Ponte mais alta do mundo supera a Eiffel e livrou região de 'buraco negro'

O Viaduto de Millau é um desafio a sua própria paisagem. Com cerca de 2.460 metros de comprimento e 336,4 metros de altura, a ponte reconhecida pelo Guinness World Records — organização que publica o Livro dos Recordes — como a mais alta do mundo "flutua" sobre as nuvens superando a Torre Eiffel (que possui "apenas" 330 metros de altura, contando sua antena).

Vista até mesmo do espaço, a construção no sul da França se tornou uma atração por si só — e não apenas um meio de cruzar a região — com direito a centro de visitantes que recebe turistas curiosos para ver de perto sua megaestrutura estaiada. Mas não é apenas pela sua beleza ou pelos números impressionantes: a ponte é uma maravilha da engenharia e da arquitetura por superar barreiras físicas em pleno ar.

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Imagem: Stefan Krause/Creative Commons

Ao contrário de outras pontes que conectam dois pontos de altitudes semelhantes, o Viaduto de Millau é uma "montanha-russa invertida", ou seja, ela oferece aos carros um caminho em linha reta em um terreno para lá de íngreme, com picos e vales do desfiladeiro de Gorges-du-Tarn.

As impressionantes proporções não são encontradas apenas nos contornos da paisagem, mas na robusta estrada que se sobrepõe ao solo irregular e pesa 36 mil toneladas — o equivalente a 5.100 elefantes africanos.

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Imagem: Max Labeille/Getty Images/iStockphoto

Para criar esta ilusão de uniformidade, foram erguidos sete píers de alturas variáveis — entre 78 metros e 245 metros. Entre cada um deles, há uma distância de 342 metros, o que tornaria possível encaixar uma Torre Eiffel deitada entre cada um e ainda sobrar espaço. Cada píer ainda recebeu um pilar de 87 metros de altura do qual saem 11 cabos de cada lado.

Pode parecer confuso então como se chega a sua altura máxima, mas o Guinness explica: a altura da ponte foi determinada pela soma do píer mais alto (o segundo), o pilar, a rodovia e a inclinação do vale na sua base, entre os píers dois e três. Ou seja, foi levada em consideração a altura de toda a estrutura acima do solo em seu ponto mais profundo — já que é impossível chegar a uma altura única para a ponte com o terreno irregular.

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Imagem: Roulex 45/Creative Commons
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Vencendo a geografia

Antes da inauguração da ponte, em dezembro de 2004, esta geografia complexa representava uma barreira intransponível para quem viajava pela região. Isto porque o Viaduto de Millau está situado no Maciço Central da França, uma linda região que representa cerca de 15% do país e é rodeada por Alpes, mas que possui profundos cânions e rios correndo no seu interior.

Ou seja, quem tentava cortar o território ou deixar o Norte da Europa rumo à Espanha precisava superá-lo, mas não conseguia e era obrigado a contorná-lo com muita dificuldade.

O sonho de "vencer este gigante" começou a ser contemplado em setembro de 1987, quando um time liderado pelo engenheiro Michel Virlogeux começou a conceber o projeto do viaduto.

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Imagem: Nik Wheeler/Corbis via Getty Images

"O primeiro problema não era qual ponte construir, mas onde situar a estrada", explicou o especialista à CNN americana. Até então, o Maciço possuía apenas uma ferrovia de um trilho só e estradas periféricas que "não eram muito boas". "A parte central da França não conseguia se desenvolver por falta de transporte", relembrou.

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Uma das estradas constantemente engarrafadas contornava Millau, descia o vale e cortava o rio Tarn no centro da cidade. Todos os dias, pelo menos 20 km de cada lado ficava parado.

Passar por Millau costumava ser um buraco negro para turistas. Havia muitos engarrafamentos, com quilômetros e quilômetros parados. Dava uma imagem muito ruim à nossa área e em termos de poluição eram horrível. Os moradores levavam muito tempo indo de um lugar a outro, contou o atual prefeito, Emmanuelle Gazel, à rede americana.

