Dono de restaurante come de graça? Benefício é mito, mas há vantagens

É uma pergunta que povoa o imaginário popular: donos de bares e restaurantes comem e bebem de graça em seus estabelecimentos? Muita gente que não é desse ramo acredita piamente que sim.

"Qual é a graça de ter um empreendimento do tipo, afinal, se for preciso pagar a conta como em qualquer outro endereço?", costuma se perguntar a turma que acha que sim.

Quem acredita que não tende a pensar como a maioria dos empresários do ramo. Estes, como é de imaginar, dificilmente comem e bebem sem se preocupar com o valor de cada item consumido.

É o caso do chef Luiz Petit, um dos sócios do grupo que é dono dos bares Baduk e Tasca Miúda, dos izakayas Pabu e Ko Ba e do restaurante de comida brasileira Maria e o Boi — as cinco casas se encontram no Rio de Janeiro, entre o Leblon e Ipanema.

Nós, os proprietários, frequentamos muito os nossos estabelecimentos. Se nossas refeições saíssem de graça teríamos um rombo gigantesco.

O combinado entre Petit e os demais sócios do grupo, Cristiano Lanna Rangel, Erik Nako e Andre Korenblum, é o seguinte: o quarteto pode consumir o que quiser em todas as casas com 65% de desconto.

"É um percentual que pelo menos cobre os custos do que comemos e bebemos", explica Petit. "Com ele, não lucramos com o nosso próprio consumo, mas também não ficamos no prejuízo".

Há um teto de gastos para cada um? Não. A regra dos 65% vale para os acompanhantes dos sócios? Sim.

"O que vale, no final das contas, é o bom senso", resume o chef. "O mais importante é que os donos estão afinados com a preocupação de manter o negócio no azul".

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Pratos do Ko Ba
Pratos do Ko Ba Imagem: Tomas Rangel

Em tempo: em agosto, o quarteto pretende inaugurar um bar de inspiração lusitana no Leblon em parceria com Alexandre Henriques, da Gruta de Santo Antônio, em Niterói.

O percentual estipulado, acrescenta, evita eventuais saias-justas entre os proprietários. Se o desconto fosse de 100%, afinal, algum deles poderia ficar constrangido em fazer uso desse direito, pelo receio de ser olhado torto pelos demais sócios.

No caso de abuso da prerrogativa com o mesmo percentual, por outro lado, não haveria muito a ser feito — todos seriam obrigados a engolir o prejuízo. "Nunca houve nenhum ruído entre os sócios em função do que nós consumimos", informa Petit.

Por liberalidade, ele tem o hábito de pagar a taxa de serviço sempre que, estando acompanhado, faz uso do desconto a que tem direito. "É uma forma de incentivar o comprometimento dos funcionários", explica.

Todo mundo ganha

Ele e os demais sócios, por sinal, se preocupam em dar bons exemplos para a brigada o tempo todo. É por isso que eles registram todo e qualquer consumo feito pelos quatro — vale até para café expresso. Com isso, esperam que nenhum funcionário coma ou beba nada por fora.

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Pabu
Pabu Imagem: Tomas Rangel

No Pabu, na Tasca Miúda e nos demais estabelecimentos do grupo, os colaboradores também têm direito a descontos. São 40% a menos para comida ou bebida no endereço onde eles trabalham diretamente e 20% a menos nos demais empreendimentos.

"Servem de estímulo para que eles frequentem as nossas casas e conheçam melhor os nossos cardápios", sustenta Petit.

Quando você conhece bem um prato e gosta dele, é mais fácil recomendá-lo para os clientes.

No caso dos funcionários, registre-se, os descontos não abrangem bebidas alcoólicas.

Combinado não sai caro

"Minha mãe trabalhou anos na Petrobras e eu nunca vi ela abastecer o carro de graça em nenhum posto", brinca Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, ao opinar sobre o assunto.

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Ele lembra que todo estabelecimento do ramo tem direito a definir sua própria política em relação ao consumo de comida e bebida pelos donos.

"O que se recomenda é que os sócios estabeleçam, detalhadamente e com antecedência, quais são as regras relacionadas a esse tema, para evitar eventuais conflitos que coloquem o negócio em risco", diz Blower.

Se haverá gratuidade e ela também vai valer para os familiares, por exemplo, isso precisa estar claro para todos.

O presidente do SindRio também recomenda que tudo que for consumido de graça pelos sócios, ou com qualquer tipo de desconto, seja computado.

"Tudo tem um custo, que precisa ser levado em conta", argumenta. "Do contrário, o cálculo de CMV (Custo da Mercadoria Vendida) ficará impreciso, o que pode prejudicar fortemente o negócio como um todo".

Fãs do próprio negócio

No Imma, no Itaim Bibi, em São Paulo, os sócios praticamente não têm nenhuma regalia. Lá, eles precisam desembolsar 100% do valor de qualquer comida ou bebida consumida — incluindo a taxa de serviço. Abre-se uma exceção apenas para os vinhos, que os donos podem saborear pagando só o custo da mercadoria.

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Chef Marcelo Giachini, do Imma
Chef Marcelo Giachini, do Imma Imagem: GUI GALEMBECK

"Pensamos, antes de tudo, no que é melhor para o negócio", diz o chef Marcelo Giachini, um dos sócios. "Não podemos penalizá-lo com interesses pessoais".

Formado em gastronomia pela prestigiosa unidade parisiense do Le Cordon Bleu, ele ganhou a vida, durante anos, como executivo da importadora Casa Flora. Vem daí, talvez, a enorme atenção que dá aos gastos e às receitas do Imma, que serve pratos como cordeiro assado com feijão-branco e farofa de pão.

Giachini é o único sócio-operador do empreendimento. Por isso, ele se dá o direito de, vez ou outra, almoçar ou jantar um prato sem pagar por ele — o item é sempre lançado no sistema como cortesia, para não prejudicar os cálculos de CMV.

Prato do Imma
Prato do Imma Imagem: GUI GALEMBECK

O chef faz isso com o intuito de garantir o padrão de qualidade imposto por ele -- quando está na cozinha, como é de imaginar, prova de tudo o tempo todo, e evidentemente sem pagar por isso.

Ele tem um único sócio, investidor, que volta e meia faz reuniões de negócios no Imma -- sempre pagando por tudo.

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"Entramos num acordo sobre esse assunto antes de inaugurarmos o restaurante, o que foi importantíssimo", lembra Giachini.

Com a regra que estabelecemos, nós dois ficamos mais à vontade para frequentar o Imma, independentemente do número de vezes que cada um vai.

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