Seguido até no banheiro: Coreia do Norte reabrirá a turistas, mas é seguro?

A Coreia do Norte reabrirá as fronteiras da cidade de Samjiyon, em sua região nordeste, para receber turistas estrangeiros em dezembro, informaram agências de turismo nesta quarta (15). O restante do território também poderá ser incluso nos planos até lá.

"Recebemos a confirmação de nosso parceiro local de que o turismo para Samjiyon e provavelmente para o resto do país será retomado oficialmente em dezembro de 2024", comunicou a Koryo Tours, com sede em Pequim, em seu site. Outra agência, a KTG Tours, também anunciou que seus clientes poderão ir a Samjiyon a partir do inverno coreano, entre dezembro e março.

Casas e apartamentos ocupam os pés do Monte Paektu, em Samjiyon, na Coreia do Norte
Casas e apartamentos ocupam os pés do Monte Paektu, em Samjiyon, na Coreia do Norte Imagem: Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

"As datas exatas ainda serão confirmadas. Até agora, apenas Samjiyon foi confirmada oficialmente, mas esperamos que Pyongyang e outros lugares também sejam abertos", acrescentou a empresa no Facebook.

Pistas de esqui de Samjiyon, na Coreia do Norte
Pistas de esqui de Samjiyon, na Coreia do Norte Imagem: Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

Turismo foi proibido na pandemia, mas já era restrito antes

A Coreia do Norte não retomou o seu turismo totalmente desde o fechamento de fronteiras para conter a covid-19, em 2020. Durante os anos da pandemia, nem mesmo seus próprios cidadãos foram liberados para retornar ao território.

Monte Paektu, na Coreia do Norte
Monte Paektu, na Coreia do Norte Imagem: Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

Voos internacionais que entram e saem do país foram retomados apenas no ano passado e um pequeno grupo de turistas russos pode realizar uma excursão particular em fevereiro. Autoridades estrangeiras de alto escalão têm visitado o país recentemente, incluindo o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que esteve no vizinho asiático em junho.

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Hotel Baegaebong, aos pés do Monte Paektu, em Samjiyon, na Coreia do Norte
Hotel Baegaebong, aos pés do Monte Paektu, em Samjiyon, na Coreia do Norte Imagem: Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

Mesmo antes da pandemia, o turismo internacional na Coreia do Norte era limitado, com cerca de 5.000 ocidentais visitando o país a cada ano. Cerca de 20% desses turistas eram norte-americanos, até que Washington proibiu viagens ao país após a prisão e morte do estudante Otto Warmbier, que faleceu após ser repatriado aos Estados Unidos.

Como é Samjiyon?

A Coreia do Norte vem construindo o que chamou de "utopia socialista" em Samjiyon, uma cidade próxima à fronteira com a China com "um modelo de cidade montanhosa altamente civilizada". Novos apartamentos, hotéis, uma estação de esqui e instalações comerciais, culturais e médicas estarão disponíveis aos visitantes que chegarem em dezembro.

Estátua de Kim Il Sung, avô do atual líder Kim Jong Un, em Samjiyon, na Coreia do Norte
Estátua de Kim Il Sung, avô do atual líder Kim Jong Un, em Samjiyon, na Coreia do Norte Imagem: Eric Lafforgue/Art in All of Us/Corbis via Getty Images

O líder norte-coreano, Kim Jong Un, chegou a demitiu ou rebaixar alguns funcionários de alto escalão em julho por terem lidado de forma "irresponsável" com seu principal projeto em Samjiyon, que é uma porta de entrada para o Monte Paektu. Segundo a história oficial, foi lá que nasceu o falecido líder norte-coreano Kim Jong Il, pai do atual chefe de Estado do país.

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Kim Jong Un em encontro com o então presidente da Coreia do Sul em Samjiyon em 2018
Kim Jong Un em encontro com o então presidente da Coreia do Sul em Samjiyon em 2018 Imagem: Pool/Getty Images

Brasileiros contam como é visitar o país

"Para entrar no país, precisei contratar, de antemão, os serviços de uma agência turística autorizada pelo governo norte-coreano", conta ele. "São empresas que oferecem roteiros fechados, que vão levar o turista apenas a atrações predeterminadas", diz o brasileiro Mike Weiss.

