Será que o rei ficou 'alto'? O que é a ava, que Charles bebeu na Samoa
Colaboração para Nossa
26/10/2024 12h00
O rei Charles 3º está se divertindo na sua visita à Samoa — ao menos é o que sua escolha de drinque indica. O monarca do Reino Unido foi fotografado tomando um gole de ava, bebida tradicional da região do Pacífico, durante uma cerimônia em que foi nomeado "tui taumeasina" ou "grande líder" da ilha, segundo informações da agência AFP.
Ao brindar dentro de um coco, o rei declarou: "Deus abençoe esta ava", e foi aplaudido pelos locais. Esta é a primeira visita dele à ex-colônia britânica, como parte de uma turnê de 11 dias pela região da Austrália. Mas, afinal, que bebida é essa?
Extrato de ervas teria propriedades psicoativas
A bebida de sabor apimentado virou notícia em 2022, quando o ex-vice-primeiro-ministro da Austrália Michael McComarck foi hospitalizado por beber ava — ou kava, como é conhecida na Nova Zelândia e outros destinos polinésios — por acidente em uma cerimônia na Micronésia.
A ava é feita da raiz em pó da planta Piper methysticum, cujo nome oficial é apenas kava ou kava kava, e nela são encontradas kavalactonas — compostos que possuem propriedades psicoativas e até ansiolíticas. Ela teria se originado em Vanuatu e se espalhado pela região, com a bebida sendo provada em cerimônias e encontros sociais, relatou o especialista Apo Aporosa, professor de saúde do Pacífico da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia, ao jornal britânico The Guardian.
Nativa do Pacífico equatorial, a planta kava é usada também no Havaí, na Micronésia, nas Ilhas Cook, Taiti, Tonga e Ilha de Páscoa. Segundo um estudo do professor John Lynch, da Universidade do Pacífico Sul, é possível que o termo kava se referisse inicialmente a mais de uma planta, incluindo o Zingiber zerumbet, popularmente chamado de gengibre amargo, que também possui forte sabor e kavalactonas capazes de efeitos psicoativos.
Como a ava é preparada?
Ao The Guardian, Aporosa explicou que os samoanos arrancam a kava do chão, lavam e, em alguns casos, deixam secar. Então ela é macerada e ralada até que se torne um pó.
Depois, ele é misturado com água e peneirado com o uso de panos porosos. No caso da bebida servida ao rei, teria sido usada uma peneira feita de cascas secas. Os preparos podem ser mais intensos ou suaves, dependendo da quantidade de água adicionada para diluir o pó da planta.
Qual é o efeito da ava?
É provável que o rei Charles tenha saído do encontro mais calmo, relaxado e até um pouco sonolento. "Alguns descrevem a sensação da kava como estar petrificado no seu corpo, relaxado. No entanto, sua mente fica clara, não há inebriação", observou Aporosa ao jornal.
Apesar de ter sua venda e uso restrito em alguns países como o Reino Unido, os EUA e a Austrália por "potenciais riscos à saúde", ava é considerada "segura" quando bebida em doses moderadas, segundo a pesquisadora do assunto Julia Butt, da Universidade Edith Cowan. "Você não vai ficar altamente excitado, alucinar ou coisa parecida. Não é uma droga significativamente prejudicial de forma alguma", opinou ao veículo britânico.
É interessante notar que a kava kava é considerada um medicamento para ansiedade no Brasil, sendo vendida em cápsulas em redes de farmácias.
Quem bebe a ava nos cerimoniais polinésios também descreve uma sensação de dormência ou formigamento na boca, com altas doses levando à sedação, olhos vermelhos, indigestão e náusea — como aconteceu com Michael McCormack. O uso prolongado pode resultar ainda em descamação da pele, segundo Julia Butt.
Como se bebe a ava?
Nas comunidades do Pacífico, há protocolos para beber a ava (ou kava), graças à importância cerimonial da bebida. "Você bebe todo o conteúdo da tigela que recebe de uma vez", explicou Aporosa ao Guardian. As quantidades são grandes: uma porção é servida a cada 10 minutos por um longo período ou costumam beber cerca de 600 ml por hora.
O preparo da bebida é feito em recipientes cerimoniais, como a tanoa de madeira de Fiji, e geralmente ela é consumida em grupos sentados em um círculo no chão, já que o propósito da experiência é a conexão com o próximo enquanto se bebe — como aconteceu com o rei Charles 3º, que ganhou sua tigela enquanto era reconhecido como um líder também pela população de Samoa.
Segundo um manual oficial da planta publicado em 2018 pelo governo samoano, a cerimônia e a ingestão de ava servem ainda para marcar importantes eventos há cerca de 3.000 anos.
"Se eu viesse à sua casa amanhã, traria kava comigo. Kava tem a ver com conexão, unidade, entendimento e aprendizagem uns com os outros", acredita o estudioso ouvido pelo veículo britânico. No entanto, hoje existem bares dedicados a ela em Vanuatu e também em Fiji, com muita gente já tomando sua kava em casa ou nas ruas.