Um roteiro pela história do pão em SP, da padaria centenária à moda coreana

Tradicional ou artesanal? Pegar para levar ou comer no local? Colocar requeijão na entrada ou na saída? O setor de padarias está cheio de dicotomias. São oposições e polêmicas que só funcionam em temas capazes de afetar, enervar, apaixonar — e não é segredo para ninguém que os paulistanos são completamente caidinhos pelas padocas, né?

Independentemente da receita, do preço ou do fermento, a cultura de comprar pão mantém viva a diversidade e faz com que seja possível aprender sobre panificação por meio de estabelecimentos em funcionamento.

Estado Luso
Estado Luso Imagem: Fernando Moraes

É por isso que nos próximos parágrafos você encontra um roteiro pela história do pão em São Paulo.

Mais que antiga, centenária

Cem anos é pouco perto da primeira vez que se comeu um pãozinho de farinha branca em terras brasileiras — os registros são lá do período colonial. Mas a popularização e a venda ganharam força com a construção do moinho Matarazzo, em 1900, e com a imigração italiana, cujo auge rolou entre 1870 e 1930.

Essa herança pode ser vista em endereços centenários que seguem na ativa. É o caso da Padaria Carillo.

Foto antiga da família Carillo: o uso do termo 'pão caseiro' tem um porquê
Foto antiga da família Carillo: o uso do termo 'pão caseiro' tem um porquê Imagem: Arquivo pessoal

De Nápoles à capital paulista, Raphaelle Carillo foi um dos expoentes do pão levemente cascudo.

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Seria estranho se na Itália esse pão fosse chamado de italiano. É por isso que nas fotos mais antigas está escrito: pão caseiro

Quem me conta isso é Guilherme, bisneto que comanda a padaria e, junto do irmão Gabriel, continua a tradição de levar os pães redondos ou em filões até os clientes.

Os irmãos Guilherme e Gabriel tocam a padaria Carillo, que herdaram do bisavô
Os irmãos Guilherme e Gabriel tocam a padaria Carillo, que herdaram do bisavô Imagem: Arquivo pessoal

Só mudou, é claro, o meio de transporte. Antes, iam a cavalo pelas ruas de terra. Agora, mandam em carros sobre o asfalto.

Após a pandemia, o negócio instalado na Mooca ganhou uma sede renovada. Entre as novidades, está outro clássico do país da bota: cannoli recheado na hora.

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Padaria Carillo - Avenida Álvaro Ramos, 2071, Mooca. @padariacarillo

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A soberania do pão francês

Segundo a Sampapão, os equipamentos da cidade assam, juntos, 25 milhões de pães franceses por dia — a receita é a número 1 de todo estabelecimento que decide colocá-lo na vitrine.

Atualmente, porém, achar um bom francês é coisa rara na cidade. Quer uma sugestão certeira? Vá à Estado Luso.

Produção na Estado Luso: mesma receita desde 1965
Produção na Estado Luso: mesma receita desde 1965 Imagem: Fernando Morais/UOL

Repetida diariamente desde 1965, a massa premiada em concursos especializados dispensa químicos.

Trata-se de uma mistura de farinhas (calculadas de acordo com a qualidade da safra do trigo), água, sal, fermento e nada mais.

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Modelada em cacetinho ou em baguete, ela se transforma em unidades de miolo macio e casquinha dourada após estagiar no forno a lenha que, há 60 anos, é alimentado por eucalipto de reflorestamento e nunca apaga.

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Estado Luso - Avenida Águas de São Pedro, 298, Vila Pauliceia. @estadoluso.

A massa do pãozinho sendo preparada para entrar no forno à lenha que nunca é apagado
A massa do pãozinho sendo preparada para entrar no forno à lenha que nunca é apagado Imagem: Fernando Moraes/UOL

Padaria: a nossa segunda casa

Pegar pães e frios para levar era a regra até que, na década de 1980, a Dengosa instalou uma copa e instaurou a moda de ajeitar-se próximo ao balcão, pedir um pão na chapa e repetir a ação mais uma vez — no dia seguinte e no outro também.

Outra criação para colocar na conta do endereço é o sanduíche de metro. Pedido sob encomenda, o lanche fez a padoca expandir território e chegar às festinhas de salão de prédio.

