Onde comer bem em Buenos Aires? Rua tem 'chori' moderno e parrilla asiática
Seja pela proximidade ou pelo preço (nem tanto mais) gentil da conversão a pesos, o público brasileiro ama a Buenos Aires de comer. Cada vez mais, porém, surgem oportunidades de conhecer pequenas e ousadas revoluções gastronômicas, ainda que a carne esteja no DNA de quase tudo.
Um dos grandes responsáveis por este frescor diante de uma tradição que encanta o mundo todo atende pelo nome de German Sitz.
Aos 35 anos, o filho de Rivera, cidade entre as províncias de Buenos Aires e dos pampas argentinos é co-fundador de Grupo Thames ao lado do colombiano Pedro Peña e saiu da cozinha para operar seis negócios, todos abertos em um prolífico período de dez anos.
Não à toa, seu celular (um sonoro Motorola) não para de tocar um segundo durante os dois dias em que encontrou a reportagem.
De asado a parrilla, de tacos a choripán, de transformação de um jardim de museu à revelação criativa de fusão asiática. E ainda uma taperia madrilenha.
Ao lado desta jovem potência dos negócios de comida na Argentina - e todo o peso que esse ponto no mapa carrega - a reportagem fez um "recorrido" que nem os mais belos (e glutões) sonhos poderia imaginar.
Que você, leitor, se inspire a visitar algum deles em sua próxima visita portenha - mas a recomendação é não deixar passar nenhum.
Que disfrute!
Chori
Na rua Thames, já eleita uma das mais "cool" do mundo em 2021 pela lista da Time Out, o "food crawl" de Sitz já começa pelo número 1653 e por uma tradição mexida daqui, revolucionada de lá.
Instituição dividida com os uruguaios, o pão com linguiça e chimichurri, o choripán deu lugar a lanches globalizados, como hambúrguer e pizza.
E Chori nasceu dessa tentativa de resgatar o chori, mas de uma forma diferente e tão atraente quanto as 'hamburguesas', conta German, sobre o estabelecimento inaugurado em 2016.
Para isso, no lugar do pão comprido, surge um redondo. E nos recheios, uma infinidade de opções, do tradicional "de Cancha", ao de linguiça de costela com cheddar, ao bovino e até vegetariano. Para tomar, cerveja, vermú ou o irresistível e pop Fernet Cola.
Bem ao estilo fast-food, neons chamativos e desenho do personagem que dá rosto à marca, e comer em pé, no balcão, ou na calçada - ouvindo o mais fino do hard rock. Este sim, globalizado e perdoado.
Mais informações: @xchorix
Juan Pedro Caballero Taquería & Churrería
Das canchas argentinas ao México, um pulo rapidinho até o número 1719 da mesma Thames. Nasceu como churreria, e na pandemia foi reformulado. Hoje lota a calçada com a oferta de tacos, burritos e, sim, churros num estilo cool, rápido e coloridíssimo pelas referências de Nossa Senhora de Guadalupe aos mascarados de "lucha libre".
Mais informações: @xjuanpedrochuntarostylex
Paquito
No 1999 da rua, estamos em Madri. Entre e olhe para os lados: um bar de tapas, um trio de flamenco e mesões regados a vinho, jamón cortado na hora, croquetas (as mais cremosas da vida) e boquerones ahumados - anchovas no vinagre prontas para o pão.
Já temos muito de cozinha com influência catalã e basca. Queria mesmo um bar de tapas que transportasse a Madri, informal, barulhento, conta Sitz.
É no Paquito, nascido em 2021, que o gastro-business-man conta que foi ficando de olho no aluguel das casas ao longo da rua que percebeu a importância de levar mais e mais gente ao lado até então menos gentrificado do Palermo Soho. "Se pudermos trazer mais e mais gente, melhor".
No rumo ao destino seguinte, conta a história boêmia do bairro, onde passou a infância Jorge Luis Borges e onde se criaram os movimentos rock e punk locais.
Mais informações: @xpaquitobarx
La Carniceria
Primeiro negócio a nascer da parceria com Pedro para o domínio da Thames, em 2014, o espaço é uma considerado um "paraíso carnívoro" pela lotação de um pequeno espaço do número 2317.
E quem diz isso não é a reportagem ou os muitos clientes, somente, mas também as listas como 50 Best (onde o local desponta como Discovery) e Michelin, que o recomendou na primeira edição argentina para Buenos Aires e Mendoza.
Se trata de parrilla, sim, mas ao contrário das muitas espalhadas pela cidade, traz o toque de modernidade e muito menos rusticidade da tradição.
