Pompeia da Escócia tinha esgoto encanado há 5.000 anos, mas fim é mistério

Uma vila semissubterrânea com mais de 5.000 anos no extremo norte da Escócia intriga até hoje historiadores, arqueólogos e outros cientistas. O motivo? Prodigiosamente avançada para a Idade da Pedra com suas casas com descarga e esgoto encanado, Skara Brae viu seus habitantes desaparecerem misteriosamente, da noite para o dia, sem deixar rastro.

Além disso, o sítio arqueológico no arquipélago das Órcades (ou Ilhas Orkney) sobreviveu bem ao tempo: o assentamento é reconhecido não só como o vilarejo pré-histórico melhor preservado do Norte da Europa, como ganhou em 1999 o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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Imagem: Jimmy Dunn/Getty Images

Mais velha do que Stonehenge ou a Grande Pirâmide de Gizé, a vila que é tida como a Pompeia da Escócia, justamente por sua impressionante e conservada estrutura, foi descoberta em 1850, quando parte de suas construções foram expostas por uma tempestade, segundo a Encyclopaedia Britannica.

Na década seguinte, outros quatro prédios seriam escavados durante os trabalhos liderados por William Watt, filho de um lorde local e geólogo amador, mas os trabalhos foram abandonados em 1868. Skara Brae só voltaria a ser pesquisada em 1927. Antes disso, ela foi parcialmente saqueada em 1913 e novamente exposta por uma tempestade em 1924, segundo pesquisas do jornalista Bill Bryson, autor de "At Home: A Short History of Private Life" (2010).

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Imagem: Angelo F-/Getty Images

Como era a vida em Skara Brae?

Três anos depois, o professor V. Gordon Childe da Universidade de Edimburgo viajaria pela primeira vez para tentar desvendar os mistérios de Skara Brae. Foi ele o primeiro a relatar em seus artigos que as casas possuíam diversos móveis em pedra, como armários, cômodas, cadeiras e até caixas de armazenamento.

Além disso, para entrar em cada uma das residências, é preciso passar por um corredor baixo com uma porta em pedra que seria fechada "por uma barra de osso que passaria por buracos feitos nas pedras do batente". Diversas casas ainda possuíam uma pequena antessala com acesso a um dreno coberto de pedra que levava para fora do vilarejo. Acredita-se que estes espaços serviam como banheiros cobertos mais antigos do Reino Unido, com os resíduos escoando para longe das moradias.

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Imagem: Eleanor Scriven/Getty Images/Collection Mix: Subjects RF

Outro recurso impressionante das moradias era a insulação: cada parede era coberta por duas camadas independentes e interconectadas de pedras, para garantir o isolamento térmico. As camas de rochas teriam um dia oferecido básico conforto cobertas por peles de animais e plantas.

Eles não eram diferentes de nós. Eram tão criativos quanto — e, de algumas formas, ainda mais criativos. Quando a maioria das pessoas pensa na Idade da Pedra, mesmo na Idade da Pedra Polida e no início da agricultura, acho que eles pensam em um estilo de vida bem simples. Mas eu acredito que a sociedade do Neolítico era mais ou menos tão dinâmica e complexa quanto a nossa sociedade atual.

Refletiu o arqueólogo Nick Card, que estuda as Ilhas Oarkney, à BBC.

Segundo as autoridades de turismo da Escócia, cada casa possuía um único cômodo de cerca de 40 metros quadrados e sobre os móveis eram expostos objetos que seriam valiosos para os moradores. Duas câmaras que lembram as "box" modernas e lareira central ainda serviam ao espaço, assim como um pequeno tanque no chão — onde seriam preparadas iscas de peixe.

Durante diversas escavações posteriores foram encontrados interessantes objetos pessoais dos escoceses pré-históricos, como dados de jogos, ferramentas manuais, cerâmicas, além de joias como colares, contas, pingentes e broches. Também havia pedras esculpidas que podem ter sido usadas em rituais religiosos.

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Imagem: Angelo F-/Getty Images

Por causa destas evidências, acredita-se que os moradores de Skara Brae eram fazendeiros, caçadores e pescadores, capazes de produzir utensílios e ferramentas de tecnologia rudimentar, além de objetos pessoais e de decoração sofisticados para a época. Nenhuma arma foi encontrada até hoje no vilarejo, o que sugere que os habitantes não estavam prontos para defender o local — o que pode ter sido sinal de uma vida pacífica.

Novos estudos nos anos 70 apontaram que a vila em que até cevada chegou a ser cultivada foi povoada, ao menos, durante quase 700 anos, entre 3.180 a.C. até 2.500 a.C. Mas, abruptamente, algo colocou fim ao modo de vida de seus moradores.

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Imagem: Ashley Cooper/Getty Images

Fim misterioso

As razões do fim de Skara Brae são, até hoje, um mistério. Mas uma das principais teorias é a de que uma enorme tempestade de areia tenha tomado as casas.

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Assim como aconteceu com Pompeia, os habitantes parecem ter sido pegos de surpresa e fugido com pressa, porque muitos dos seus objetos mais preciosos, como colares feitos de dentes de animais e ossos, ou broches de mármore de morsa, foram deixados para trás. Restos de carne "de primeira" foram descobertos em algumas das camas, o que possivelmente teria sido parte da última refeição dos moradores do vilarejo. Uma mulher estava com tanta pressa que seu colar quebrou assim que ela se apertou para passar pela porta estreita de sua casa, espalhando um fio de contas pelo corredor do lado de fora assim que ela fugia da areia que invadia [seu lar].

Imagina o arqueólogo Evan Hadingham em seu livro "Circles and standing stones: an illustrated exploration of megalith mysteries of early Britain", em que tenta reconstituir o fim de Skara Brae a partir dos achados.

No entanto, outras especialistas como a arqueóloga e historiadora Anna Ritchie acreditam que o processo tenha sido mais gradual. "Um mito popular é de que o vilarejo teria sido abandonado durante uma enorme tempestade que ameaçou enterrá-lo na areia instantaneamente, mas a verdade é que seu enterro foi gradual e que ela já estava abandonada — por qual razão, ninguém sabe dizer", escreve em seu livro "Prehistoric Orkney".

Para conhecer

Quem visita a Pompeia da Escócia pode não só ver suas construções impressionates, como alguns dos artefatos encontrados durante as escavações no centro de visitantes do sítio arqueológico.

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Imagem: Beth Wolff/Getty Images/iStockphoto
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Destruído pelas intempéries ou não, Skara Brae é um lugar sujeito a mau tempo. Portanto, o Visit Scotland aconselha checar a previsão antes de realizar a longa jornada até o local, que fica aberto de segunda a sexta, das 9h às 17h. É possível checar se houve algum fechamento não-programado através da hashtag #HSclosure no X (antigo Twitter).

Dúvidas a respeito do passeio podem ser tiradas no ticketing@hes.scot. Já os preços dos bilhetes variam de acordo com a temporada turística, mas podem ser consultados e adquiridos no historicenvironment.scot/visit-a-place/places/skara-brae.

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