Carne a R$ 10 mil e pegar avião por um café: os luxos de quem ama comer bem
Quanto você seria capaz de desembolsar por um ingrediente raro? Até onde iria para provar uma delícia difícil de encontrar? No caso dos foodies, os apaixonados por comida e bebida que vivem atrás de novas experiências gastronômicas, o limite é o que o bolso consegue comportar. Se o orçamento permite e o apetite chama, não há quem os faça deixar o objeto de desejo para lá.
Quando inaugurou a boutique de carnes Empório 481, em 2020, dentro do restaurante Fazenda Churrascada, em São Paulo, o empresário Marcelo Shimbo já tinha esta certeza e sabia que venderia muitos quilos de wagyu.
Sua clientela de aficionados por churrasco, com alto poder aquisitivo, não costuma economizar tostões para adquirir os cortes altamente marmorizados dessa carne, considerada a mais cara do mundo. Quanto maior a qualidade e o grau de marmoreio, mais salgado o preço — um chorizo trazido de Kagoshima, no Japão, com classificação A5, a mais alta possível, custa R$ 1.290 o quilo.
A estrela do portfólio era a picanha de wagyu A5 — por ser um gado especialmente robusto, pesadão mesmo, a peça chega a pesar 5 quilos. Shimbo pôs a belezinha na vitrine, mas nem pensou em exibir etiqueta de preço, porque a conta ultrapassava a fabulosa cifra de R$ 10 mil.
Achei que ninguém estaria disposto a pagar pela peça inteira, lembra.
Mas o empresário estava enganado. Passados alguns dias, o funcionário da loja telefonou: "Chefe, precisamos repor a picanha na vitrine, porque foi vendida".
Carne-desejo
Desembolsar quantias vultosas é só uma das extravagâncias que os foodies são capazes de fazer para realizar seus desejos gastronômicos. O comerciante Jairo Borges, cliente assíduo do Empório 481, não perde a chance de organizar churrascos para os amigos e a família e costuma frequentar a loja para desestressar. É quase como dar uma voltinha no parque.
"Aos sábados, chego a passar umas 3 horas lá dentro. Vou para apreciar, notar o marmoreio, conversar com os funcionários e ver o que tem de novo. Você não faz ideia de como é gostoso ficar admirando aqueles cortes na vitrine", ele diz. "Um dia, ainda compro aquela picanha de R$ 10 mil."
O próprio Marcelo Shimbo se considera parte do time e não mede esforços (e reais) para conquistar o steak perfeito. "O que conta não é só o produto em si, mas todo o grau de excelência. Não adianta ter a melhor carne sem a melhor faca, por exemplo. Cortar um steak com faca de serra é até uma ofensa."
Ele conta que passou os últimos 15 anos viajando em função da carne — e não se trata só de visitar fornecedores. Certa vez, de férias pelos Estados Unidos, traçou um roteiro de steak houses para conhecer — mas esqueceu de um detalhe.
Planejei visitar 10 restaurantes em cinco dias, no almoço e no jantar. Chegando lá, descobri que só abriam à noite, mas não cortei o roteiro: jantei duas vezes todas as noites.
Xícara de luxo
Meat lovers não são os únicos capazes de gastar fortunas e viajar para longe só para comer. Louco por café, o economista baiano Daniel Perrucho morou por uma década em São Paulo e esquadrinhou a cidade atrás de boas cafeterias.
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Quero receberCom ajuda do Google Maps, foi compondo um mapa das preferidas e chegou a fazer maluquices por uma boa xícara. "Já perdi mais de um date pelo café. Uma vez, marquei o encontro em uma cafeteria, mas na hora a pessoa sugeriu outro lugar. Eu fiquei, porque achei a experiência na cafeteria mais importante."
Cinco anos atrás, Perrucho se mudou para Vitória da Conquista, na Bahia, e desde então se sente órfão de bons cafés. A namorada, Marina, segue vivendo em São Paulo e teve que se acostumar com a concorrência. "Quando chego, dou um beijinho e corro para o Pato Rei, que fica perto", entrega o rapaz, que já fez até festa de aniversário na cafeteria.
Loucuras? Ele também já fez. Quando soube que haveria uma degustação de lotes raros em São Paulo, comprou no ato a passagem de avião. Detalhe: o evento aconteceria naquele mesmo dia.
Paguei muito caro pela passagem, deixei a mala no carro de um amigo e fui direto para a cafeteria. Mas valeu a pena.
A nova paixão de Perrucho atende pelo nome de Lelit. Trata-se de uma máquina de espresso de alta performance, fabricada nos Estados Unidos, pela qual desembolsou R$ 23 mil. "Agora planejo colocar uns acessórios adicionais usados em competições, com outro tipo de usinagem que gera furinhos perfeitos, o grande segredo do espresso bem tirado. O céu é o limite."
