Você sabia que o bairro japonês de São Paulo foi formado por negros?

Conhecido pela influência japonesa em suas ruas, o bairro da Liberdade, em São Paulo, guarda em suas origens uma história profunda que se entrelaça com a comunidade negra e escravizada do Brasil.

Nos séculos 18 e 19, a região estava situada fora do triângulo histórico da cidade de São Paulo, constituindo uma das primeiras periferias urbanas.

"Aqui moravam os primeiros negros libertos e alguns escravizados que não tinham senzalas em suas casas, mas moravam perto de onde trabalhavam para seus senhores", explica Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro.

Apesar da forte presença asiática no bairro, muitos não sabem que a Liberdade tem, até hoje, uma população predominantemente negra. "Os dados de 2019 da rede Nossa São Paulo mostram que há mais negros que asiáticos", destaca Dias.

Esta é uma parte crucial da história do bairro que luta contra o apagamento histórico "Esse dado mostra que a Liberdade tem 25% de negros e 17% de asiáticos", complementa.

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Imagem: Guilherme Dias / Guia Negro

Mas por que Liberdade?

O nome "Liberdade" não é uma referência direta à liberdade cultural japonesa, mas um resquício do período colonial brasileiro. Havia um local chamado Largo da Forca que era cenário de execuções públicas de negros escravizados.

A praça da Liberdade era um lugar onde muitos escravizados foram humilhados e executados. A luta e os gritos por liberdade deram nome ao bairro.
Isabella Santos, turismóloga e idealizadora do Sampa Negra

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E foi ali, inclusive, que grandes nomes na história tiveram mortes horríveis. Os soldados José Joaquim Cotindiba e Francisco José Chagas, conhecido pelo nome Chaguinhas, ambos homens pretos e que serviam o exército em Santos, foram executados no local.

Acusados de liderarem um motim, em meados do século 19, os dois estavam reivindicando soldos atrasados (pagamento militar) e sabiam que os soldados portugueses estavam recebendo salários e eles não. Eles são mandados e julgados em São Paulo e condenados à forca.

"Eles passaram por um processo de xingamento e humilhação no então pelourinho e depois foram levados à forca. Mas há relatos que o Chaguinhas não morreu na hora, que a corda arrebentou três vezes e que pessoas clamavam por ele com a palavras como misericórdia, clemência e liberdade", diz Isabella.

Os movimentos abolicionistas também se encontravam naquela região do centro para reivindicar sua independência. Ainda hoje, esse passado é lembrado por algumas pessoas que, em memória das almas perdidas, acendem velas no local.

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Imagem: Dihandra Pinheiro/Getty Images

Relação com o oriente

A partir do século 20, o Japão passou por um processo de emigração. O país enfrentava uma densa população, dependendo primordialmente de práticas agrícolas tradicionais, o que restringia a produção ao nível necessário para sustentar a população. Consequentemente, armazenar alimentos para tempos de escassez ou conflitos se tornava inviável.

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Mas foi apenas após a Segunda Guerra Mundial, com o fluxo crescente de imigrantes japoneses, que essas comunidades começaram a ocupar as áreas das ruas Galvão Bueno e Estudantes, no bairro da Liberdade.

Realmente é uma comunidade numerosa que tem uma cultura muito distinta do Brasil, então por isso se destaca tanto.
Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro

O processo de gentrificação também contribuiu para esse processo, fazendo com que algumas pessoas pretas fossem expulsas dali. Por causa dos símbolos e decoração japoneses dá ainda mais impressão de que o bairro tem mais influência japonesa do que negra.

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Imagem: Guilherme / Guia Negro

Primeira escola de samba

Foi no bairro da Liberdade que nasceu também a primeira escola de samba da cidade de São Paulo, em 1937. A Lavapés foi criada por Deolinda Madre, conhecida por Madre Eunice, que tem uma estátua no local.

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Foi ali também que a Frente Negra Brasileira teve sua sede, engajando-se na luta durante a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932.

O bairro do Bixiga, que é bem próximo da região, também teve influência negra. Na época, o local era conhecido por ser um quilombo Saracura, onde as mulheres pretas lavavam as roupas da elite da Avenida Paulista e colocavam no varal.

"Ali era um bairro preto. Não é à toa que uma das escolas mais tradicionais de São Paulo fica ali. Os governantes tentavam esconder isso, baseados em várias teorias, mas, principalmente, a de que quem era negro não era inteligente, não tinha alma", destaca a turismóloga Isabella Santos.

Tours para conhecer o local

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Imagem: Guilherme / Guia Negro

Isabella e Guilherme trabalham levando cultura negra às pessoas e turistas que desejam conhecer e explorar uma São Paulo diferente. Por meio de visitas guiadas, que ocorrem semanal ou quinzenalmente, eles contam um pouco dessa história do bairro, que muita gente não sabe.

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Os guias dizem que os tours conduzidos pelo Guia Negro não apenas atraem turistas, mas também educam sobre a rica história afro-brasileira do bairro. "Nossos tours têm um público majoritariamente local e feminino, refletindo a demografia da cidade", diz Guilherme Dias.

Segundo ele, empresas e escolas também têm buscado esses roteiros como parte de suas iniciativas antirracistas, aumentando a conscientização sobre essas histórias essenciais.

"A gente precisa revisitar nossa história para entendermos que somos muito maiores, é uma população que se reconhece, ela vai trabalhar por um lugar melhor. A gente não precisa ser ufanista", conclui Isabella.

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