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Nem sempre o pão na chapa no balcão foi uma tradição: as padarias abriram o leque de serviços
Nem sempre o pão na chapa no balcão foi uma tradição: as padarias abriram o leque de serviços Imagem: Keiny Andrade/UOL

Os planos dos sócios, no entanto, eram mais ousado: por que não transformar uma padaria em supermercado ou até em ponto de encontro para uma sopinha na madrugada?

Foi assim que, nos anos 2000, a dupla abriu as portas da Galeria dos Pães para nunca mais fechar.

Essa proposta foi inovadora. A padaria passou a oferecer um mix de todos os produtos que a população precisa durante todo o dia Rui Gonçalves, presidente da Sampapão

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Dengosa - Rua Dr. Melo Alves, 281, Cerqueira César. @dengosapaes
Galeria dos Pães - Rua Estados Unidos, 1645, Jardim América. @galeriadospaes

Vitrine da Galeria dos Pães: a era das superpadarias
Vitrine da Galeria dos Pães: a era das superpadarias Imagem: Keiny Andrade/UOL
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Lugar de chef...

Confeitaria e panificação são considerados setores à parte da alta cozinha — exigem conhecimentos técnicos específicos e nada fáceis. Mesmo assim, há chefs que se atraem pelo fazer e vender pão. O francês Olivier Anquier foi um dos primeiros e mais conhecidos a cruzar essa fronteira.

Olivier Anquier: um dos chefs pioneiros a investir na panificação
Olivier Anquier: um dos chefs pioneiros a investir na panificação Imagem: Reprodução

Entre o início da empreitada na Pain de France, aberta em 1994 em Higienópolis, até a investida mais recente — um nova unidade da Mundo Pão, que atualmente conta com um quiosque na Paulista, deve ser inaugurada no Shopping Morumbi em outubro —, rolaram parcerias com a rede Pão de Açúcar, abre-fecha de negócios e muitas receitas com farinha, água e sal em programas de TV.

Outra chef-televisiva apaixonada por pão é Helena Rizzo. Em 2015, ela e a sócia, a apresentadora Fernanda Lima, decidiram criar uma versão paulistana de um estabelecimento que frequentavam em Barcelona.

Na época, ainda poucos eram os lugares focados na qualidade do pão Helena Rizzo

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Mix de pães da Padoca do Maní
Mix de pães da Padoca do Maní Imagem: Angelo del Bó

Atualmente com três unidades, a bem-sucedida Padoca do Maní oferece conveniência aliada à seleção cuidadosa de receitas produzidas com a atenção de quem comanda uma das cozinhas mais prestigiadas da América Latina.

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Mundo Pão - Conjunto Nacional. @mundopaodoolivier
Padoca do Maní - Rua Joaquim Antunes, 138, Jardim Paulistano. @manimanioca

... e de quem mais quiser!

Na última década, os donos de padaria ganharam um novo concorrente: a cozinha doméstica. Preparar pão artesanal por conta própria num mundo acelerado e digital se tornou um hobby capaz de estabelecer outra relação com o tempo físico.

O movimento engrossou graças ao acesso ao conhecimento — de vídeos do YouTube a livros como o "Pão Nosso", do jornalista Luiz Américo Camargo — e resultou em padeiros amadores se transformando em profissionais, abrindo novos endereços dedicados à fermentação natural e lenta, livre de aditivos.

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O próprio autor cedeu à tentação de abrir a sua portinha. Ou seria a janela? Instalada em três imóveis minúsculos pela cidade, a Na Janela abastece as vitrines diariamente com beigale (pão macio com gergelim em forma de rosca), ciabatta e pães cascudos como o que é feito com 30% de farinha integral.

Vitrine de folhados do Na Janela, do jornalista Luiz Américo Camargo
Vitrine de folhados do Na Janela, do jornalista Luiz Américo Camargo Imagem: Divulgação

Abrir uma padaria foi um desdobramento do meu caminho como padeiro — estudando mais, aprendendo mais (sempre, não tem fim!) e buscando outras formas de expressão por meio do pão Luiz Américo

Também profissional da comunicação, Marcos Fecchio assou a primeira fornada aberta para encomendas em 2019. Mas não demorou para que o forno a lastro da cozinha de casa ficasse com tamanho desproporcional à quantidade de clientes que pediam pães como o de abóbora, que leva purê e sementes.

