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Ela trouxe ceviche 'de verdade' ao Brasil: conheça la peruana Mari Woodman

Marisabel Woodman Imagem: Divulgação

Editora de Nossa

05/12/2024 05h30

O Peru não é longe, mas, até pouco tempo, era um vizinho desconhecido para boa parte dos brasileiros. A paquera começou, sem dúvida, pela comida. E nem estamos falando da "buena onda" de estrelas e rankings que celebraram e ainda festejam a culinária e os cozinheiros de lá. No início, era ceviche.

Entre os embaixadores do prato refrescante que tomaria corações paulistanos de assalto, uma mulher de sorriso largo, simpatia contagiante e amor por dançar e brindar com refrescantes pisco sour: Marisabel Woodman, do La Peruana.

Marisabel Woodman Imagem: Divulgação

Filha de Piura, na costa norte do Peru, Mari tem a iguaria de origem pré-inca, também nascida na região, como identidade:

"Cresci comendo ceviche e frutos do mar", lembra. As ondas e marés, que hoje também fazem relaxar uma chef-empreendedora-surfista, eram as donas das brincadeiras da infância, quando a diversão era ajudar os pescadores a puxarem as redes e depois levar os peixes para casa.

Foi com a avó — hoje uma senhora cidadã do mundo e cozinheira de mão cheia ainda aos 88 anos com 5% da visão —, que descobriu a cozinha crioula de temperos intensos e pimenta "desde criancinha".

Marisabel Woodman com o pai em Colán Imagem: Arquivo pessoal

Minha mãe me teve com 19 anos, muito jovem, então eu com uns 6 anos saía com ela e com as amigas para as cevicherias da praia. Comia do jeito que era, bem ardido. E com mandioca, que segurava a ardência, lembra.

Na casa sempre cheia, ainda se via passar lulas, lagosta, arroz com frutos do mar, seco de chabelo, majao de yuca, tiraditos - esses últimos a reportagem poderia tentar explicar, mas só se entende mesmo provando o colorido crocante sinestésico (sim, isso tudo) dos banquetes peruanos.

Casa da avó em Colán Imagem: Arquivo pessoal

Do passado, marcas de queimadura na insistência de participar do que saía do forno à lenha a todo custo. E até um primeiro empreendimento:

Aprendi a fazer chocolates com uns 11, 12 anos e levava para a escola. Estava proibido, mas até as professoras compravam. No primeiro recreio já acabava e comprei meu primeiro celular assim.

O Peru no mapa-múndi

Quando terminou a escola, Mari queria fazer gastronomia, mas por determinação do pai, acabou em administração de empresas, atuou por tempos na área e a vida seguiu.

Com os colegas do Hotel Plaza Athénée, de Alain Ducasse Imagem: Arquivo pessoal

Ainda na faculdade conheceu o então namorado e hoje marido, o brasileiro Roni. Com ele, saiu do Peru e se mudou para a França, onde realizou o sonho de estudar e trabalhar com cozinha.

Mas faltava aji amarillo: "sentia que faltava sabor nas coisas", lembra. Faltava mistura: "eles gostavam muito do produto do jeito que eram". Faltava o indígena, o espanhol, o chinês da fusão chifa, o japonês, o italiano, o africano, faltava Peru e seus milhos, batatas e peixes.

Tacu Tacu de la Isla, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

No meu país, tudo tem muito gosto, muita explosão de sabores. Na França, tudo é mais purista. No começo, não me acostumava, mas depois saí amando, confessa.

Após passar por Singapura e com vida quase pronta no Brasil, Mari decidiu voltar às origens e passou meses na terra-natal, onde via o Peru florescer para o mundo com o Central de Virgilio Martínez, eleito o melhor restaurante do mundo em 2023.

Marisabel Woodman e Virgilio Martínez, no Central Imagem: Arquivo pessoal

Lembro de ler uma entrevista há uns quase 15 anos de Gastón Acurio em que ele dizia que a culinária do Peru era um diamante bruto. E no Central me emocionei, porque eu senti que toda essa riqueza de matéria-prima estava sendo levada a um nível Europa. Era revolucionário.

