Azeite premiado faz diferença para consumidor? Mercado diz que sim

Há mais informação sobre o azeite de oliva do que o rótulo permite imprimir. Aos produtos considerados artesanais ou premium já não bastam o país de produção e o nível de acidez: são requeridos selos, medalhas, troféus e posições em rankings internacionais que garantam sua qualidade.

E aqui se fala do azeite de oliva extravirgem que, de acordo com o Conselho Oleícola Internacional (COI), apresenta acidez inferior a 0,8 gramas por 100 gramas.

Tecnicidades à parte, acompanhar as premiações conquistadas pelas marcas ao redor do mundo é uma espécie de norte dos que se interessam em investir nos produtos especiais.

"Oscar dos azeites"

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O prêmio Mario Solinas Quality Award — que homenageia o pesquisador italiano que auxiliou na criação dos critérios de qualidade do produto — é organizado pelo COI há mais de duas décadas e recebe amostras de todo o mundo anualmente.

A intenção é encorajar produtores, associações e distribuidores a comercializarem azeites de oliva extravirgem, ao mesmo tempo que incentiva os consumidores a apreciarem seus atributos, diz Mercedes Fernández Albaladejo, chefe da Unidade de Normalização e Investigação do COI.

"O prêmio reconhece a mais alta qualidade dos extravirgem, concentrando-se em fatores como frutado, harmonia, sabor, aromas e excelência geral", acrescenta Maria Juarez, chefe da Unidade de Economia e Promoção do mesmo órgão.

As diretrizes, categorias e requisitos de envio são revistos a cada edição do Mario Solinas pelos especialistas do COI.

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Com degustação às cegas, o prêmio reúne líderes de painéis de degustação do mundo todo que, como jurados, devem seguir rigorosamente as regras de análise sensorial na avaliação das amostras. Depois do resultado final, não há lugar para apelação.

Prêmios ao sul

Produzido na Fazenda Serra dos Tapes, em Canguçu (RS), o Potenza Frutado é o primeiro (e ainda único) brasileiro a conquistar o Mario Solinas de Melhor Azeite do Hemisfério Sul na competição mundial.

Potenza Frutado
Potenza Frutado Imagem: Roberta Pereira

As chances de mais rótulos abaixo da Linha do Equador levarem o "Oscar" vêm aumentando, já que o Mario Solinas acaba de estrear sua edição para o Hemisfério Sul, cuja premiação está marcada para o dia 7 de novembro.

Ao lado de uruguaios e argentinos, três brasileiros se destacaram: o Estância das Oliveiras, de Viamão (RS), foi um dos ganhadores do primeiro prêmio, enquanto a Fazenda Sabiá da Vigia, de Encruzilhada do Sul (RS) e o Orfeu, de São Sebastião da Grama (MG) ficaram entre os finalistas.

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"É muito bom, pois temos os azeites mais frescos competindo em igualdade de condições. Antes eles chegavam com quase um ano de atraso, em relação aos do Hemisfério Norte", diz Gonzalo Aguirre, presidente da ASOLUR (Asociación Olivícola Uruguaya).

Ele se refere à colheita das azeitonas: se no Sul global ela acontece entre janeiro e abril, no Norte é entre outubro e dezembro, quando as amostras são recebidas pelo concurso mundial.

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Ainda que Nova Zelândia, Austrália, África do Sul, Peru, Chile, Argentina, Brasil e Uruguai representem cerca de 5% do mercado, ele vislumbra exportações no horizonte:

O Hemisfério Norte passa a entender que há azeites frescos aqui quando os de lá estão há mais de seis meses estocados.

No Brasil, a salvação da lavoura...

Na última lista do Guía ESAO (sigla para Escola Superior de Azeite de Oliva), o mesmo Potenza foi cotado como o Melhor Azeite de Oliva Extravirgem Brasileiro, adquirindo a primeira estrela da América do Sul daquele que é conhecido como o "Michelin dos azeites".

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O prêmio da ESAO é decidido pelos próprios membros da instituição, que se reúnem durante todo o ano em painéis de degustação. Os azeites — apenas os da categoria extravirgem — são divididos entre comerciantes e produtores, condimentos e inovações, avaliados segundo critérios sensoriais específicos, mas todos utilizados pelo Ministério da Agricultura da Espanha.

Segundo o EVOO World Ranking, o Brasil é o sexto em premiações — 298 em 26 concursos —, com 29 azeites em sua lista própria, a "EVOO Of The Year".

Os concursos têm o potencial de tornar azeites desconhecidos desejados, diz Bia Pereira, sócia-fundadora do Azeite Sabiá, produzido em Santo Antônio do Pinhal (SP) e Encruzilhada do Sul (RS).

Azeite Sabiá, um dos brasileiros mais premiados
Azeite Sabiá, um dos brasileiros mais premiados Imagem: Marcela Oliveira

Se hoje a marca é referência na área, foi o aval inicial que fez com que ela chegasse aos primeiros empórios.

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"Ter uma alavanca forte como um prêmio ajuda a vender e a mitigar as dificuldades de distribuição, tão fragmentada no Brasil e que, muitas vezes, fica a cargo do produtor", diz Sandro Marques, degustador profissional de azeites.

...não sem perrengues

Os desafios para participar das premiações ainda existem, sobretudo de logística.

Às vezes o produto fica preso na alfândega e ficamos receosos se ele vai ser bem armazenado até chegar aos avaliadores. O azeite é super perecível, ele sofre alterações em contato com luz e calor. Imagine uma garrafa passar dias em um navio quente, diz Pereira.

