'Bacon baiano', fumeiro atravessou séculos e hoje chega à alta gastronomia

Crocante por fora, suculenta por dentro. E, apesar de maturada, não é salgada, mas tem um perceptível (mas não exagerado) sabor de defumado. Com vocês, a carne de fumeiro.

A iguaria que é originaria da Bahia, especialmente do município de Maragogipe, no Recôncavo Baiano, está chegando aos restaurantes de São Paulo, do Mocotó do chef Rodrigo Oliveira ao D.O.M, do chef Alex Atala.

Já em Salvador, além das feiras populares, a carne brilha no Manga, dos Dante e Katrin Bassi, e faz parte dos menus que rodam na casa.

Do fogo para a mesa

O fumeiro é produzido há pelo menos 300 anos, técnica que foi passada de geração para geração, como conta Bruna Moreira, chef de cozinha e charcutaria do Mocotó.

Carne de fumeiro, do Mocotó
Carne de fumeiro, do Mocotó Imagem: Ricardo Castilho Jr

Produzida artesanalmente a partir de carne de porco — geralmente o coxão mole —, ela é aberta em mantas, salgada e defumada em moquéns (que é a expressão indígena para a técnica de desidratar carnes e peixes).

Geovane Carneiro, chef do D.O.M, onde a carne é encontrada em um snack em uma das etapas do novo menu em comemoração aos 25 anos do restaurante, explica que ela era muito usada antigamente porque as pessoas não tinham onde conservar o alimento.

A população abatia o porco e escolhia as partes - geralmente cortes de segunda, que são aqueles cortes mais duros. Depois disso, faziam a manta, salgavam e depois levavam para defumar.

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A defumação era feita no próprio fogão à lenha enquanto cozinhavam, colocando a carne de fumeiro em cima do fogão. Com o calor do fogo, ela já ia maturando e defumando, ficando pronta para consumo.

Que sabor tem

Para Dante e Katrin, a carne de fumeiro tradicional se aproxima em sabor e textura de um bacon mais magro.

"O processo de cura e defumação fazem a carne ficar um pouco mais seca e salgada, o que exige em alguns casos que a carne de fumeiro seja colocada de molho na água antes de ser usada", explicam.

Geovane , por sua vez, a descreve como carne de sabor suave, um leve defumado, textura crocante por fora e bem macia no centro. "Pode-se dizer que ela tem 20% de umidade".

Sabor afetivo e da alta gastronomia

O fumeiro é uma iguaria que esteve muito presente em minha infância, e junto com o amendoim cozido era a pedida clássica para acompanhar um jogo de futebol, conta Dante.

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Carne de fumeiro, do Manga
Carne de fumeiro, do Manga Imagem: Divulgação

O Manga desenvolve seu próprio fumeiro. Claro, não pelo método centenário: ao invés de fazer uma cura seca, a carne é marinada em uma salmoura por 48h antes de defumar.

Também foi pensado um corte alternativo que oferecesse mais maciez e marmoreio. Para isso, escolheram o shortrib ou sobrepaleta de porco Duroc, que chega à mesa com alface romana na brasa, aipim, agrião e caldo de mexilhão com açafrão.

Geovane lista opções que em que o fumeiro vai bem: baião de dois, feijão tropeiro ou levemente frito na manteiga com cebola e servir com mandioca. "Aqui no D.O.M. ela aparece como entrada em um prato em que a laminamos e servimos por cima da mandioca", descreve.

Bruna também tem sua lista em preparações frias ou quentes (mais comum): pode ser o steak em um prato principal, a charcutaria de um sanduiche, carne de um petisco, salada, item de cozido de leguminosas, ou até mesmo sendo recheio de alguma preparação.

"Minhas preparações favoritas são fumeiro acebolado, sanduiche de fumeiro e lentilha apimentada com fumeiro", entrega.

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Patrimônio nosso

Snack com carne de fumeiro do menu de 25 anos do D.O.M
Snack com carne de fumeiro do menu de 25 anos do D.O.M Imagem: Sergio Coimbra/Studio SC

Espalhar a palavra do fumeiro, na opinião de todos, vai além da mesa.

"Fortalecer e valorizar produtos e pequenos produtores é algo que fazemos muito aqui no D.O.M. e acho que todos no mundo da gastronomia deveriam fazer. Não podemos dar valor somente para o que vem de fora, como trufas e caviar", opina Geovane.

Dante defende a carne de fumeiro como parte do nosso patrimônio cultural e por isso deve ser valorizada e preservada.

Bruna faz coro:

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Colocar produtos nacionais e regionais de qualidade nos lugares de destaque é uma das formas de aproximar pessoas de diferentes culturas e mostrar para o mundo o nosso orgulho de ter tanta riqueza. É importante que isso seja um dos princípios da alta gastronomia brasileira.

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