Proprietário da cafeteria Pato Rei, com duas unidades em São Paulo, Tiago de Mello costuma ter produtos especiais para os coffee lovers. São microlotes raros, oferecidos a alguns poucos clientes, já os preços são exorbitantes.
"Reservo um lugar no balcão diante da máquina, para que o cliente interaja comigo. Certa vez, um desses clientes chegou contando que já acordou em função da experiência. Mudou a rotina, não pôs perfume para não interferir nos aromas, manerou no café da manhã e tomou muita água, para eliminar o sabor da pasta de dentes."
O café mais caro que Tiago já vendeu, um microlote de Geisha, trazido do Panamá, saiu por R$ 128 a xícara. "Trouxe 30 doses, achando que ia durar muitas semanas, mas acabou em 10 dias."
A farmacêutica paulistana Erika Rabak é uma dessas loucas por café, espécie de sócia-atleta da Pato Rei e capaz de cometer as maiores extravagâncias. Na cafeteria, já desembolsou R$ 80 por uma xícara, seu recorde até hoje. Em viagens, os roteiros são construídos em função das cafeterias a visitar — ou lavouras de café a conhecer.
Já cheguei a tomar 20 cafés em um só dia. Acho que já nem sinto o efeito da cafeína.
Vinho nas alturas
Amantes dos vinhos, os chamados enófilos, não fazem por menos. Quando dispõem de orçamentos polpudos, então, não reconhecem limites. Especialista em vinhos, o carioca Marcelo Copello organiza e participa de leilões, mundo afora, e já testemunhou muitas histórias que parecem ficção.
Ele conta que não é raro um colecionador cismar de querer um determinado rótulo raro, desses que podem custar mais de R$ 300 mil. Sabendo disso, as casas de leilão costumam oferecer suas maiores joias dentro de lotes de garrafas — e os clientes mais abastados topam levar o lote inteiro, só para realizar seu desejo.
Um dos episódios mais comentados no universo dos leilões internacionais, conta Copello, foi protagonizada por Serena Sutcliffe, que chefia o departamento de vinhos da Sotheby's.
Ela foi incumbida de dar lances em nome de um cliente, só que o sujeito se esqueceu disso e também compareceu ao leilão. Os dois disputaram a garrafa e foram elevando o preço, mas na verdade o comprador era um só, que pagou bem mais caro pelo esquecimento.
"In loco" é outra coisa
Outro objeto de desejo que faz os foodies enlouquecerem - e abrirem a carteira com vontade - são as trufas. As brancas da região de Alba, no norte da Itália, que brotam espontaneamente nos bosques, durante o outono europeu, são as mais caras - chegam ao Brasil custando até R$ 90 mil o quilo.
Delicadas, não duram mais do que 10 dias, porque logo perdem os aromas. A importação é uma operação de guerra, como conta a restauratrice Monica Claro, sócia da rede Tartuferia San Paolo. "Fizemos um trabalho junto à Anvisa para conseguir uma liberação mais ágil. Elas vêm em caixas especiais, enroladas em papel-toalha, que tira a umidade, mantidas o tempo todo entre 2ºC e 6ºC. Em apenas dois dias, chegam aos restaurantes."
Em 2023, foram consumidos 7 quilos nas três casas da rede. Em geral, segundo Monica, cada cliente põe de 5 a 10 gramas de trufas laminadas sobre o prato. Faça as contas: cada grama sai por R$ 90, sem contar o preço do prato em si. Mas nem todo mundo é tão, digamos assim, moderado.
Tem cliente que pede para laminar até 15 gramas. Nossa maior venda individual foi para alguém de Belo Horizonte, que comprou meio quilo de trufas brancas frescas, para um jantar, e mandou o motorista vir retirar, de carro, em São Paulo.
Sócio do restaurante Vinheria Percussi, Lamberto Percussi bate ponto no norte da Itália todos os anos em busca de trufas, tanto que já é membro da Ordine dei Cavalieri del Tartufo d'Alba, grupo que reúne apreciadores de várias partes do mundo. Segundo ele, quem é louco mesmo por trufas não fica à espera delas por aqui.
"Você pode embalar da melhor forma, mas o transporte sempre leva alguns dias e a trufa perde um pouco. Por isso, os aficionados de verdade vão todos os anos para lá. Passam três, quatro dias em Alba, para ir aos restaurantes que recebem as trufas frescas e sabem trabalhar bem o ingrediente. Comer a trufa in loco é outra coisa."
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