Mais um nessa nova leva de padeiros, ele trocou de vez o mundo corporativo pela Forno Fecchio, em 2021.

Produção na Forno Fecchio, representante da nova leva de padarias
Produção na Forno Fecchio, representante da nova leva de padarias Imagem: Silvio Ferreira
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Na mudança, os vizinhos já perguntavam a que horas abriríamos. Assim, nos demos conta de que não seríamos uma produção fechada. Gostamos de atender às vontades do público e isso inclui oferecer itens para comer aqui junto de um cafezinho e, em breve, funcionar aos domingos Marcos Fecchio

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Na Janela - Rua São Vicente de Paulo, 603, Higienópolis. @najanelapadaria
Forno Fecchio - Rua Dr. Miranda de Azevedo, 1187, Vila Anglo Brasileira. @fornofecchio

Padoca à moda internacional: da França à Ásia

O amadurecimento das padarias artesanais permitiu a cada empreendedor dar o seu toque no negócio. Entre os que preferem se manter especializados e os que visam uma experiência mais ampla, quem ganha é paulistano, que sempre tem uma novidade para adicionar à lista do que provar.

Le Jazz Boulangerie: padoca com sotaque francês
Le Jazz Boulangerie: padoca com sotaque francês Imagem: Créditos Laiís Acsa

Com o knowhow do setor de restaurantes, Chico Ferreira apostou numa padoca de sotaque francês com a abertura da Le Jazz Boulangerie, em 2023.

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Por um lado, sou apaixonado pelos pães franceses e, por outro, fico encantado com o uso paulistano da padaria Chico Ferreira

A mistura deu liga: há pães de fermentação natural tipo baguete para levar, bufê de almoço e serviço de mesa a qualquer hora, com pedidas clássicas como pão com requeijão na entrada e itens de brunch.

Muito além do pão francês: os croissants são destaque na Le Jazz
Muito além do pão francês: os croissants são destaque na Le Jazz Imagem: Laís Acsa

É desse país europeu que vem a viennoiserie, em alta na cidade. O nome difícil compreende as técnicas de confeitaria e panificação que dão origem ao croissant e seus primos — pain au chocolat, danish e tudo mais que apresenta as deliciosas camadas crocantes do manuseio correto de manteiga e farinha.

Físico que mudou de profissão na pandemia, Ramiro Murillo foi considerado o melhor padeiro do Brasil pela Fipan 2023 e faz folhados como ninguém na El Panadero.

Não é mais preciso ir a Paris para comer um ótimo croissant porque São Paulo produz folhados excelentes. Essa é uma moda que explodiu pelo mundo, inclusive na Ásia Ramiro Murillo

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Ramiro Murillo: de físico ao título de melhor padeiro do Brasil
Ramiro Murillo: de físico ao título de melhor padeiro do Brasil Imagem: Nanda Ferreira

Nesse mesmo intercâmbio de pães, informações e cultura, a capital paulista assiste a ascensão de uma nova vertente: as padarias orientais.

"A Coreia e o Japão fazem uma reinterpretação de clássicos ocidentais. A principal diferença está em destacar a maciez e colocar recheios", explica Daniel Park, dono do restaurante coreano Komah e da recém-aberta Komah Bakery.

Komah Bakery: as padarias orientais estão em ascensão em São Paulo
Komah Bakery: as padarias orientais estão em ascensão em São Paulo Imagem: Laís Acsa

Sucesso de público, sobretudo dos fãs de K-drama e K-pop, o lugar é especializado em pães tipo Tangzhong, caracterizado por acrescentar à massa uma espécie de mingau preparado com farinha e água para aveludar a textura.

VAI LÁ
Le Jazz Boulangerie - Rua Joaquim Antunes, 501, Pinheiros. @lejazzboulangerie
El Panadero - Rua Amália de Noronha, 251, Pinheiros. @elpanaderopao
Komah Bakery - Rua Girassol, 273, Vila Madalena. @komahbakery

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