German conta que a procedência das carnes, hoje tão alardeada em casas pelo mundo, foi a prerrogativa para fincar os pés no lugar e se valer de uma herança bem favorável: os cortes todos vêm da fazenda de sua família nos Pampas.
Desde o "amouse-bouche" - pãozinho com tutano assado de chupar o osso e maionese de cebola -, até mollejas com limão, nalga com leite de tigre e pimenta aji preparado à mesa, como um tartar, e os tradicionais chinchulines, tudo é parrilla, mas sem ares de nostalgia.
Ficamos nas entradas, mas como não botar os olhos em todos os cortes parilheiros das mesas vizinhas?
Mais informações: @xlacarniceriax
José el Carnicero
Na casa logo à frente, no número 2316, em uma espécie de viagem ao interior da Argentina. Lá, quem reina é o asado, dos cortes simples e de preparo lento.
No "José", porém, chama mais uma vez a atenção como referências modernas de espaço - decoração impecável e o banheiro mais divertido do mundo, com trilha no talo (o mais fino do soul), revistas Rolling Stone para folhear e pia voltada para a geladeira de carnes.
Surpreende também, nessa aura supostamente tradicional, a destreza e balé da cozinha - sorte de quem está no balcão - e o espírito de alta gastronomia (com direito a uns sonoros "si, chef" entoados vez ou outra). A alface coberta por parmesão e a melhor salada russa da vida acompanham cordeiro, leitão, costela surgem em um serviço caprichado e atento.
Para beber, mais Sitz - a garrafa de Malbec da casa, batizada de Bife, leva o rosto do anfitrião no rótulo.
Mais informações: @xjoseelcarnicerox
Niño Gordo
Na fachada, um grande bebezão inflável recebe gourmands, curiosos e fãs do melhor kastusando que se tem notícia - pão brioche tostadinho, com uma pornográfica milanesa bovina (contrariando a tradição japonesa do porco) e maionese japonesa.
No 1810 da mesma Thames, o mergulho em um salão todo vermelho com lâmpadas chinesas e no balcão ao estilo izakaya lotado, barulhento e enfeitado com brinquedos - de Sailor Moon a um mini Atari - revela o que há de mais surpreendente (e doidão) em Buenos Aires.
Não à toa, 43° melhor restaurante da América Latina pelo 50 Best e recomendado Michelin.
O ambiente vibrante, a trilha no talo e as muitas opções da fusão de parrilla com elementos asiáticos diversos - do tataki ao bao, às sobremesas de chocolate com wasabi e katsuobushi - deixam comensais ora atordoados, ora encantados, mas nunca indiferentes.
Sucesso imediato desde a abertura, em 2017, é o mais simbólico das invenções mirabolantes - e certeiras - de German e Pedro. Tanto é verdade que ganhou até um livro (Libro Gordo) em que receitas são mero detalhe entre crônicas sobre a rua, as trajetórias dos donos, o bairro e as pirações que geraram o "imperdível" da cena gastronômica portenha.
Mais informações: @xniniogordox
Além da Thames
Los Jardines de Las Barquin
O mais novo de tantos filhos, com pouco mais de oito meses, é uma homenagem aos recantos coloniais que uma foi a Recoleta. É no jardim do Museo de Arte Hispanoamericano Fernández Blanco que Sitz explica que grãos, cereais, PANCS argentinas, enfatiza-se, agora mandam no cardápio - "já que não poderíamos instalar uma parrilla aqui", lembra.
Com sorte, além da simpática equipe formada, a recepção é feita por um gatinho cinza e gordinho de nome Coquito que insistirá em miar por carinho. Apenas ceda.
Quem passeia pela história - a das Barquin, sobrinhas-filhas da Condesa María Ignacia de Velasco Tagle Bracho que usavam daquele jardim como ponto de encontro com seus muitos pretendentes - pode admirar o espaço do café da manhã, passando pelo almoço, até o lanche da tarde.
Entre as criações do chef Alejandro Feraud - com destaque para deliciosas opções vegetarianas -, estão empanadas de trigo sarraceno recheadas com cogumelos, o risoto de cevada com espinafre e a inesquecível humita - espécie de creme de milho pré-colonial.
Para beber, cafés e uma seleção caprichada de vinhos ("ojo" para Rocamadre Viñas Viejas Chenin Blanc 2022).
Mais informações: @xlosjardinesdelasbarquinx
São tantas coisas que de fome nunca morreremos, brinca German.
*A jornalista viajou a convite de Flybondi, Grupo Thames e Mengano