'Rebelde' em cima de penhasco, cidade italiana desafia gravidade há séculos

A cidade de Calcata, na região do Lácio na Itália, impressiona (e assusta) quem é de fora: toda a sua estrutura sobre um penhasco desafia a gravidade há séculos e já rendeu uma evacuação das autoridades locais, que proibiu a ocupação por cerca de 30 anos.

É difícil precisar a data exata em que o vilarejo se formou, já que os sítios arqueológicos (como o de Narce) no vale do rio Treja seriam pré-históricos. No entanto, das construções que até hoje compõem a cidade suspensa, a maioria são medievais — e dentre eles destacam-se preciosidades como o Palazzo Baronale que pertenceu à nobre família Anguillara. Segundo o órgão de turismo do Lácio, a mansão teria sido erguida em torno do ano 1000.

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Já a Igreja do Santíssimo Nome de Jesus, outro marco arquitetônico de Calcata, teria sido construída no início dos anos 1300 e foi restaurada posteriormente em 1793. A citadela, aliás, atraversou séculos como um local de peregrinação, mas o cenário mudou no século 20.

A "ordem de despejo"

O centro histórico de Calcata, com seu formato de fortaleza, foi condenado pelo governo de Mussolini nos anos 30, que temia que o terreno vulcânico e rochoso íngreme do penhasco estivesse cedendo ao peso das construções, relata o jornalista David Farley, que morou um ano na cidade e escreveu sobre a vida em Calcata a publicações como a revista Slate, a National Geographic e o The Wall Street Journal.

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A solução encontrada pelos moradores foi se mudar para cerca de 1,5 km dali, onde reconstruíram suas vidas em uma vila que ficou conhecida como "Calcata Nuova" — a nova Calcata. No entanto, décadas se passaram e as equipes de demolição das autoridades italianas nunca chegaram para destruir a cidade medieval abandonada.

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Durante os anos 40, a Resistência Italiana contra o nazifascismo operava em Calcata. Dois casos são notáveis de homens que foram executados pelos soldados alemães entre novembro de 1943 e janeiro de 1944 por lá: Giuseppe Gasperini, em torno de 37 anos, e Filippo Tremanti, de 78.

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Nos anos 60, artistas e hippies começaram então a reocupar a cidade abandonada — atraídos pela sua beleza rústica e energia "mística" que viria do vulcão. O jornal The New York Times reporta que os faliscos, um povo que viveu no Lácio antes dos romanos, usavam a montanha como local de rituais sagrados e que alguns dos moradores locais ainda dizem sentir "sua força espiritual".

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A história, contudo, pode ser mais simples do que isso: as comunidades de artistas eventualmente fizeram ofertas pelas casas abandonadas que ocuparam ilegalmente e os antigos donos, que perderam tudo com a condenação do espaço pelas autoridades, se entusiasmaram com a possibilidade de receber algum tipo de pagamento por perdas de décadas atrás.

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Os artistas ainda começaram a restaurar a cidade, tapando buracos e transformando cavernas subterrâneas um dia habitadas por povos pré-históricos em novas residências. As novas comunidades também abriram galerias de arte, restaurantes e cafés até que conseguiram reverter a condenação da cidade suspensa junto às autoridades, que sinalizaram que sua avaliação inicial sobre o perigo de morar lá estava incorreta — não é claro se esta decisão foi realmente técnica, contudo.

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Um dos destinos mais legais da Itália

Hoje, Calcata ganhou o título de um dos melhores destinos desconhecidos do país, segundo o Business Insider. Não só ela oferece a chance de conhecer gratuitamente castelo, restaurantes, florestas, além de obras de arte, mas dá ao turista o respiro de tranquilidade que a vizinha Roma raramente tem: por lá, não há sinal de celular para seus apenas 75 moradores.

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Já o Times aponta que até os romanos gostam de escapar para a vida cultural vibrante de Calcata. O aspecto eclético global — com moradores de diferentes talentos de todas as partes do mundo — além da estética curiosa, com um Jimi Hendrix pintado nas paredes de um prédio do século 18, é certamente um dos atrativos.

Mas a cidade atende a outros públicos, como aqueles famintos por história. Nobres como o príncipe Stefano Massimo, duque de Calcata — entre outros títulos de uma das famílias nobres mais antigas da Europa e que era dona da cidade no século 19 —, que mantém um mansão por lá. O endereço é composto por outras cinco antigas casas combinadas e reformadas pela arquiteta local Patrizia Crisanti.

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Segundo o jornal The Sydney Morning Herald, uma casa típica em Calcata pode custar mais de 100 mil euros (R$ 555 mil), embora haja opções mais modestas anunciadas em plataformas de negociações de imóveis. Quem as compra? Os romanos que querem relaxar e curtir "um estilo de vida alternativo".

Paraíso de bruxas

Labiríntica, Calcata possui diversas trilhas rumo às florestas no seu entorno que teriam sido palco não só dos rituais pré-romanos já citados, mas também de sacrifícios pagãos, segundo a revista Condé Nast Traveller. Não à toa, circulam lendas em seu vale de que bruxas costumavam se reunir ali na Idade Média, séculos atrás — e que o local se tornou um refúgio para quem pratica magia negra. Durante dias ou noites de ventos fortes seria possível ouvir os cantos entoados pelas antigas bruxas.

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De acordo com o jornal The Times of India, as histórias de encontros com o sobrenatural e a reputação mística foram incorporadas ao calendário de Calcata oficialmente. Durante o mês de outubro, anualmente, a cidade celebra o Festival das Bruxas, em que as suas ruelas ficam repletas de pessoas fantasiadas — moradores e turistas — além de acontecerem apresentações musicais e performances temáticas.

Para visitar Calcata, o turista de carro pode pegar a estrada Cassia Bis (SS2), sair em Sette Venne e seguir placas para Calcata. Já quem parte de Roma de transporte público pode pegar o trem na estação Ferrovia Nord até o terminal de ônibus Saxa Rubra, de onde partem ônibus a cada uma hora para a cidade.

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