Que show do Jacquin é esse? 'Guia Michelin é igual Fórmula 1', diz chef
Na palestra que deveria celebrar seus 30 anos de Brasil, no Mesa São Paulo, Érick Jaqcuin mostrou que tempo e espaço são meros detalhes em seu show de cronologia bagunçada e divertida.
Indo e vindo entre lembranças do começo de carreira e comentários sobre os temas que levaram a gastronomia ao mundo pop, o francês declara amor pela profissão, mas mostra que seu talento também está na oratória, meio ao estilo stand-up comedy.
Metralhadora de boas frases, fez lotar um dos auditórios do Memorial da América Latina antes das 10 horas da manhã em plena sexta-feira.
Cozinha exige história - e dinheiro
Com uma trajetória estrelada desde os tempos de Paris, Jacquin conta que no Brasil, deixou a obsessão por estrelas do Guia Michelin de lado e diz que, cada vez mais, ser premiado e ter um bom restaurante é uma questão de dinheiro.
Seja para contratar profissionais de destaque, ingredientes de qualidade ou equipar a cozinha com o que há de mais moderno:
Tudo exige muito dinheiro, como um bom carro de Fórmula 1.
Hoje comandante de nove restaurantes ("e devo abrir mais quatro ou cinco e depois me aposento"), diversifica os negócios como o Brasil permite ("por que não posso fazer italiano?"), mas não deixa de puxar a sardinha para o que considera a cozinha de mais "vida": "A cozinha de bistrô, que é animada, e não cansa", se derrete.
Dizem que eu vivo de passado, mas será que meu restaurante é um museu?, questiona.
Se comparando ao cantor Roberto Carlos, questiona se fazer as mesmas coisas, "como ele canta as mesmas músicas", não é justamente o que garante um público fiel ("como ele lota os shows").
"Não existe cozinha de museu. Existe história e respeito por ela", declara. Relembra as tendências e manifestações modernas, como a cozinha molecular.
Onde está ela agora? Não está sozinha, mas sim incorporada ao clássico. Ser criativo é justamente isso: fazer a cozinha de ontem e colocar a cozinha de hoje, acredita.
E não coloque uma pinça nas mãos de Jacquin, como os chefs mais jovens exibem por aí: "me lembra médico, dentista. Eu faço é com a mão".
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Diante dessa nostalgia positiva, Jacquin também relembra como as cozinhas eram um ambiente de respeito meio na marra, e muito no abuso.
Se fizesse 10% do que aguentei, sairia preso, diz.
Ao mesmo tempo, lamenta os tempos mais "cascudos", em que um cozinheiro fazia e refazia receitas ao bel-prazer da crítica do chef, segurava horas e horas para um preparo, sentia cheiros e sabores, "não só colocar num saquinho e sair por aí até ficar pronto".
Em alguns momentos, Jacquin lamenta a falta de camaradagem dos novos chefs - "hoje eles nem se cumprimentam mais" - e por mais de uma vez é interrompido por ligações ao celular.
Do outro lado, o companheiro Emmanuel Bassoleil duas vezes. "Viu como atrapalha? Será que clientes topariam largar o celular na hora de jantar? Assim como bermuda no restaurante e terno na praia, não é o lugar", relembra recentes polêmicas.
Por mais de uma vez, ele atende e faz graça, mas também lembra que foi o colega e amigo também francês que o ajudou em sua pior fase, quando falido, precisou de um empurrão, uma bronca ("ele que me disse 'vai, levanta') e de R$ 50 mil para recomeçar - "e que nunca foram ou serão devolvidos", brinca Jacquin.
Mas, claro, nem tudo é sobre dinheiro. E não, nem sempre o cliente tem razão. Jacquin lembra até uma vez em que um cliente do restaurante Les Présidents pediu "tiramisú como o do Fasano". "Se ele queria comida do Fasano, por que não foi lá? Mas eu, claro, realizo todos os desejos dos meus clientes", conta.
O chef conta que acinou o amigo de longa data, o sommelier Manoel Beato, pediu a sobremesa, a serviu ao cliente e ouviu o elogio de ser "igual ao do Fasano". Na conta, cobrou "pelo prato e pelo frete - o Fasano é na rua logo ao lado. "O cliente nunca mais voltou", relembra e arranca gargalhadas.
"Cozinha é terapia"
Grato pelo Brasil, "que deu tudo o que eu tenho", o chef francês exalta também a importância do MasterChef, reality do qual participa como jurado desde o começo, em 2014.
"O programa mudou o jeito como o brasileiro come em casa. Já ouvi criança falar que o pai começou a cozinhar por isso e que eles fazem as receitas e dão nota", conta.
"Nunca fiz terapia na vida. Gastronomia é minha terapia", exalta. "Eu nunca trabalhei, só me diverti", segue. "Sou um homem feliz, gosto do que eu faço", continua. "É uma profissão que nunca vai passar", acredita, dando esperanças a uma plateia-tiete.
Já bem ao final do painel, uma figura grisalha e alta se senta na penúltima fileira do auditório e acompanha as falas finais de um Jacquin entre aplausos e risadas.
Uma fila se forma para tirar fotos ao lado do chef e um berro da figura ecoa "quero tirar também". Era Bassoleil, tirando sarro do amigo. Chefs, amizade e humor combinam bem, afinal.
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