Um roteiro pela história do pão em SP, da padaria centenária à moda coreana
Tradicional ou artesanal? Pegar para levar ou comer no local? Colocar requeijão na entrada ou na saída? O setor de padarias está cheio de dicotomias. São oposições e polêmicas que só funcionam em temas capazes de afetar, enervar, apaixonar — e não é segredo para ninguém que os paulistanos são completamente caidinhos pelas padocas, né?
Independentemente da receita, do preço ou do fermento, a cultura de comprar pão mantém viva a diversidade e faz com que seja possível aprender sobre panificação por meio de estabelecimentos em funcionamento.
É por isso que nos próximos parágrafos você encontra um roteiro pela história do pão em São Paulo.
Mais que antiga, centenária
Cem anos é pouco perto da primeira vez que se comeu um pãozinho de farinha branca em terras brasileiras — os registros são lá do período colonial. Mas a popularização e a venda ganharam força com a construção do moinho Matarazzo, em 1900, e com a imigração italiana, cujo auge rolou entre 1870 e 1930.
Essa herança pode ser vista em endereços centenários que seguem na ativa. É o caso da Padaria Carillo.
De Nápoles à capital paulista, Raphaelle Carillo foi um dos expoentes do pão levemente cascudo.
Seria estranho se na Itália esse pão fosse chamado de italiano. É por isso que nas fotos mais antigas está escrito: pão caseiro
Quem me conta isso é Guilherme, bisneto que comanda a padaria e, junto do irmão Gabriel, continua a tradição de levar os pães redondos ou em filões até os clientes.
Só mudou, é claro, o meio de transporte. Antes, iam a cavalo pelas ruas de terra. Agora, mandam em carros sobre o asfalto.
Após a pandemia, o negócio instalado na Mooca ganhou uma sede renovada. Entre as novidades, está outro clássico do país da bota: cannoli recheado na hora.
VAI LÁ:
Padaria Carillo - Avenida Álvaro Ramos, 2071, Mooca. @padariacarillo
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Quero receberA soberania do pão francês
Segundo a Sampapão, os equipamentos da cidade assam, juntos, 25 milhões de pães franceses por dia — a receita é a número 1 de todo estabelecimento que decide colocá-lo na vitrine.
Atualmente, porém, achar um bom francês é coisa rara na cidade. Quer uma sugestão certeira? Vá à Estado Luso.
Repetida diariamente desde 1965, a massa premiada em concursos especializados dispensa químicos.
Trata-se de uma mistura de farinhas (calculadas de acordo com a qualidade da safra do trigo), água, sal, fermento e nada mais.
Modelada em cacetinho ou em baguete, ela se transforma em unidades de miolo macio e casquinha dourada após estagiar no forno a lenha que, há 60 anos, é alimentado por eucalipto de reflorestamento e nunca apaga.
VAI LÁ
Estado Luso - Avenida Águas de São Pedro, 298, Vila Pauliceia. @estadoluso.
Padaria: a nossa segunda casa
Pegar pães e frios para levar era a regra até que, na década de 1980, a Dengosa instalou uma copa e instaurou a moda de ajeitar-se próximo ao balcão, pedir um pão na chapa e repetir a ação mais uma vez — no dia seguinte e no outro também.
Outra criação para colocar na conta do endereço é o sanduíche de metro. Pedido sob encomenda, o lanche fez a padoca expandir território e chegar às festinhas de salão de prédio.
Os planos dos sócios, no entanto, eram mais ousado: por que não transformar uma padaria em supermercado ou até em ponto de encontro para uma sopinha na madrugada?
Foi assim que, nos anos 2000, a dupla abriu as portas da Galeria dos Pães para nunca mais fechar.
Essa proposta foi inovadora. A padaria passou a oferecer um mix de todos os produtos que a população precisa durante todo o dia Rui Gonçalves, presidente da Sampapão
VAI LÁ
Dengosa - Rua Dr. Melo Alves, 281, Cerqueira César. @dengosapaes
Galeria dos Pães - Rua Estados Unidos, 1645, Jardim América. @galeriadospaes
Lugar de chef...
Confeitaria e panificação são considerados setores à parte da alta cozinha — exigem conhecimentos técnicos específicos e nada fáceis. Mesmo assim, há chefs que se atraem pelo fazer e vender pão. O francês Olivier Anquier foi um dos primeiros e mais conhecidos a cruzar essa fronteira.
Entre o início da empreitada na Pain de France, aberta em 1994 em Higienópolis, até a investida mais recente — um nova unidade da Mundo Pão, que atualmente conta com um quiosque na Paulista, deve ser inaugurada no Shopping Morumbi em outubro —, rolaram parcerias com a rede Pão de Açúcar, abre-fecha de negócios e muitas receitas com farinha, água e sal em programas de TV.
Outra chef-televisiva apaixonada por pão é Helena Rizzo. Em 2015, ela e a sócia, a apresentadora Fernanda Lima, decidiram criar uma versão paulistana de um estabelecimento que frequentavam em Barcelona.
