Como 2.400 obras de Salvador Dalí foram parar em uma praia dos EUA?
Uma das maiores coleções de um gênio da pintura está exposta de frente para o mar a duas horas de Orlando, desafiando o imaginário de que coisas assim deveriam estar em museus sisudos no meio da Europa.
O espanhol Salvador Dalí (1904-1989), que gostava tanto de desafiar a lógica e a realidade, estaria com um sorriso discreto e sua famosa piscada de um olho ao ver que cerca de 2.400 de suas obras estão na cidade praiana de Saint Petersburg exatamente como ele gostava: revelando o inesperado.
É difícil decidir se o destaque do The Dalí Museum é o tamanho da coleção, o tanto de interatividade ou a arquitetura. Para abrigar a maior coleção de obras de Dalí fora da Espanha, o prédio que receberia esse feito não poderia ser qualquer um. Inaugurado em 2011, virou um marco da arquitetura na Flórida, tanto que foi incluído na lista do Instituto Americano de Arquitetos como uma das grandes arquiteturas da Flórida dos últimos 100 anos.
Talvez você não conheça o arquiteto pelo nome, Yann Weymouth, mas por outras obras fica mais fácil. Ele é o mesmo que projetou os museus mais visitados do mundo: a pirâmide de vidro do Louvre e uma das alas da National Gallery of Art, em Washington D.C.
Em Saint Petersburg, Yann criou um domo geodésico, ou, traduzindo, uma estrutura de vidro composta por 1062 triângulos de vidro que formam um domo. É o chamado Enigma, em alusão à obra de Dalí "O Enigma do Desejo".
Mais uma curiosidade: todo esse vidro geralmente fica azul por conta das cores da Flórida. Ele literalmente deixa transparecer o céu sempre azul e o mar da baía de St. Pete, como é carinhosamente apelidada a cidade. É integrado a um jardim de esculturas e a um bloco de concreto de paredes tão grossas que nem mesmo um furacão da categoria cinco seria capaz de danificar a estrutura e a coleção.
Na mente de Dalí hoje em dia
O museu mescla muito bem tecnologia e arte: além de pinturas, esculturas, ilustrações, documentos, fotos e desenhos, são muitas as interatividades. Mas o maior exemplo de inovação é a experiência Ask Dalí, que, lançada este ano, não existe em mais museu algum do mundo.
O título define: os visitantes podem perguntar o que quiserem a Salvador Dalí em um telefone-lagosta, inspirado no objeto surrealista criado pelo artista de 1936. Graças à inteligência artificial e ao machine learning, quem responde é quase o próprio Salvador Dalí, com a voz, o estilo e a personalidade do controverso artista.
O museu é mais do que uma galeria de obras de arte: é um portal para a mente de Dalí Beth Bell, diretora de marketing do The Dalí Museum
Quem quer entender essa mente maluca deve baixar o aplicativo do museu antes da visita. É só apontar o celular para oito obras-primas de Dalí, que aquele mundo de sonhos e fantasias pula da tela e passa a se movimentar em realidade aumentada. Maçãs, garrafas e facas voam sobre uma mesa, um topete se transforma em pássaro e pontos em cerejas.
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Quero receberEnquanto isso, em outro espaço, os sonhos dos visitantes são recriados ao estilo de Dalí e exibidos em tempo real. É o Dream Tapestry ("tapete dos sonhos"). Basta escrever no aplicativo seu sonho, que a inteligência artificial transforma os cenários surrealistas em peças de arte: uma tela de 3,6 metros exibe seis retalhos por vez formando uma tapeçaria de sonhos coletivos. É a primeira vez que se usa um programa de inteligência artificial para criar imagens a partir de descrições em um museu.
O Dream Tapestry é uma baita inovação, mas tem interatividade ainda mais nova. É a exposição em 360° Dalí Alive, que toma todo um domo construído exatamente para isso. Com clima descontraído e o público em pé ou em cadeiras, imagens projetadas em 360° fazem todo mundo olhar para cima, para a esquerda e para a direita para entender a infância de Dalí, os problemas com a família, os círculos de amizade no surrealismo, a ida para os Estados Unidos e tudo o mais.
Esse mergulho na vida do gênio da pintura exige um ingresso à parte. Paga-se US$ 32 para entrar no museu e mais US$ 15 para o 360° Dalí Alive.
Por que 2.400 obras de Dalí foram parar ali
O museu foi inaugurado em 1982, mas a história começou 40 anos antes com o casal Albert Reynolds and Eleanor Morse. Ele era empresário e filantropo. Ela, filantropa. Os dois tinham visitado, em 1942, uma exposição itinerante de Salvador Dalí em Cleveland, em Ohio, e se encantaram pelas obras.
Adquiriram a primeira de centenas de obras em 1943 (era a intitulada "Papai Pernas Compridas da Esperança da Noite!", uma alegoria sobre a Segunda Guerra Mundial), e, depois de conhecerem pessoalmente o artista e se tornarem bons amigos, não pararam mais com a coleção.
O casal exibia as pinturas de Dalí em casa e, em meados da década de 1970, decidiu doar toda a coleção. Na época, o Wall Street Journal publicou o artigo U.S. Art World Dillydallies Over Dalí (algo como "O mundo da arte nos Estados Unidos enrola em relação a Dalí"), e então a comunidade de Saint Petersburg se mobilizou para levar a coleção para a região. Com o novo prédio, inaugurado em 2011, vieram mais museus, galerias e restaurantes, e todo o downtown de St. Pete se tornou um polo cultural e gastronômico.
E vem mais no museu que já recebe 400 mil visitantes por ano. Segundo Beth, em 2027 começam as obras para a expansão do The Dalí Museum, uma área que vai trazer ainda mais experiências imersivas, eventos de última geração e espaço para complementar a educação de crianças e jovens. Ela explica:
Os museus com visão de futuro devem criar uma infinidade de experiências para seus públicos, desde textos didáticos nas paredes até aquelas baseadas em plataformas digitais, que encantem os visitantes e complementem o artista e seu trabalho. Isso reflete o espírito visionário do próprio Dalí e a disposição de abraçar o não convencional
Se Dalí pretendia romper a realidade, conseguiu deixar um legado.
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