França tem legado olímpico: Paris-24 usa arenas dos Jogos 1900 e 1924

Quando a pira for acesa durante a cerimônia de abertura da Olimpíada, nesta sexta (26), Paris voltará a ser a sede dos jogos após 100 anos. É a terceira vez que ela recebe o evento: a última tinha sido em 1924, e houve uma anterior, em 1900.

Somente Londres já tinha sediado três vezes, mas a primeira foi no improviso. Em 1908, ela substituiu Roma, por causa de uma erupção no Monte Vesúvio que abalou a economia italiana.

Paris tem uma longa história com as Olimpíadas. Não só por ser uma cidade global, capital do mundo e cartão-postal enraizado no nosso imaginário coletivo, ela é a terra natal de Pierre de Coubertin, o homem que idealizou as Olimpíadas modernas.

A Olimpíada de 2024, que tem a pretensão de ser a mais sustentável de todos os tempos, deverá trazer a cidade-sede para o centro do palco de uma maneira mais intensa que em outras edições. Até a cerimônia de abertura, pela primeira vez, não será realizada em um estádio, mas em um rio: a prefeita da capital francesa mergulhou no Sena para tentar comprovar que ele está limpo.

Ao longo do evento, poderemos ver outros pedaços de Paris e arredores que têm uma longa tradição olímpica - ou que são conhecidos muito mais como destino turístico, apesar de também terem uma história de respeito no esporte. Conheça o legado dessas Olimpíadas de um passado distante.

"Jogos da Segunda Olimpíada"

Pôster das Olimpíadas de 1900, em Paris
Pôster das Olimpíadas de 1900, em Paris Imagem: Jean de Paleologue

Era esse o nome oficial de um evento ainda pouco conhecido do público, que estava apenas na segunda edição, quatro anos após a estreia, em 1896, em Atenas. Tão pouco conhecido que ele se desenrolou, na prática, como uma atração extra da Exposição Universal.

Entre as décadas de 1850 e 1930, as Exposições eram grandes plataformas para os países divulgarem suas mais recentes conquistas tecnológicas, as invenções mais incríveis, os feitos mais notáveis. A Torre Eiffel, inclusive, foi construída para uma das tantas vezes que Paris sediou o evento, em 1889. Era para ser uma estrutura temporária, mas virou o símbolo máximo da França.

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Ou seja, em 1900 as Exposições é que eram o grande evento global. As Olimpíadas eram uma excentricidade qualquer. Então Coubertin acabou aceitando que as "competições de exercícios físicos e esportes", como também eram chamadas, fossem apenas uma parte da Exposição daquele ano.

Por causa disso, foi uma Olimpíada bem diferente do que conhecemos. Durou mais de cinco meses e contou com disputas não-oficiais um tanto exóticas para os dias de hoje, como balonismo, bocha, pesca, tiros de canhão, combate a incêndios e columbofilia, que vem a ser a arte da competição de pombos-correio.

A própria historiografia oficial das Olimpíadas reconhece que aquela foi uma edição atípica. Muitos atletas morreram sem saber que competiram na Olimpíada de 1900. Viveram até o fim da vida achando que apenas participaram da parte esportiva da Exposição.

Pouca coisa sobrou daquele evento. O único remanescente é o Velódromo Jacques Anquetil, que na época, e por muitas décadas, era chamado de Cipale. Inaugurada em 1896, a Cipale sediou competições de ciclismo, além de ginástica, futebol e rúgbi.

Velódromo Jacques Anquetil
Velódromo Jacques Anquetil Imagem: Jules Beau

Ela estava na programação olímpica mais uma vez em 1924 e, entre 1968 e 1975, foi o local de encerramento do Tour de France. A pista fica dentro do Bois de Vincennes, o maior parque de Paris, no leste da capital.

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1924: "Mais rápido, mais alto, mais forte"

Olimpíadas de 1924, em Paris
Olimpíadas de 1924, em Paris Imagem: Fireshot/Universal Images Group via Getty Images

Após o relativo fracasso, Paris voltou a sediar os jogos 24 anos depois. Foi o último ato de Coubertin antes de se aposentar. Se 1900 foi um exemplo estranho do princípio das Olimpíadas modernas, 1924 inaugurou uma nova fase.

Pela primeira vez, o lema "Citius, Altius, Fortius" (latim para "mais rápido, mais alto, mais forte") foi usado. Ele perdurou quase cem anos, até ganhar um acréscimo em 2021. Hoje, o lema olímpico é "mais rápido, mais alto, mais forte - juntos".

Também foi a estreia da cerimônia de encerramento e da Vila Olímpica. Até então, os atletas não ficavam concentrados em um local específico.

As competições foram atualizadas. Era hora de dar adeus a disputas como cabo de guerra, que foi esporte olímpico oficial até 1920.