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Imagem: Denise SARLIN/Gamma-Rapho via Getty Images

Até baterem o martelo a respeito do melhor ponto para a construção levou quase três anos, já que não havia solução óbvia. Uma das possibilidades era construir uma rota a leste de Millau, nas áreas mais planas, com duas pontes suspensas de cada lado cruzando os vales. Mas Millau, que é a maior cidade entre Clermont-Ferrand e Béziers, continuaria fora do mapa de transporte.

Geólogos, geotecnólogos e engenheiros de tráfego foram chamados para estudar a região e participar das discussões — cogitando pontes mais baixas e túneis. Até que o engenheiro de tráfego Jacques Souberyan teve uma ideia.

"Ele perguntou: 'por que vamos entrar no vale?' e foi um grande choque", relembrou Virlogeux à rede americana. "Eu nem tinha considerado a possibilidade de cruzar em um nível tão alto. Imediamente, eu disse que estávamos sendo burros e começamos a trabalhar na ideia de ir de platô a platô".

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Viaduto de Millau visto ao fundo em 2020, durante a passagem do Tour de France pela região de Gorges-du-Tarn
Viaduto de Millau visto ao fundo em 2020, durante a passagem do Tour de France pela região de Gorges-du-Tarn Imagem: Michael Steele/Getty Images

Em oito dias, a ideia virou um projeto detalhado no papel.

Ventos eram desafio; a população também

Mas não foi só a localização que gerou muito debate. A comunidade da região logo passou a rejeitar a ideia da ponte, temendo que ela poluísse a paisagem idílica do interior francês. Por isso, Virlogeaux e o arquiteto responsável, o britânico Lord Norman Foster que entrou no projeto em 1996, logo concordaram em dois aspectos: a ponte deveria ser estaiada, já que os cabos são suficientes em sustentar grandes pesos; e o design precisaria ser delicado.

No entanto, quanto mais delicado o design, maior o desafio em mantê-la de pé graças às grandes correntes de ar do vale do rio. "As forças de ventos neste nível são enormes e as colunas têm que acomodar a enorme expansão e contração do deque", contou Foster à CNN americana. Uma ponte das proporções do Viaduto de Millau pode ganhar ou perder 50 centímetros dependendo das condições meteorológicas.

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Imagem: Creative Commons
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Por isso, ela foi reforçada com juntas de dilatação. E, enquanto as colunas acima da rodovia são mais robustas, os arcos nas curvas e os píers mais próximos da pista são mais robustos — garantindo não só harmonia estética, mas equilíbrio estrutural diante do impacto dos ventos. "[A estrada] é como uma serpente, improvável na espessura como uma lâmina", comparou o arquiteto.

Toda a estratégia cuidadosa e o investimento valeram à pena e a construção que começou efetivamente em outubro de 2001, depois de uma década e meia de planejamento, foi concluída em apenas três anos, custando 400 milhões de euros à epoca e utilizando 290 mil toneladas de aço e concreto manipulados por cerca de 600 trabalhadores.

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Imagem: Jose-Fuste RAGA/Gamma-Rapho via Getty Images

Ponte reconectou a Europa

Outra preocupação da população local — além da aparência do viaduto — era que a facilidade de tráfego na região tornasse mais fácil que turistas passassem por Millau sem, de fato, visitá-la e a cidade perdesse economicamente. O inverso aconteceu. Apenas no primeiro ano da ponte, cerca de 10 mil carros paravam por ali todos os fins de semana para admirá-la, segundo dados da prefeitura de Millau. O turismo na região cresceu.

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Imagem: Jose Fuste RAGA/Gamma-Rapho via Getty Images
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Visitar o sul da França ou a Espanha tornou-se uma experiência mais fácil, para quem vinha do Norte do país e do continente. E a cidade que, durante o Império Romano, era famosa por exportar sua cerâmica para destinos tão distantes quanto África ou Inglaterra, hoje é uma atração por outros motivos como os famosos píers ou o passeio de barco sob o viaduto.

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Imagem: Nik Wheeler/Corbis via Getty Images

"Uma ponte tem a ver com comunicação no sentido mais amplo, não apenas conectando dois platôs, mas ligando pessoas", comentou o arquiteto Foster ao veículo. E esta gigante reconciliou, com sua delicadeza, a Europa.

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