Crise do clima desespera resorts de esqui, que guardam neve durante verão
Resorts renomados de esqui na Europa agora "guardam" sua neve no estoque durante o verão, em um esforço para se prevenir contra a possível falta do gelo que atrase a alta temporada de turismo.
O motivo por trás da decisão? As mudanças climáticas que aumentaram a temperatura média do planeta nos últimos anos e vêm derretendo as calotas polares. Em Ruka, um tradicional resort da Finlândia, a neve costuma começar a derreter naturalmente em abril — no início da primavera boreal. Desde 2016, o empreendimento passou a usar neste momento do ano um método curioso e inovador para preservar a neve: cobertores.
Cinco das principais pistas — há 41 em todo o complexo com diferentes fins, a maioria se converte em percursos de mountain bike e trilhas para pedestres durante a temporada de verão — recebem cobertura de poliestireno similar ao isopor. Cada um tem a capacidade de preservar cerca de 30 mil metros cúbicos de neve durante os meses quentes.
Segundo dados divulgados pelo resort à BBC britânica, quando os terrenos são descobertos, cerca de 80% a 90% da neve que havia sido coberta está preservada, o que é suficiente para cobrir todo o parque de neve e três ou quatro declives. Como Ruka é um resort de baixa altitude (500 m), em que as temperaturas são bastante variáveis e a neve poderia ser totalmente derretida, o resultado é bastante interessante.
"Há dez anos, nós podíamos garantir boas condições de neve do início de dezembro até abril. Agora, com o "snow farming" ('cultivo de neve'), podemos garantir boas condições para esquiar do começo de outubro até a segunda semana de maio", comentou o presidente do resort Antti Karava à rede britânica. O uso dos cobertores transformou o resort em um dos estabelecimentos europeus fora de geleiras com temporadas mais longas de esqui — mais de 200 dias ao ano.
Apenas em 2023, com o início da temporada de esqui em outubro, foram utilizados 150 mil metros cúbicos de neve guardada, de acordo com o anúncio feito à imprensa por Matti Parviainen, diretor de operações das pistas do resort. Além das encostas, a neve reciclada foi usada também na primeira trilha de esqui cross-country do resort no ano passado.
Guardar neve é como manter a casa quentinha
Outros resorts, como o suíço Levi, o austríaco Kitzbuhel — onde acontece a corrida de esqui Hahnenkamm —, o canadense Banff Sunshine e o americano Arapahoe Basin também já usam a técnica do cultivo de neve. Segundo pesquisadores do Snow Sports Lab, do Institute for Snow and Avalanche Research (Instituto para Pesquisas sobre Neve e Avalanche), na Suíça, o princípio é antigo: o mesmo do aquecimento de casas em tempos frios.
"Você pode ter uma casa quente mesmo nas condições do Ártico se você isolar (termicamente) bem. O mesmo, mas inverso, com um monte de neve — você pode torná-la resistente ao calor ao seu redor se isolar bem", explicou ainda à BBC um dos estudiosos e chefe do mesmo laboratório de esportes na neve do instituto, Fabian Wolfsperger.
O que muda então com o tal snow farming? A qualidade do isolamento, que usa hoje tecnologias inovadoras. A empresa finlandesa Snow Secure, que fabrica os cobertores de poliestireno para os resorts Levi e Ruka, faz designs sob medida dependendo da pilha ou pista a ser coberta com espessura e formatos variáveis. Todo o material ainda é laminado com PVC e com proteção aos raios ultravioleta.
Cobertores de superfície para pequenas áreas têm validade de cinco a sete anos, enquanto os maiores painéis — ideais para montanhas — podem durar até 20 anos. Testes da própria empresa apontam para a eficiência do sistema: em junho de 2023, no verão finlandês, uma área nevada em Vihti coberta pela Snow Secure registrou 44 ºC na parte superior do cobertor exposta ao sol. Já embaixo dele a temperatura máxima foi de 2,5 ºC. Em média, a perda de gelo é de apenas 13% com o uso da tecnologia.
Um painel-cobertor da Snow Secure custa entre 50 mil e 100 mil euros (entre R$ 288 mil e R$ 576 mil), segundo a empresa. No entanto, o valor de uma pista de esqui é de centenas de milhares de euros, por isso a companhia estima que após 10 anos de uso, o custo do cobertor terá sido de menos de um euro por metro cúbico de neve.
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Quero receberPaisagens geladas em risco poderão ser salvas
Como visto acima, a ideia de "enxugar" gelo não é exatamente nova, mas ganha cada vez mais aplicações. Por exemplo, os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, na Rússia, em 2014, utilizaram 800 mil metros cúbicos de neve estocada. Mais recentemente, a NHL (liga norte-americana de hóquei), que impõe específicos padrões aos rinques de competições nos EUA e no Canadá, já investe no chamado "gelo verde".
Segundo dados oficiais da liga, a Climate Pledge Arena — casa do Seattle Kraken, um time relativamente novo, criado em 2018 — captura a água da chuva que cai no seu telhado para encher cerca de 15 mil galões de cisterna e transformá-la no gelo sobre o qual os atletas disputam os jogos. Já o Staples Center, lar dos L.A. Kings, usa nos últimos anos um sistema para capturar a umidade do ar e convertê-la em água não-potável que é redistribuída para diversos fins pela arena, inclusive fabricar o gelo dos rinques.
Portanto, não é de se estranhar que este potencial venha sendo empregado para resgatar paisagens que podem desaparecer graças ao aquecimento global. O resort LAAX, na Suíça, possui um projeto chamado "The Last Day Pass" que comercializa através do seu site e aplicativo um cartão de madeira para "o último dia da geleira Vorab" na Terra.
O passe é recarregável com entradas para o resort e os fundos são revertidos para a compensação da emissão de uma tonelada de gás carbônico (por bilhete) e para o reflorestamento da montanha Crap Sogn Gion. Sobretudo, o resort aposta no "cultivo de neve" (snow farming) para tentar preservar Vorab — a neve é redistribuída pela geleira em montes e coberta em material de isolamento térmico até setembro, para reduzir o degelo e preservar as fundações dos elevadores que servem às pistas de esqui.
Segundo o LAAX, o último dia de existência previsto para a geleira Vorab é 8 de abril de 2056 — o projeto já teria conseguido retardar a sua destruição completa em apenas cinco dias.
Em 2017, os glaciologistas Felix Keller e Johannes Oerlemans realizaram um estudo que apontou que cobrir parte da geleira Morteratsch, na Suíça, com neve artificial poderia não só diminuir sua velocidade de derretimento, como também levar a um crescimento da geleira em 10 anos, sob condições específicas. Desde 2021, eles lançaram o projeto MortAlive, que está em fase de desevolvimento e ainda angaria fundos para tentar cobrir a montanha.
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