, ao chegar no Brasil.
"Fiquei um pouquinho surpresa do tratamento que os clientes davam para o pessoal de serviço. Um estava acima e o outro estava embaixo", relembra.
Ao longo dos anos, Paola acredita que as coisas começam a mudar, ainda que em níveis insuficientes, por uma postura dos novos chefs.
"Lá em 2007, 2008, começaram a surgir muitos restaurantes, pequenos, com propostas mais informais de serviço, que abriram a gastronomia para muita mais gente. Criou-se um novo público, levou mais cultura gastronômica e informação para muita mais gente e deixou de ser aquele reduto, exclusivo e caríssimo para algumas pessoas", analisa.
Paola também vê o ofício da cozinha mais evoluído: "Há muitas maneiras de ser chefe de cozinha, sem necessariamente liderar uma brigada enorme de um grande restaurante", analisa.
O trabalho é, sim, árduo, mas não precisa ser pesado e muito menos tóxico, segundo ela.
Eu nunca trabalhei em cozinhas com bronca. Quando trabalhei, fui embora. Sempre busquei lugares que tivessem alguma coisa pra me ensinar, mas que, ao mesmo tempo, tivesse um ambiente agradável por mais que eu trabalhasse milhares de horas, lembra.
Do MasterChef ao Alma
Na comunidade gastronômica, Paola já era um "nomão" desde que chegou, mas foi o MasterChef Brasil que a fez chegar a um público enorme, popular e completamente diferente do que frequentava seu restaurante.
Antes do casting e convite a ser uma das juradas do reality, ao lado de Henrique Fogaça e Érick Jacquin, Paola nunca tinha assistido às edições de fora, nem sabia do que se tratava
Foi uma coisa que eu aprendi a fazer... fazendo. E demorou pelo menos umas duas temporadas para me acostumar. Fui encontrando a personagem, no começo mais rígida, mas me apropriando um pouco mais do espaço e mexendo no roteiro, conta.
Após quase sete anos, Paola saiu em 2021. "Já tinha dado tudo o que eu tinha para dar. E eu preciso me colocar em situações novas, para que sejam desafiantes, para eu poder aprender coisas novas".
Será que ela volta? Categoricamente, ela responde: "não, porque eu já fiz isso".
A herança de sua participação no programa, no entanto, perdura. "Todo mundo com quem eu encontro na rua me fala 'eu assisto teu programa, eu adoro' e eu sei que não é o Alma", afirma se referindo ao "Alma de Casa", desde 2023 transmitido pelo GNT.
"A Ana diz que a câmera gosta de mim", lembra o incentivo da amiga e apresentadora do MasterChef Ana Paula Padrão. Uma certeza comprovada com o sucesso de seu canal no YouTube, o "Nossa Cozinha", que já soma mais 2,6 milhões de seguidores.
Poderosas e ferozes redes
E por falar em seguidores, Paola também tem uma legião deles entre Instagram (5,3 milhões) e X (1,7 milhões). Mas com os fãs inevitavelmente surgiram também os haters.
Há coisas com que ainda não me acostumei muito, como o impacto das coisas que eu falo, por exemplo. Muitas fake news ainda me doem muito. Então quando você encontra falas tuas ou vídeos teus manipulados ainda fico muito revoltada, diz.
Em tempos de polarização política, antes e depois das eleições de 2022, Paola não hesitou em se posicionar e foi além: se naturalizou brasileira para poder votar para presidente. A reação das redes, claro, um grande Fla-Flu (ou Boca e River?).
"Não conseguiria ficar aqui e não votar. Queria mostrar para minha filha que você tem que ir lá e dar o exemplo, fazer parte", afirma.
E não, Paola não se sente brasileira, apesar disso. "Mas não me sinto argentina também, e eu não me sinto italiana, não me sinto de um país", diz em seu português com sotaque, mas que ela garante estar mais afiado que o espanhol-materno.
O Brasil para ela foi uma circunstância que virou uma escolha. Primeiro em 2003, quando decidiu que o Julia Cocina seria aqui. Depois em 2008, quando abriu o Arturito. E em 2011, quando teve Francesca, nascida em São Paulo.
Todos os dias têm momentos onde eu não me sinto daqui. Tem mais a ver com comentários de haters que falam 'sai do meu país, vai embora do meu país'. Isso fica tão marcado. Quando isso acontece, eu fico meio sem chão, mas depois eu esqueço, afirma.
Todos os dias
Workaholic assumida, Paola diz que se diverte muito trabalhando, mas que também nisso o tempo mostra o caminho do equilíbrio: "preciso me disciplinar pra parar, pra me divertir com outra coisa, porque senão eu fico aqui fico fazendo coisas, sabe?".
A rotina é organizadíssima - e nada de secretária ou assistente: de pé às 6h15, prepara a rotina da filha, toma café, faz exercícios e vai para o trabalho.
Pelo menos de segunda a sexta, entre 10h e 19h, Arturito. Às vezes, reuniões sobre seu canal ou sobre La Guapa (rede das famosas empanadas de Paola que tem sido tocada por seu sócio Benny Goldenberg).
À noite, volta para jantar com a filha, assiste a um seriado, lê um livro e às 22h... "eu não sirvo mais para nada", assume.
Autora da autobiografia e caderno de receitas "Todas as Sextas", publicado em 2016, Paola quer escrever o "Todos os Dias", para apresentar o que mudou desde então.
Nesses anos, conseguir sair um pouco mais da cozinha, conhecer muito mais o Brasil e as casas dos brasileiros e diferentes formas de cozinhar, abriu um mundo de conhecimento e também transformou a minha visão de como as pessoas entendem a comida, declara.
Parceira e voluntária do projeto Cozinha&Voz, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho, Paola ajuda a promover a empregabilidade de pessoas em situação de exclusão socioeconômica, que são capacitadas para a função de assistentes de cozinha.
"Talvez falaria um pouco sobre isso no livro", entrega.
Apesar de tocar um projeto novinho em folha, a cabeça não para e Paola tem começado a pensar o que fará daqui a dez anos, quando o grande projeto de formação de profissionais pelo Arturito estiver completo.
Talvez menos coisas, ou algo menor, quem sabe mais na natureza, num sítio. Na TV e no YouTube, ela acredita que ainda tem um caminho para percorrer. "Mas agora não tenho agora grandes projetos, porque meus grandes projetos eles estão aqui", volta da reflexão.
Em pouco menos de uma hora de conversa, Paola é clara, direta. Viaja, mas retorna à linha de pensamento sempre. A maturidade em pessoa. E só conclui para correr para a terapia. Essa é tão sagrada quanto o ritual de cozinha, salão e rotina.