Michelin intimidava clientes: restaurante italiano decide devolver estrela
O restaurante Giglio, na cidade de Lucca, na turística região italiana da Toscana, resolveu devolver sua estrela Michelin para retornar às origens mais casuais de seu serviço. A distinção foi recebida pela casa em 2019 e reconheceu o estabelecimento como um destino de alta gastronomia da área.
Na última semana, seus proprietários anunciaram que pediram à organização do guia que removesse a estrela antes que a próxima edição seja publicada.
Não temos nada contra o sistema Michelin. Estamos dizendo 'não nos vemos mais de uma determinada forma', explicou um dos donos, Benedetto Rullo, de 35 anos, ao jornal britânico The Times.
A atmosfera do Giglio é, definitivamente, condizente com o glamour associado ao guia gastronômico. Localizado de frente ao Teatro Municipal de Giglio, uma casa de ópera do século 19, ele tem capacidade para servir cerca de 50 pessoas por vez em um grande salão decorado com afrescos no teto e espelhos de molduras douradas.
No entanto, o restaurante quer ser informal e acessível na cozinha. O menu do mês serve camarões-rei acompanhados de romãs, abóbora grelhada e queijo mascarpone, torta de damasco seco, castanhas e cogumelos, além de um risoto de parmesão com redução de vinho Chianti.
"É um restaurante muito informal com um cardápio compreensível a todos. Não somos o tipo de lugar onde você vem adorar chefs que são estrelas", afirmou Benedetto à publicação. A estrela Michelin, para ele, se tornou um fardo porque muitos clientes acabavam intimidados pela possibilidade de uma comida "complicada" e uma atmosfera formal.
Você deve ser capaz de ir a um restaurante fino de camiseta, chinelos e shorts, acredita.
Para o time da casa, manter o status de um restaurante Michelin trouxe níveis "incríveis" de estresse e o resultado "não os representava mais".
À Vanity Fair italiana, Stefano Terigi — segundo membro do trio de chefs do Giglio; além de Rullo, Lorenzo Stefanini completa a equipe — explicou que a estrela acabava interferindo até nas decisões da cozinha nos últimos tempos.
"Hoje, após cinco anos de estrela Michelin, não a queremos mais, queremos encontrar aquele desejo de nos divertir que perdemos. A estrela Michelin é uma honra, mas também impõe um estilo e um tipo de pressão na escolha do menu e da atmosfera do lugar, que não é mais nosso. Nós entendemos que queremos voltar a ser um restaurante para todo dia e para todas as ocasiões, onde clientes possam aproveitar a experiência e curtir um ambiente alegre. Queremos trabalhar com um sorriso."
Antes do reconhecimento, o Giglio servia cerca de 35 mil pessoas, depois passaram a servir apenas 11 mil, ainda de acordo com a revista. E os preços subiram. No início, o cardápio ainda refletia as raízes da casa, mas eles perceberam que tentar manter as duas realidades ao mesmo tempo era inútil e passaram a tentar oferecer "o estilo Michelin".
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Quero receber"Dedicamos cada vez mais atenção aos detalhes, ao serviço, técnicas, escolha de ingredientes, já que o guia impõe uma expectativa para aqueles que o seguem, seus clientes esperam inevitavelmente uma certa formalidade", contou Lorenzo Stefanini. No fim, o restaurante que o trio tinha, frisou Rullo, já não pertencia a eles.
De acordo com o Times, a maior parte da clientela esperava, sim, mais formalidade após o reconhecimento pelo guia, mas ao mesmo tempo buscavam um clima mais tranquilo. Portanto, é possível que os donos do Giglio se preocupassem com a chance de perder em longo prazo (ainda mais) a freguesia cativa, que visita o restaurante desde tempos menos célebres.
Ironicamente, o guia Michelin foi criado pela empresa de pneus para ajudar os motoristas que cruzavam o país a encontrar paradas onde pudessem fazer uma boa refeição na estrada. As estrelas começaram a ser dadas em 1926, mas ao longo das décadas se tornou mais sinônimo de sofisticação gastronômica do que simplesmente indicações populares.
Os chefs do Giglio não estão sozinhos. Em 2021, Yoki Tokuyoshi fechou seu restaurante estrelado de comida japonesa em Milão e o reabriu como uma casa mais simples. À revista GQ ele justificou que a mudança permitiu reduzir a equipe em um terço e dobrar os lucros. O britânico Marco Pierre White, que se tornou o mais jovem chef a ganhar três estrelas em 1994, devolveu a distinção cinco anos depois para passar mais tempo com os filhos.
Restaurantes gourmet estariam em crise na Itália, apontou o jornal italiano Il Sole 24 Ore em julho. Não à toa, o chef Igles Corelli — que já recebeu cinco estrelas Michelin em sua carreira e faz sucesso na tevê de lá — destacou o Giglio como mau exemplo para outras casas que pretendem se destacar.
"No momento, as pessoas querem comida simples e um retorno às tradições, mas na primavera a comida de fusão e contemporânea estará na moda. A alta gastronomia não morreu, está descansando, e um dia voltará com tudo."
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