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Mesmo com as barreiras, o Sabiá acumula conquistas desde a origem e só em 2024 foram Portugal, China, Turquia, Grécia e Espanha: no último país, foi o segundo brasileiro do Guía ESAO e, pelo terceiro ano consecutivo, um dos dez melhores do Evooleum.

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A produção brasileira ainda é tímida — são 500 toneladas por ano, o que representa em torno de 0,5% do que é consumido no país — e há olivicultores que não conseguem atingir a litragem solicitada, ainda que algumas provas destinem cotas específicas para atendê-los.

No Evooleum, os que têm menos de 2.500L do produto concorrente armazenado podem se candidatar ao TOP 20 de produção limitada.

Estratégia premiada

Um dos últimos contemplados foi Herbert Sales, produtor de azeites e proprietário da Essenza Vinícola, em Maria da Fé (MG), cuja linha Mantikir Summit Premium ficou em primeiro lugar na categoria especial do concurso espanhol.

Azeite Mantikir, da Essenza Vinícola
Azeite Mantikir, da Essenza Vinícola Imagem: Reprodução/Instagram

Com 800 litros produzidos na última safra — e detentor do olival mais alto do mundo, a 1.910m de altitude —, Sales trouxe títulos da Itália, Japão, Grécia, Portugal, Espanha e França apenas esse ano. Só entre agosto e setembro, foram quatro medalhas de ouro no Carthage Olive Oil Competitions, na Tunísia, e três no Olio Nuovo Days, na França — incluindo o de Melhor Azeite do Hemisfério Sul.

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Não é só plantar. É preciso ter conhecimento técnico para participar do concurso, e o produto é a prova disso. Aos poucos, adquire-se expertise, ao considerar o que mais se avalia: amargor, picância, persistência na boca, diz Sales.

Assim como quem pretende ter um filme selecionado em um importante festival, o produtor de azeite busca extrair o melhor do seu lagar para os concursos, mas não só. "Escolho o dia mais frio, em que o fruto chegará mais gelado ao lagar, onde será processado sem esquentar. Tudo isso conta para fazer um bom azeite."

O esforço compensa, segundo ele:

As premiações têm o potencial de levantar uma empresa.

O importante é competir

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Imagem: Getty Images/Bloomberg Creative
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A chegada brasileira aos principais pódios mundiais é um atestado de que o país vai bem. "Temos máquinas modernas e mestres de lagar com sensibilidade na arte de extração, além de frutos bem cuidados", diz Marques, que complementa:

A harmonia entre os parâmetros do COI, picância, amargor e frutado, e a complexidade e a quantidade de notas sensoriais de alguns premiados têm impressionado.

O cenário evoluiu tanto que os azeites nacionais já começam a ser avaliados também dentro do país.

No último ano, o Prêmio CNA Brasil Artesanal, que já classifica chocolates, queijos e cachaças artesanais, passou a se dedicar aos azeites de oliva. Dos 58 extra virgens recebidos pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, dez foram premiados — o blend do Sabiá com o primeiro lugar.

O que importa para o consumidor?

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Se as premiações nasceram na transição das prensas manuais para as novas tecnologias, nos anos 1990, hoje elas estão apontadas para uma direção: a formação do gosto.

Os concursos têm ajudado a disseminar a cultura do azeite, provando que cada produto tem sua particularidade, diz Marques.

"Os degustadores eram restritos à agronomia, química, engenharia de alimentos e biologia, mas hoje perfumistas e cozinheiros também participam", diz Marcelo Scofano, azeitólogo, consultor e docente em gastronomia. A presença de especialistas brasileiros nas mesas de júri internacional é igualmente significativa. "É um atestado de maturidade para o nosso mercado", afirma Marques.

Esta formação é ampla e passa por todos os atores da cena: produtores, especialistas, consultores, professores, degustadores, consumidores e membros de júris."Ela é um pilar fundamental para que o consumidor e profissionais se apropriem da cultura oleícola", diz Susana Romera, diretora técnica da ESAO.

"Reconhecimentos internacionais mostram que estamos conseguindo fazer um produto nos padrões dos locais de tradição", diz Cláudia Santos, sommelier de azeites e mestra de lagar da Fazenda Serra dos Tapes, cujos rótulos reúnem medalhas de países como Estados Unidos, Emirados Árabes, Itália e Espanha.

Única mestra de lagar do Brasil, ela ressalta a importância do investimento em cursos e especializações para as conquistas e reconhece a importância de, hoje, focar em determinados prêmios, como os que exigem que as amostras enviadas venham de tanques lacrados, fiscalizados em cartório.

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Os consumidores querem ter a experiência de provar o produto premiado, de entender aquele diferencial, diz Santos.

"É importante dar destaque para o produtor de acordo com a amostra e o concurso para o qual ela foi enviada", complementa Ana Beloto, azeitóloga e especialista em azeites.

"As medalhas e os jurados que avaliam os azeites vêm chancelando a mente do consumidor", diz Sales.

Qualidade ou business?

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É exatamente por conta desse peso que a profusão de competições pelo mundo — algumas delas fornecendo medalhas para a totalidade de participantes — levanta questões sobre a possibilidade de se fazer delas um negócio.

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Há concursos que cobram até 300 euros por amostra. É uma fábrica de dinheiro, está se tornando um lugar comum, comenta Scofano.

Ele lembra o caso de uma prova que recebeu 600 amostras, sendo mais de 15% do Brasil. "Como, se o país produz 0,01% do azeite do mundo? Neste caso, só pode ter alguém fazendo o trabalho de amealhar clientes, distribuindo prêmios", questiona ele.

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