Na época, ainda poucos eram os lugares focados na qualidade do pão Helena Rizzo
Atualmente com três unidades, a bem-sucedida Padoca do Maní oferece conveniência aliada à seleção cuidadosa de receitas produzidas com a atenção de quem comanda uma das cozinhas mais prestigiadas da América Latina.
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Mundo Pão - Conjunto Nacional. @mundopaodoolivier
Padoca do Maní - Rua Joaquim Antunes, 138, Jardim Paulistano. @manimanioca
... e de quem mais quiser!
Na última década, os donos de padaria ganharam um novo concorrente: a cozinha doméstica. Preparar pão artesanal por conta própria num mundo acelerado e digital se tornou um hobby capaz de estabelecer outra relação com o tempo físico.
O movimento engrossou graças ao acesso ao conhecimento — de vídeos do YouTube a livros como o "Pão Nosso", do jornalista Luiz Américo Camargo — e resultou em padeiros amadores se transformando em profissionais, abrindo novos endereços dedicados à fermentação natural e lenta, livre de aditivos.
O próprio autor cedeu à tentação de abrir a sua portinha. Ou seria a janela? Instalada em três imóveis minúsculos pela cidade, a Na Janela abastece as vitrines diariamente com beigale (pão macio com gergelim em forma de rosca), ciabatta e pães cascudos como o que é feito com 30% de farinha integral.
Abrir uma padaria foi um desdobramento do meu caminho como padeiro — estudando mais, aprendendo mais (sempre, não tem fim!) e buscando outras formas de expressão por meio do pão Luiz Américo
Também profissional da comunicação, Marcos Fecchio assou a primeira fornada aberta para encomendas em 2019. Mas não demorou para que o forno a lastro da cozinha de casa ficasse com tamanho desproporcional à quantidade de clientes que pediam pães como o de abóbora, que leva purê e sementes.
Mais um nessa nova leva de padeiros, ele trocou de vez o mundo corporativo pela Forno Fecchio, em 2021.
Na mudança, os vizinhos já perguntavam a que horas abriríamos. Assim, nos demos conta de que não seríamos uma produção fechada. Gostamos de atender às vontades do público e isso inclui oferecer itens para comer aqui junto de um cafezinho e, em breve, funcionar aos domingos Marcos Fecchio
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Na Janela - Rua São Vicente de Paulo, 603, Higienópolis. @najanelapadaria
Forno Fecchio - Rua Dr. Miranda de Azevedo, 1187, Vila Anglo Brasileira. @fornofecchio
Padoca à moda internacional: da França à Ásia
O amadurecimento das padarias artesanais permitiu a cada empreendedor dar o seu toque no negócio. Entre os que preferem se manter especializados e os que visam uma experiência mais ampla, quem ganha é paulistano, que sempre tem uma novidade para adicionar à lista do que provar.
Com o knowhow do setor de restaurantes, Chico Ferreira apostou numa padoca de sotaque francês com a abertura da Le Jazz Boulangerie, em 2023.
Por um lado, sou apaixonado pelos pães franceses e, por outro, fico encantado com o uso paulistano da padaria Chico Ferreira
A mistura deu liga: há pães de fermentação natural tipo baguete para levar, bufê de almoço e serviço de mesa a qualquer hora, com pedidas clássicas como pão com requeijão na entrada e itens de brunch.
É desse país europeu que vem a viennoiserie, em alta na cidade. O nome difícil compreende as técnicas de confeitaria e panificação que dão origem ao croissant e seus primos — pain au chocolat, danish e tudo mais que apresenta as deliciosas camadas crocantes do manuseio correto de manteiga e farinha.
Físico que mudou de profissão na pandemia, Ramiro Murillo foi considerado o melhor padeiro do Brasil pela Fipan 2023 e faz folhados como ninguém na El Panadero.
Não é mais preciso ir a Paris para comer um ótimo croissant porque São Paulo produz folhados excelentes. Essa é uma moda que explodiu pelo mundo, inclusive na Ásia Ramiro Murillo
Nesse mesmo intercâmbio de pães, informações e cultura, a capital paulista assiste a ascensão de uma nova vertente: as padarias orientais.
"A Coreia e o Japão fazem uma reinterpretação de clássicos ocidentais. A principal diferença está em destacar a maciez e colocar recheios", explica Daniel Park, dono do restaurante coreano Komah e da recém-aberta Komah Bakery.
Sucesso de público, sobretudo dos fãs de K-drama e K-pop, o lugar é especializado em pães tipo Tangzhong, caracterizado por acrescentar à massa uma espécie de mingau preparado com farinha e água para aveludar a textura.
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Le Jazz Boulangerie - Rua Joaquim Antunes, 501, Pinheiros. @lejazzboulangerie
El Panadero - Rua Amália de Noronha, 251, Pinheiros. @elpanaderopao
Komah Bakery - Rua Girassol, 273, Vila Madalena. @komahbakery
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