Visão panorâmica de Pyongyang, com a torre Juche ao fundo
Visão panorâmica de Pyongyang, com a torre Juche ao fundo Imagem: Getty Images/iStockphoto

Enquanto esteve nas ruas do território norte-coreano, Mike foi acompanhado durante todo o tempo por uma guia turística. E ela o conduziu, principalmente, a lugares que promoviam a suposta grandeza da Coreia do Norte. Ir, por exemplo, até a periferia da capital, Pyongyang, nem pensar.

Durante o voo entre Pequim e Pyongyang , o brasileiro recebeu um exemplar, em inglês, do jornal "The Pyongyang Times", controlado pelo regime norte-coreano e que costuma trazer manchetes como "King Jong-un visita fazenda de legumes".

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Mais impactantes, porém, foram as recomendações dadas a Mike pela agência turística que ele contratou. Uma delas dizia: "não tente entrar na Coreia do Norte com bíblias ou qualquer outro tipo de material religioso".

Em Pyongyang, soldados reverenciam estátua gigantesca de Kim Il-sung
Em Pyongyang, soldados reverenciam estátua gigantesca de Kim Il-sung Imagem: Getty Images

E, assim que pisou no país, o brasileiro percebeu que deveria tomar muito cuidado com os símbolos sagrados locais. "Vi um estrangeiro carregando um jornal dobrado sob o braço, e na capa havia uma foto do Kim Jong-un. Um guia turístico chamou a atenção dele, dizendo que a imagem do líder norte-coreano jamais poderia ser dobrada daquele jeito, que era um sinal de desrespeito".

O advogado Lucas Caiado, a arquiteta Adriana Marto e o viajante profissional Lucas Estevam, do canal Estevam Pelo Mundo, foram à Coreia do Norte em 2019, e Tiago Maranhão, viajou ao país para fazer uma reportagem esportiva em 2013.

O pagamento era feito ora ao fim do jantar, ora no hotel. Sempre para os guias, em euros, dólar ou yuans (o dinheiro chinês).

Estrangeiros não podem usar a moeda local. Consegui trocar com um funcionário uma quantia mínima só para trazer como souvenir", fala Tiago.

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Lucas precisou fazer a conversão no dia em que visitou o supermercado (onde achou Pringles, Nutella e Coca-Cola nas prateleiras) e guardou alguns trocados que valeram uma experiência fora do roteiro. "Fiquei na Coreia mais tempo que outros visitantes do meu grupo. Nos últimos dias, estava sozinho com os guias e tive a oportunidade de comprar um sorvete de massa".

O culto aos governantes foi observado por todos os entrevistados, assim como a pequena quantidade de pessoas que ocupavam as mesas dos endereços.

"Era bizarro. Ia para os restaurantes com a guia e muitas vezes tinha eu e mais duas mesas. Ou eu sozinho. Num restaurante gigantesco. Quando fui embora de um deles, a luz logo se apagou. Era como se estivesse funcionando só para atender os turistas", diz Estevam.

Carne de cachorro

Uma das experiências gastronômicas que permite alteração sem resistências no roteiro é a sopa de cachorro. Para prová-la, os turistas precisam demonstrar a vontade aos guias e pagar um valor extra.

Lucas experimentou e diz que se trata de uma sopa vermelha muito temperada e levemente adocicada com pedaços da carne, que é fibrosa e rígida. "Comi muito bem na viagem e essa foi a refeição mais chique que fiz, mas não sei se toparia de novo. Não achei particularmente gostoso".

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Tiago também pediu para ir. "Considerei uma experiência cultural. Chegando no restaurante, porém, me lembrei da minha última cachorra e não tive coragem. Os cinegrafistas que estavam comigo provaram. Acharam a carne um pouco dura e sem sabor marcante", fala Tiago.

Seguido até o banheiro

Atitudes de desrespeito podem trazer graves consequências para estrangeiros em solo norte-coreano. Em 2016, um jovem turista norte-americano foi detido após supostamente roubar um pôster de propaganda do governo da Coreia do Norte em um hotel de Pyongyang. Ele ficou preso por 17 meses, entrou em coma por prováveis maus-tratos, foi libertado em estado vegetativo e morreu logo depois de voltar aos Estados Unidos.

*Com agências AFP e Reuters, além de informações de matérias publicadas 15/04/2018 e 05/03/2022

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