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Para a Oitava Olimpíada, Paris ganhou uma série de novas instalações, outras foram reaproveitadas de eventos passados e uma estará presente em 2024. Confira.

Estádio de Colombes, nas Olimpíadas de 1924
Estádio de Colombes, nas Olimpíadas de 1924 Imagem: Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis via Getty Images

A cidade de Colombes, nos arredores de Paris, ganhou, em 1924, um estádio para 45 mil pessoas construído sobre um antigo hipódromo, em funcionamento desde 1883. Com iluminação elétrica, água aquecida, sala de imprensa e amplos vestiários, o Estádio de Colombes tinha o que havia de melhor em conforto e tecnologia.

O local foi o coração dos Jogos de 1924. Era onde ficava a vila olímpica, e serviu de palco para as cerimônias de abertura e encerramento, além de competições de atletismo, ginástica e futebol.

Os Jogos de 1924 foram marcados também por dois representantes do atletismo britânico, Eric Liddell, um cristão escocês, e Harold Abrahams, um judeu inglês. A história deles inspirou o premiado filme "Carruagens de Fogo" (1981), um clássico do gênero de filmes de esporte, com uma trilha sonora tão famosa que virou clichê olímpico. O Estádio de Colombes não foi usado no filme, mas Liddell e Abrahams competiram, e foram campeões, ali.

Após a Olimpíada, o local manteve o esplendor. Sediou a final da Copa de 1938 e várias decisões do campeonato nacional de rúgbi (Yves du Manoir, o atleta que dá nome ao estádio, foi ídolo do rúgbi francês nos anos 1920). Mas, nas décadas seguintes, com a inauguração do Parc des Princes e do Stade de France, o Colombes perdeu protagonismo.

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Em 2022, para se adequar aos novos tempos, ele passou por uma grande reforma, que usou 90% de materiais reciclados ou reutilizados. Este ano, um século depois, o estádio voltará às Olimpíadas, sediando as competições de hóquei sobre grama.

Piscina Georges-Vallerey

Piscina Georges-Vallerey, em 1924
Piscina Georges-Vallerey, em 1924 Imagem: Reprodução/www.paris.fr

O parque aquático de Tourelles, mais tarde batizado em homenagem a Georges-Vallerey, um atleta francês que competiu em suas águas em 1924, tinha capacidade para 1,5 mil espectadores. Sua piscina introduziu uma novidade tão bem-sucedida que hoje é difícil imaginar que a natação já foi praticada sem ela: a raia.

O local passou por uma grande renovação nos anos 1980 e nos 2020. Fica no 20º arrondissement e permanece aberto ao público. Mas não às vésperas da Olimpíada de 2024, porque nas últimas semanas ele vem sendo usado para treinos dos atletas olímpicos.

Hipódromo Auteuil

Hipódromo Auteuil
Hipódromo Auteuil Imagem: ND/Roger Viollet via Getty Images
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Construído para corridas de obstáculos para cavalos em 1873, esse hipódromo fica localizado no Bois de Boulogne, parque no oeste de Paris onde também ficam o complexo de Roland Garros e outras instalações esportivas. Nos Jogos de 1924, sediou as competições de esportes equestres. Hoje, recebe algumas corridas importantes do turfe francês.

Estádio Bauer

Estádio Bauer em 1922
Estádio Bauer em 1922 Imagem: Reprodução

Quer visitar um estádio testemunha do futebol raiz, anterior à era das arenas? Vá para Saint-Ouen-sur-Seine, cidade no norte da Grande Paris.

O Stade Bauer, com capacidade para 6 mil torcedores, é a casa do Red Star, um dos times mais antigos do futebol francês e atualmente na segunda divisão do campeonato nacional.

O estádio recebeu alguns jogos da Olimpíada de 1924. Após o evento, a partida internacional mais importante de sua história foi o amistoso entre Brasil e Andorra às vésperas da Copa de 1998. A seleção ganhou por 3 a 0, mas o jogo ficou marcado pelos erros de finalização.

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Estande de Tiro de Versalhes

Parque de Esportes de Versalhes, retirado do guia oficial da Olimpíadas de 1924

Parque de Esportes de Versalhes
Parque de Esportes de Versalhes Imagem: Reprodução

Quem diria, o maior legado arquitetônico do Antigo Regime contribuiu também para o legado olímpico. Versalhes, ícone supremo da ostentação surreal da monarquia, foi palco das Olimpíadas em 1924, e será novamente em 2024.

Há 100 anos, os atletas participaram, no Estande de Tiro de Versalhes, localizado a 500 metros do palácio, das competições de pentatlo moderno e das modalidades de tiro. Este ano, além do pentatlo moderno, os Jardins de Versalhes receberão os esportes equestres.

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