Alguns pratos do La Peruana Imagem: Thays Bittar

Na mesma época, também via uma sofisticação do que havia de mais popular como no El Mercado de Rafael Osterling e mesmo no La Mar, de Gastón, em Lima.

Ceviche sobre rodas

Marisabel Woodman ao lado de Alex Atala, à esq. Imagem: Arquivo pessoal

Depois de tudo e tanto, estava no Brasil e a ideia era entrar num restaurante menor, depois da experiência com os grandes da cozinha europeia.

"Mas eu não aguentei, né? Eu fui bater na porta do Alex Atala no D.O.M", conta.

O futuro, no entanto, não estava na alta gastronomia, mas numa febre que alimentava São Paulo e fez muita gente descobrir (ou desistir) da cozinha. Era a época das feiras gastronômicas e dos food trucks.

Food truck La Peruana Imagem: Arquivo pessoal

Cevicheria ambulante? Não era a primeira ideia, como conta Mari.

Se tem algo que temos orgulho é da nossa comida. Então queria apresentar os outros 500 pratos do Peru, começar com os anticuchos. Mas foi o ceviche que mais chamou atenção.

O negócio deu certo, rodou por São Paulo, pelo interior e veio a vontade de ter um restaurante para chamar de seu.

E foi em plena Alameda Campinas que surgiu "do zero" o La Peruana. A rua mais tranquila na região dos Jardins agradou o público desde o início e virou um "mini-Peru", uma imersão pelo país com uma equipe majoritariamente peruana e que fala com amor dos pratos.

La Peruana, de Marisabel Woodman Imagem: Divulgação/Ricardo Alencar

Agora sim, com ceviche como carro-chefe. E do jeito mais peruano possível - equilibrado em acidez do limão, picância da pimenta, crocância da cebola e frescor do peixe e um cevichero "importado" de Piura.

Nem sempre se encontra em São Paulo o que a receita original exige — "o peixe no Pacífico não é igual ao do Atlântico" —, mas Mari garante que é muito leal e a reportagem que é muito, mas muito bom.

Ceviche Clássico, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen
Ceviche nikkei, do La Peruana Imagem: Thays Bittar
Degustação de ceviches, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

De salsa, de surfe

Hoje mãe de duas filhas pequenas ("brasileiras, pero peruaníssimas"), Mari se desdobra entre criações de novas receitas, o olho sobre tudo o que passa pelo La Peruana e noite de salsa com as amigas peruanas e agregadas, entre brasileiras e americanas e mexicanas radicadas em São Paulo. "Vamos salsar? Vamos?", tenta convencer a jornalista ao final da entrevista.

Marisabel Woodman Imagem: Divulgação

Nas viagens, uma prancha e muita comida. A última paixão - e obsessão, como tem com o que há de bom - o México.

Com uma amiga, saiu uma viagem de surfe no México. Em Puerto Escondido. Surfamos e comi incrível. Na Cidade do México, tudo incrível. E voltei de lá e fiz várias coisas.

Hoje o La Peruana, graças a esse amor mexicano, tem ceviche tatemado, dois tipos de tacos, tiradito com leite de tigre, guacamole e totopos.

Uma frustração nesses anos de Brasil é não ter conseguido convencer o público a comer frango como os peruanos comem. "Somos fissurados em pollo, mas aqui só comem frango em casa", analisa.

Ambiente do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

Ainda que o La Peruana se renove, teste e experimente, o público segue fiel. Na noite da entrevista, houve até quem chegasse um pouco antes de o restaurante abrir.

Depois da pandemia, foi o público que animou a reabertura - "e me abraçavam. Foi emocionante".

E 2025 teremos novidades, aí sim falando ao desejo de anos atrás de levar o público brasileiro a uma imersão além dos ceviches. De uma rua de Pinheiros, a viagem será para a costa norte do Peru.

Para ver um pouco as minhas raízes. Quero poder fazer um pouco mais e ser mais livre, diz num paradoxo que só os apaixonados pelo que fazem sabem.

Os ares do Pacífico chegaram para ficar na cidade sem o mar que Marisabel tanto ama. O Peru também é aqui.

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